Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O rebelde da internet

Dependendo da pessoa a quem você faça a pergunta, Evgeny Morozov é o escritor mais astuto, ou mais temido, ou mais odiado ou inútil que discute tecnologia digital nos dias de hoje. Com apenas 29 anos de idade, vindo de uma cidade industrial na Bielorrússia, ele apareceu como se surgisse do nada, no final da primeira década do século 21, entre participantes de uma conferência e pessoas que discutiam a solução para definir nossos futuros digitais, um mensageiro hostil de uma terra longínqua, declarando descaradamente que a idade das ideias e a felicidade interconectada era apenas, digamos, uma bosta.

Dizer que Morozov saiu de seu caminho para irritar gente poderosa e influente no mundo tecnológico não é dizer tudo. Fazer isso é sua ocupação principal. Na visão de mundo morozoviana, o professor e teórico da mídia social Clay Shirky, da Universidade de Nova York, não passa de um mero consultor; a missão do Google é monetizar toda a informação do mundo; e Tim O’Reilly, editor e investidor de capital de risco que cunhou a “Web 2.0”, é um oportunista viralorwelliano e o principal culpado pelo “permanente vazio de nossos debates tecnológicos”. Para milhões de espectadores, as conversas sobre Tecnologia, Entretenimento e Design (TED) são discursos que inspiram “ideias que vale a pena disseminar” sobre ciência e tecnologia. Para Morozov, são uma espécie de injeções “sinistras“ de “ideias que não cabem em rodapé algum”.

Ou então, tente esta passagem. É o desmonte de um trabalho de triunfalismo tecnológico chamado Realidade Híbrida, mas também é um resumo do que ele pensa sobre todo o discurso tecnológico: “Talvez seja disto que trata a Era Híbrida: o marketing passando por teoria, os charlatães passando por filósofos, um culto da Nova Era fazendo-se passar por uma universidade, os negócios fazendo-se passar por redenção, os lemas passando por verdades.”

Toda a estética de Morozov está nesta frase: o veneno, o escárnio, o avesso da piedade hipócrita de seus adversários, a acusação franca de que toda essa conversa sobre uma nova era de prosperidade humana não passa de uma tentativa de improvisar os negócios da assessoria do palestrante. Os entusiastas da tecnologia canalizam a esperança. Os céticos canalizam preocupações. Morozov canaliza raiva e isso pode ser uma emoção muito gratificante para alguém que não esteja convencido de que tudo está melhorando. Leon Wieseltier, que publicou algumas das críticas mais ácidas de Morozov na New Republic, compara-o ao feroz músico de jazz Charles Mingus, que respondeu a um entrevistador que o acusava de “berrar” dizendo: “Sinto vontade de berrar.” Perguntei a Morozov se ele considerava os textos de seu Twitter– que vomita uma corrente de sátiras ofensivas e absurdas – coerentes com o que descrevem. “Claro que sim”, respondeu. “Considero arte.”

Um  herege neste mundo

A determinada altura, terminam os berros, todo mundo se sente ofendido e é hora de falar sobre o que aprendemos. Porque Morozov não é apenas um “assassino de intelectuais“, como disse um escritor. Ele quer ser levado a sério e tem produção suficiente para exigi-lo. Publicou dois trabalhos que foram considerados “Livros Notáveis do ano” pelo New York Times e sua influência é global e crescente. Publicou dúzias de ensaios em algumas das publicações com mais prestígio no mundo e sua coluna mensal, além de aparecer na Slate, é traduzida para os principais jornais da Alemanha, Espanha, Itália, China e vários outros países. Na avaliação de Morozov, se o presidente-executivo do Google, Eric Schmidt, desse algum tipo de atenção a ele, não seria porque ele pode publicar artigos na página de opinião do New York Times, mas porque pode publicar artigos na página de opinião de jornais por toda a Europa.

Muitos dos adversários de Morozov o descartam como uma criança mimada, alguém que senta no canto da sala recusando-se, como disse uma vez Tim O’Reilly, a ser “útil“, lançando insultos aos adultos enquanto estes arregaçam as mangas e resolvem os problemas do mundo. Ao fazer a resenha do segundo livro de Morozov no Washington Post, o professor de Direito da Universidade de Columbia Tim Wu falouda “promessa” de Morozov como pensador antes de lamentar: “Suspeita-se que ele queira ser um Bill O’Reilly [apresentador de rádio e TV, escritor e comentarista político] para intelectuais.” Morozov enfrenta críticas semelhantes mesmo entre seus apoiadores. Certa vez, ele defendeu seu estilo dizendo: “Temos sacerdotes demais e faltam bobos da corte”, explicação sobre a qual Joshua Cohen – professor de Stanford que trouxe Morozov para Palo Alto como professor e publicou alguns de seus primeiros artigos longos na Boston Review – me disse: “Besteira. Há um enorme campo aberto entre sacerdotes e bobos da corte.”

