Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O que esperam os bilionários que apostam na mídia?

O jornalismo nunca para de criar surpresas e dar margem à especulação – é isso o que torna tão divertidas as equivocadas previsões de fim de ano. Por exemplo, nenhum dos adivinhos do Nieman Journalism Lab previu, há um ano, que um bilionário jogaria 250 milhões de dólares num negócio que vem morrendo há anos, enquanto outro pagaria a mesma quantia por uma “organização de mídia jornalística”, até agora não lançada e bastante misteriosa.

Portanto, a grande questão é: o que trarão esses senhores para a mesa, além do dinheiro – e, mais especificamente, conseguirão encontrar modelos de negócios na mídia digital que, até o momento, se esquivaram de todo mundo?

À medida que a economia começava a sair do marasmo, há alguns anos, algumas pessoas, como Ken Doctor, do Nieman Journalism Lab, esperavam que a indústria jornalística passasse por uma consolidação mais ampla, do tipo daquela que procurava há muito tempo o fundador da Media News, Dean Singleton, e outros. Na época, a questão que levantei foi se seria realmente uma consolidação no sentido de força derivada das eficiências e oportunidades das redes nacionais, como as consolidações na indústria de rádio, ou uma limpeza – uma varredura dos ativos baratos e obsoletos com uma estratégia de espremer deles os anos finais de fluxo dos recursos.

A expectativa era de que, com o crédito mais fácil, grupos jornalísticos importantes pudessem encontrar o apoio financeiro necessário para uma fusão, ou uma aquisição, e trocar ativos de forma a construir grupos regionais ou nacionais mais fortes e fazer os necessários investimentos em pesquisa e desenvolvimento para construir um futuro digital. Porém, como o dinheiro ainda era curto, foram poucos os passos que vimos desse tipo.

Em vez disso, a maior parte das coisas que aconteceram na área empresarial jornalística veio de bilionários e quase-bilionários que entraram no jogo. Entre eles o lendário investidor Warren Buffett (cujo BH Media Group adquiriu 28 jornais locais e cerca de 40 outros em 10 estados americanos por 344 milhões de dólares), o gestor de dinheiro e dono da equipe de beisebol Red Sox John Henry (que pagou 70 milhões de dólares pelo jornal The Boston Globe), o magnata Aaron Kushner (dono do conglomerado Freedom Communications, inclusive do jornal The Orange County Register) e o fundador da Amazon, Jeff Bezos (250 milhões de dólares pelo jornal The Washington Post).

Seriam estes investimentos consolidações na indústria, varredura de ativos ou outra coisa qualquer?

A verdadeira estratégia de Buffett

Pessoalmente, acho que Warren Buffett vai atrás de uma estratégia de limpeza. É claro que ele diz outra coisa: “Onde quer que exista um sentido penetrante de comunidade, um jornal que atenda às necessidades especiais de informação dessa comunidade se tornará indispensável para uma porção significativa de seus moradores.” E o que ele poderia dizer de diferente? Ele pode até acreditar no que diz e acreditar que os jornais impressos continuarão a ser viáveis por um bom tempo, assim como pode preferir ler as notícias em papel, como a maioria das pessoas de sua geração. Mas a estratégia oculta de Buffett é a seguinte: ele compra ativos de jornais por um baixo preço e não faz neles grandes investimentos, na expectativa de que, mesmo que percam valor nos próximos seis ou oito anos, ele terá um retorno decente do investimento feito.

Curiosamente, essa é precisamente a estratégia adotada pela empresa Berkshire Hathaway, de Buffett, na década de 30 e até 1950 sob o controle da família Chace, de Providence, antes que Buffet comprasse o que sobrara dela, em 1962. Na época, ele apenas precisava de uma empresa – qualquer empresa – que fosse negociada publicamente e fácil de controlar para servir de veículo para sua estratégia de investimento. A família Chace vira o setor têxtil migrar para o sul; fizeram uma limpeza de ativos na Nova Inglaterra comprando fábricas e consolidando o equipamento para sugar todos os recursos que conseguissem. (E acabaram tendo mais sorte do que o sortudo vencedor da loteria, pois mantiveram uma parcela minoritária, após a chegada de Buffett, que atualmente vale centenas de milhões de dólares.) Após assumir o controle da empresa em 1965, Buffett continuou a enxugar o setor têxtil até o fechamento da última fábrica, em 1969.

Portanto, aqui vai a previsão nº 1: Warren Buffett vai continuar comprando jornais onde conseguir comprá-los por baixo preço. Não há por que esperar uma grande estratégia ou novos modelos de negócios. Em última instância, esses jornais serão fechados e vendidos. Trata-se de uma limpeza de ativos.

Jornalismo filantrópico

Os outros magnatas bilionários da mídia, inclusive o fundador do site eBay Pierre Omidyar, não se interessam, obviamente, pela consolidação da indústria nem pela limpeza de ativos. São motivados por outra coisa. Adorariam ganhar dinheiro com seus investimentos, sem dúvida alguma. Mas, para a maioria deles, o dinheiro que estão arriscando é uma ninharia comparado a seus valores líquidos. (No caso de Bezos, seu investimento inicial no Post vem de menos de 1% de seu valor líquido. É como se comprássemos um carro usado. É possível que ganhemos uma mixaria vendendo-o depois, com lucro – mas não ligamos para isso.)

