Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Lista de desejos para 2014

2013 foi o ano de Edward Snowden. O ex-analista da Agência de Segurança Nacional dos EUA, eleito personalidade do ano pelo Guardian (depois de Chelsea Manning um ano antes), desencadeou um debate global crucial sobre a amplitude da vigilância maciça na era contemporânea. “Entre as baixas”, escreve um repórter, “está a suposição de que os segredos mais bem guardados de uma nação continuarão em segredo.”

Trata-se de um desenvolvimento positivo e uniforme, apesar dos gemidos de inúmeros agentes de inteligência, comentaristas de mídia, o grosso da elite de Washington e uma classe média que, em grande parte, esqueceu como as coisas funcionam quando não dependem da palavra oficial. O público em geral não aceita os argumentos de condescendência usados pelos hackers da NSA – de que suas ferramentas são usadas para nos proteger do terrorismo.

Um debate maduro sobre a espionagem pós-11 de setembro é fundamental, algo que é quase impossível oferecer quando políticos que deveriam ser os responsáveis por isso – é para o senhor que estou olhando, ministro australiano das Comunicações, Malcolm Turnbull – batem a porta na cara dos jornalistas que fazem seu trabalho.

Portanto, em 2014 os repórteres têm uma opção: ou continuam sendo considerados párias sem credibilidade (uma recente pesquisa feita pelo Gallup nos EUA confirmou essa opinião entre a população em geral), ou passam a investigar quem está no poder. Com esse espírito, eis aqui minhas sugestões para que os repórteres recuperem a confiança – de maneira a que todos nós finalmente lembremos com o que se parece o jornalismo de confronto numa democracia sólida.

Cuidado com matérias de fontes anônimas

Um número demasiado grande de matérias que aparecem na grande mídia tem uma única fonte e, muitas vezes, anônima. A organização [profissional e sindical] australiana Media, Entertainment and Arts Alliance registra, em seu código de ética, que um repórter “deveria ter como objetivo atribuir a informação à sua fonte. Quando a fonte procurar o anonimato, não concorde antes de levar em conta previamente os motivos para isso e buscar qualquer outra fonte alternativa”. Essa regra é quebrada rotineiramente, quando os jornalistas preferem receber vazamentos autorizados de autoridades, governo e ministros da oposição, assim como assessores e empresários simpáticos à sua causa. Isso é preguiçoso e contraproducente, pois a matéria torna-se pouco mais do que propaganda disfarçada com um crédito. Os jornalistas não têm que sair de seus escritórios de ar condicionado – e raramente o fazem.

Pense na principal matéria deste ano: segundo informações da mídia, a Síria estaria usando armas químicas contra seus próprios civis (apesar das sérias preocupações sobre a verdade dessa denúncia e o uso questionável do serviço secreto pelo presidente Obama, como apontou o lendário repórter Seymour Hersch em artigo recente que teve repercussão insignificante). Quando o Observatório Sírio de Direitos Humanos – uma operação limitada a uma única pessoa, na Grã-Bretanha – é constantemente citado como fonte das baixas sírias, isso torna-se problemático. A verdade dentro do território sírio é flagrantemente difícil de apreender, mas os editores deveriam reconhecer que muitas vezes não sabem o que acontece.

Além do mais, os jornalistas só deveriam conceder anonimato às fontes quando for absolutamente essencial. A ombudsman do New York Times, Margaret Sullivan, condenou seu jornal por não ter aprendido com a história (alô, Iraque, e as armas de destruição em massa?) e continuar a permitir que autoridades se pronunciem sobre fatos sem os atribuir a uma fonte. “Uma parte da solução”, escreveu ela, “está nos repórteres recusarem, de maneira mais enérgica, fontes que peçam anonimato. Isso talvez não funcione para a cobertura de segurança nacional de alto risco, mas com certeza funcionará em outras áreas”. É muito frequente que os jornalistas permitam que uma fonte seja citada anonimamente porque estão desesperados para encontrar uma legitimidade que promova a credibilidade de suas matérias. O resultado é uma narrativa que irá agradar aos que estão no poder, mas um jornalismo forte deveria sempre trazer desconforto àqueles que foram eleitos para nos governar.