Morozov insiste que sua recusa em ser útil é a única forma de utilidade – e mesmo, como escreveu recentemente num de seus ensaiospara jornais alemães, um dever intelectual. Tradicionalmente, esta é uma definição não-controvertida do papel do crítico na vida intelectual. Mas não no reino implacavelmente ensolarado dos gurus da tecnologia, onde tal obstinação deve ser desconcertante, e mesmo perversa. O atual discurso sobre tecnologia digital tem mais tonalidades do que a caricatura que Morozov muitas vezes apresenta, mas a ideia básica é a de que estamos vivendo através de uma revolução benévola e que estamos todos unidos por boas intenções enquanto procuramos novos modelos para nossa economia e nossas vidas. Nesta cultura de validação mútua, os alvos de Morozov são os desenvolvedores, os inovadores e os disruptores – as pessoas que, como disse um frequente saco de pancada de Morozov, Jeff Jarvis, fazem “o trabalho de Deus“.

Morozov é um herege neste mundo. Se ele é um herege que vale a pena escutar é uma questão aberta, embora muitos dos mais influentes formadores de nossas vidas digitais já tenham concluído que não é.

Estudantes famintos

O envolvimento com Morozov, pessoalmente ou em sua página, produz uma espécie de choque de cultura. As ideias progressistas mais inofensivas tornam-se pessimistas e desconcertantes em suas mãos – por exemplo, ele acredita que as pessoas que tentam perder peso usando aplicativos para exercícios físicos criam um precedente perigoso que poderia promover práticas abusivas pelos planos de saúde. Existem muitos aspectos de sua biografia e personalidade que não fazem sentido de forma a que um observador de fora julgue coerente ou justificável, ou mesmo útil. Nem fascinado nem com fobia pela tecnologia, ele é frequentemente descrito como “o mais feroz crítico do Vale do Silício”. Mas, como todos nós, ele checa seu modelo mais recente do iPhone durante as pausas na conversa. Ele cultiva um tipo hostil e confiante, mas em agosto de 2012 tomou a humilde decisão de entrar para um programa de doutorado de História da Ciência e prepara-se agora para o exame geral em Harvard. Tanto na conversa quanto em seus textos, ele passa rapidamente de um assunto sério para piadas absurdas; tem orgulho de dizer que cabe à audiência perceber a diferença. Quando fala sobre suas ambições profissionais, por exemplo, diz: “Talvez em cinco anos eu compreenda que o que preciso fazer é dirigir uma escola de ensino médio revolucionária em algum lugar na Dinamarca. Não excluo essa possibilidade.”

Decididamente, ele não é norte-americano, mas também não se identifica como bielo-russo. Ele nem gosta de visitar a Bielo-Rússia e, entre os motivos que poderia usar para justificar essa atitude, opta por dizer que é muito exigente com sua dieta. (Recentemente, ele perdeu quase 50 quiloscom uma máquina de remo, em seu apartamento, enquanto assistia a filmes de arte europeus.) Com um sorriso bobo, diz que gosta de seu café feito na hora e que precisa comer sushi pelo menos uma vez por semana. Detesta Palo Alto (um “lugar horrível”), mas gosta tanto da Biblioteca Green de Stanford que, num mundo ideal, ele passaria os invernos em Palo Alto e os verões em Berlim. Quando está escrevendo ou lendo sobre assuntos digitais, ele isola o telefone e o cabo do roteador para evitar distrações. Quando alguém zombou dele online sobre isso, respondeu: “Acredite, passei por toda a literatura necessária em filosofia moral e continuo não percebendo qual é o problema.”

Quando o entrevistei, Leonard Benardo, um amigo de Morozov que dirige um programa na Open Society Foundations, ofereceu um conselho: “Se um músico quisesse se candidatar a um compasso com Morozov, não seria 4/4. Seria um compasso maluco de 11/5, do tipo Steely Dan encontra-se com Stockhausen. Impor racionalidade a alguém que trabalha com um compasso desse tipo é uma missão inútil.”

Crescendo na cidade de Soligorsk, onde metade da população trabalha para a mina estatal de potássio, Morozov diz que, lá pelos seis ou sete anos, decidiu que iria tentar a vida no exterior. Na adolescência, seus pais – que tinham cargos profissionais na mina até se aposentarem – contrataram uma amiga da família para ensinar inglês a Morozov. Além de trabalhar com ela diariamente durante cinco anos, ele estudava várias horas por dia, fundamentalmente dedicando o período de sua vida dos 12 aos 17 anos para se preparar para o exame de acesso à universidade. Sua recompensa foi uma bolsa de estudos da Open Society Foundations para estudar na Universidade Americana na Bulgária, onde se juntou a batalhadores de vários países do ex-bloco soviético. Os principais objetivos dessa turma eram administração empresarial e economia, e Morozov, para se garantir, fez ambos os cursos. “Eram estudantes famintose Evgeny era, com certeza, um dos mais famintos”, diz Aernout van Lynden, que começou a lecionar na universidade após 23 anos como correspondente de guerra no Oriente Médio e nos Balcãs.