Eis aqui por que o fazem: essa gente é motivada por um impulso filantrópico bastante parecido com aquele que motivou os barões da imprensa no século 20. O modelo de negócios dos barões era o seguinte: se comerciantes quisessem divulgar suas mensagens, a publicidade nos jornais reinava praticamente sozinha. Como bonificação, as pessoas se dispunham a comprar um exemplar ou ter entrega a domicílio, o que cobria os custos de impressão e distribuição. As margens de lucro chegavam a 50%. A notícia estava no coração do “produto” (era assim que era chamado, na redação), mas as notícias não se pagavam por si próprias. A notícia era uma doação à comunidade, um pouco de filantropia por parte dos barões da imprensa, como os museus, bibliotecas, salas de ópera e escolas, criadas por outros das classes mais ricas. A qualidade de uma redação era uma maneira de ostentar riqueza e demonstrar generosidade, ao mesmo tempo em que enriquecia a comunidade.

Assistimos agora a uma versão do século 21 da mesma motivação filantrópica, provavelmente junto com alguma arrogância – aquela do tipo “Embora ninguém tenha encontrado um jeito de fazer este negócio funcionar, eu posso fazê-lo porque comecei e consertei inúmeros outros negócios.”

É difícil encontrar um paralelo para este fenômeno em outros negócios que não vingaram. Não conheço magnata algum que tenha entrado para o negócio de carroças puxadas por cavalos, máquinas datilográficas ou filme fotográfico, uma vez que esses negócios foram responsáveis por sua queda. O paralelo mais próximo em que posso pensar são as estradas de ferro.

As estradas de ferro, que foram historicamente propensas a prosperar e quebrar ciclos e a especulação desenfreada, na década de 1970 estavam nas últimas devido ao baque sofrido com carros, caminhões e aviões. Desde então, a indústria vem se dando bastante bem (com os fretes) e atraiu vários investidores ricaços, inclusive Buffett (BNSF), Phil Anschutz (Union Pacific), Forrest Mars (Tongue River Railroad), Elon Musk, fundador da PayPal (Hyperloop, um sistema de transporte de alta velocidade) e Bill Ackman (Canadian Pacific). Mas não é propriamente um paralelo, uma vez que o negócio das estradas de ferro não precisava de uma reinvenção total.

Em sua maioria, os investimentos na mídia por magnatas (com exceção de Buffett) simplesmente brotam do que eles consideram interessante, potencialmente lucrativo e um desafio empresarial muito público no qual pensam que podem ser bem-sucedidos – mesmo que, de início, não tenham ideia do que possa ser a solução. Basicamente, pensam eles, se os jornais foram uma permissão para imprimir dinheiro durante cem anos, e se ainda há um apetite considerável pela notícia, tem que haver uma maneira de fazê-lo online, mesmo que ninguém tenha sido capaz de descobrir como fazê-lo nas duas últimas décadas.

E, portanto, passamos à previsão nº 2: continuaremos a assistir a alguns investimentos louváveis em jornalismo por pessoas muito ricas – mas num curto prazo não veremos modelos de negócios de transformação concretos vindos da parte delas. Ao invés disso, esses investimentos são louváveis simplesmente porque, dando prosseguimento ao impulso filantrópico, elas normalmente empregam mais jornalistas, melhoram o produto e deixam as comunidades felizes por terem um bom jornal. É provável que vejamos mais super-ricos entrando no jogo, talvez comprando jornais como o Worcester Telegram e Gazette (que John Henry está separando do Globe) e o Providence Journal (que está sendo descartado por A.H. Belo).

O negócio de Omidyar

Finalmente, chegamos ao mistério que é a jogada de 250 milhões de dólares de Pierre Omidyar e a contratação de Glenn Greenwald (na prática, adquirindo a importante fonte dos segredos de Edward Snowden), juntamente com Laura Poitras e Jay Rosen. Entre todos os atuais jogadores endinheirados, acho que Omidyar talvez tenha as melhores possibilidades.

Então, previsão nº 3: embora pouca coisa tenha vazado sobre a forma que esse empreendimento irá tomar, prevejo que o que iremos ver é um sistema de notícias global (não apenas um website), combinando as melhores características dos jornais The Texas Tribune e GlobalPost e as redes de jornalismo investigativo. Haverá resumos de notícias, caso você só queira saber o que está acontecendo; haverá fluxos personalizados de notícias, caso você tenha interesses específicos; haverá um jornalismo de textos mais longos, com mais conteúdo, excelente fotografia e vídeo. A ideia será construir uma comunidade global em torno de notícias que interessem. Podem haver derivados, como livros e eventos. Será um empreendimento com fins lucrativos, mas assim como o Google, o Facebook, o Twitter etc, não irá revelar qualquer estratégia de receita por vários anos. O foco principal será começar por construir uma audiência.

O melhor paralelo ao “negócio de Omidyar” provavelmente é o lançamento da CNN em 1980 por Ted Turner (que custou apenas o equivalente a cerca de 70 milhões de dólares, em grana de hoje, dando uma ideia da magnitude da jogada de Omidyar). A CNN era um modelo absolutamente novo, era global, era transformador e contratava excelentes profissionais. Mas só ao cabo de cinco anos se tornou lucrativa. Portanto, vamos dar uma chance a Pierre – isso pode demorar um pouco.

******

Martin Langeveld trabalhou por 30 anos em jornais, 13 deles como publisher, e hoje é consultor de marketing e planejamento estratégico no estado americano de Vermont