Fim dos textos opinativos de políticos

Nossa paisagem midiática é poluída por políticos que empurram a linha do partido. Um exemplo: na véspera do Natal, o assistente do Tesouro australiano, Arthur Sinodinos, do Partido Liberal, escreveu no jornal The Australian que a economia voltara a crescer após uma aparente má administração do Partido Trabalhista. Trata-se de um press release que qualquer editor com um mínimo de autoestima se recusaria a imprimir. O programa Q&A, da ABC TV, também deveria banir os políticos porque eles oferecem pouco mais do que opiniões já gastas produzidas por agentes de relações públicas extremamente bem pagos.

Os veículos decentes da mídia diriam aos políticos (e aos assessores, que muitas vezes são quem escrevem as colunas) que as tiradas políticas são cansativas. O que cabe a uma imprensa forte não é conceder simplesmente carta branca para que nossos líderes pontifiquem.

“Efeito Snowden”

A cobertura contínua de documentos vazados por Snowden irá continuar em 2014, mas o grande desafio, como articula Dan Gillmor no Nieman Journalism Lab, é o seguinte: usar os documentos para identificar e ampliar uma questão de tamanha importância e alcance para que não se inflamem e se apaguem, como acontece com a maioria das matérias… Em 2014, e ainda mais à frente, os jornalistas devem buscar inspiração no efeito Snowden. Seu foco deveria ser mais na massa crítica – como consegui-la e como alimentá-la. Se o jornalismo é importante, não podemos nos limitar a levantar grandes temas. Temos que estendê-los e depois, alimentá-los.

O WikiLeaks foi pioneiro deste tipo de modelo editorial, com inúmeros veículos da mídia pelo mundo todo cobrindo documentos diretamente relacionados a seus países. Muitos outros deveriam acompanhar esta iniciativa inspiradora. É o oposto da reportagem paroquial e obriga as publicações concorrentes relutantes a colaborar em matérias fundamentais. A competição por iniciativas e a rejeição em reconhecer que a internet torna essas velhas tradições quase obsoletas impede um jornalismo inovador.

A importância das emissoras públicas

Quem pode esquecer de James Murdoch, ele próprio envolvido no escândalo das escutas telefônicas clandestinas na Grã-Bretanha, quando disse, no Festival de TV de Edimburgo, em 2009, que o tamanho da BBC era “assustador” e que a emissora estava montando uma “usurpação” num mercado de mídia competitivo? “A corporação não consegue distinguir entre o que é bom para ela”, disse Murdoch, “e o que é bom para o país.” Esse tipo de sentimento é constantemente evocado por repetidores de Murdoch na Austrália, onde inúmeros editoriais ousam exigir que a ABC fique prostrada diante do estado de vigilância e não prejudique o “interesse nacional”.

A BBC tem suas questões – um exame mais profundo deveria ser usado na cobertura da guerra –, mas sua existência é um desafio aos interesses comerciais e uma ameaça ao fundamentalismo de mercado. Na Austrália, a ABC, intimidada com o sucesso durante os anos de governo de John Howard, de 1996 a 2007, e receosa de dar prosseguimento a inúmeras matérias controvertidas, enfrenta pressões renovadas de se curvar aos caprichos do governo. A pressão constante funciona, muitas vezes por meio da autocensura – algo que examinei em meu livro My Israel Question, sobre a questão do Oriente Médio. Produtores, jornalistas e editores devem resistir a qualquer tentativa de impedir, ou amolecer, matérias com potencial para criar dificuldades para os poderosos. Os perigos inerentes a uma mídia patrocinada por contribuintes num clima desse tipo são óbvios.

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Antony Loewenstein é jornalista freelancer, escritor, documentarista e fotógrafo, Sydney, Austrália