Falando besteira

Morozov conheceu van Lynden quando pediu ao professor que o ajudasse a conseguir dinheiro para ir a uma conferência – e van Lynden ofereceu pagar de seu próprio bolso. Depois disso, Morozov acompanhou vários cursos de jornalismo de van Lynden, esperando melhorar sua redação, e mergulhou por completo no mundo da crítica quando, por sugestão de van Lynden, começou a ler a New York Review of Books. Percebe-se, pela atração que tinha por van Lynden, um desejo de Morozov de se modelar por pessoas corajosas e, de fato, ele dedicou seu primeiro livro ao professor dizendo que ele “me mostrou como são a coragem e a decência”. Também é claro que van Lynden representou uma nova e importante presença na vida de Morozov. Nos agradecimentos, nesse mesmo livro, ele se refere à sua família da seguinte forma: “Apesar de não compreender por completo o que eu faço, minha família, lá na Bielo-Rússia, tem dado todo o apoio à minha busca intelectual.”

No verão de 2004, Morozov passou por uma transição de vida fundamental – ou seja, encontrou algo que achou ser era “merda” e fez um enorme esforço para evitá-lo. No caso, ele passou o que chama “as piores dez semanas de minha vida” como estagiário do banco J.P. Morgan, na Inglaterra, algo que seus colegas da universidade consideravam o máximo do sucesso. Para Morozov, no entanto, foi apenas a confirmação de que não tinha futuro em finanças. De qualquer maneira, terminou o curso e, sem saber ao certo o rumo que tomaria sua vida, procurou um programa de artes liberais em Berlim.

Morozov leu muito sobre política internacional e durante esse período descobriu o entusiasmo que crescia nos Estados Unidos com os blogs como ferramenta política. A campanha presidencial de Howard Dean, em 2004, trouxera para a grande mídia ideias sobre organização e levantamento de fundos online. Nesse meio tempo, o papel da nova mídia na política era muito menos claro e menos documentado nos levantes pró-democráticos no Leste Europeu – as chamadas Revoluções Coloridas. Segundo reportagens, as novas ferramentas, como mensagens de texto, blogs e mesmo vídeo games, haviam desempenhado um papel importante e mal compreendido nesse novo esforço por um movimento democrático. Morozov começou a juntar os pontos entre a blogosfera norte-americana e os acontecimentos que se davam perto de seu país. “Howard Dean perdeu, mas no Leste Europeu regimes foram derrubados”, diz ele. “Milosevic foi levado a Haia, Shevardnadze foi deposto na Geórgia, Yushchenko chegava ao poder na Ucrânia. Você percebia que as coisas podiam mudar.”

Começou a escrever sobre a situação política na Bielo-Rússia para a Transitions, uma ONG com sede em Praga que incentivava a adoção da nova mídia por jornalistas independentes no ex-bloco soviético. Em 2006, a Transitions contratou Morozov como seu primeiro diretor de novas mídias, um cargo que o obrigou a viajar muito – com 22 anos – para treinar jornalistas e blogueiros no Leste Europeu.

“Pensar que você está em meio a uma revolução e tem a chave que permite desdobrá-la é, confesso, bastante inebriante”, escreveria Morozov mais tarde. Boa parte de seu trabalho deste período foi preservada e é fascinante assistir a um vídeo no YouTubede 2007 que mostra um garoto gordinho, com um sotaque carregado, falando sobre como a mídia digital poderia transformar a política esclerosada e indecente de sua região. Ao lhe ser perguntado pela entrevistadora o que considera o desenvolvimento “mais inovador” dos últimos anos, o jovem Evgeny enumera rapidamente uma lista de possibilidades que fazem lembrar muito os “ciber-utópicos” que mais tarde gostaria de espetar. “E, com certeza, crowdsourcing [modelo de trabalho jornalístico em que a fonte está no conhecimento coletivo]”, diz ele. “Assim como aplicar a lógica do movimento de software de fonte aberta a ideias mais amplas, processos mais amplos.” Um outro vídeoda mesma conferência mostra-o fazendo a apresentação do tema “Pondo a Comunidade no Centro da Inovação na Nova Mídia”.

E aqui estamos com Morozov, hoje, falando sobre o cara do vídeo: “Eu tinha 23 anos e estava numa sala com gente de 40, 50 anos, todos editores e jornalistas, e eu estava falando umas besteiras e eles aceitavam tudo. O grau até onde ambos os lados desconheciam como toda aquela coisa era imbecil faz você ficar apavorado.”

Um crítico evolui

Obsessivamente, compulsivamente, Morozov vê falhas em tudo, inclusive em seu próprio trabalho. Essa característica já o levou a romper com inúmeros ex-aliados, principalmente Ethan Zuckerman, que atualmente dirige o Center for Civic Media, no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Defensor da capacidade da internet conectar uma cidadania global, Zuckerman levou Morozov à diretoria do Programa de Informação da Open Society Foundations, em 2008, um passo importante em sua ascensão e que eventualmente o ajudou a conseguir um cargo de professor em Nova York. Dois anos depois, Morozov começou a atacar Zuckerman publicamente, acusando-o, entre outras coisas, de desviar dinheiro destinado à pesquisa do Departamento de Estado e, desde 2011, os dois não se falam. Zuckerman não quis ser entrevistado para este texto. “Alienei tantas pessoas que quando recebo um convite para uma conferência, vejo quem vai estar lá e digo ‘Não, não quero estar lá’”, diz Morozov. “Fica esquisito para mim. E fica esquisito para eles. Então, que se lixe. Me poupa muito tempo de ler e escrever.”

Em meados de 2008, Morozov ficara frustrado com seu trabalho na Transitions. Muitos dos projetos, diz ele, “acabaram não saindo do jeito que eu queria. Também percebi que, nos lugares em que trabalhavam, os governos eram muito mais sofisticados do que pensávamos. Envolviam-se em novos tipos de vigilância. Contratavam blogueiros. Não havia nada nesse conjunto de ferramentas que fosse benéfico apenas para um dos lados”.

Sua percepção de falhas nas batalhas de consequências importantes não basta para explicar, por si, a transformação seguinte de Morozov – num cético da tecnologia de fama mundial. Quando começou na Transitions, ele e seus colegas tiveram que dar duro para convencer patrocinadores cautelosos de que o treinamento na nova mídia era um investimento prudente em países com uma conectividade baixa e um longo histórico de esmagar as dissidências. No entanto, a narrativa acabou por mudar e um grupo de players poderosos – da mídia ao Departamento de Estado – estava subitamente promovendo essas estratégias digitais como a melhor esperança do mundo para construir a democracia. Morozov sentiu-se, realmente pela primeira vez, fora da principal corrente de intelectuais – um lugar onde se sentiria cada vez mais em casa.

Jeremy Druker, chefe de Morozov na Transitions, faz a seguinte descrição: “Acho que, de várias maneiras, aquilo que Evgeny se tornou é uma resposta, não em relação àqueles anos maravilhosos em que todos estávamos confusos mas entusiasmados, e sim em botar tudo para dentro de um carro e a coisa se tornar um modismo.”

Esse “modismo” está extensamente documentado (e ridicularizado) no primeiro livro de Morozov, The Net Delusion, que foi publicado em janeiro de 2011. No livro, ele chama a ideia de que a tecnologia seria o ingrediente-chave para a promoção da democracia de “ciber-utopismo” e mostra como essa ideia impregnou o público e a consciência política.

Enquanto Morozov assistia ao crescimento do modismo ciber-utópico, sua desconfiança foi se transformando num ciber-pessimismo que, às vezes, era igualmente dogmático. Depois de sair da Transitions, Morozov acabou se tornando professor na Open Society Foundations (um dos patrocinadores da organização), o que o levou para Nova York em agosto de 2008. No ano seguinte, Morozov deu uma palestra em uma conferência TEDem Oxford, intitulada “Como a internet ajuda ditaduras“. Isso foi uma espécie de despedida para Evgeny, o cético, e um importante passo no sentido de tornar o ceticismo uma marca. É um outro vídeo que vale a pena ver e um contraste considerável com seu entusiasmo sobre crowdsourcing dois anos antes. No vídeo, ele está em pé, no meio do palco, vestindo uma camisa azul enrugada aberta no pescoço. Há um ar humilde nele, como se não esperasse que alguém fosse ouvi-lo. Seu único gesto é mover as mãos para cima e para baixo, muitas vezes ao mesmo tempo, enquanto enfatiza seus argumentos sobre como todas as ferramentas e ideias digitais que tanto emocionam a audiência estão permitindo a vigilância e a perseguição de dissidentes por criminosos e autocratas pelo mundo todo.

“Evgeny sente-se atraído por ideias que ele acredita que, para bem do público, deveriam ser desmascaradas”, diz Benardo, da Open Society Foundations. Ele compara Morozov a críticos sociais como Karl Kraus e Dwight MacDonald, desmancha-prazeres profissionais que “se sentiam quase divinamente ungidos” em seus esforços para derrubar falsas esperanças e receber sabedoria.

Quando terminou seu curso na Open Society Foundations, em 2009, Morozov começou outro na Universidade de Georgetown, onde seu temperamento crítico inato tornou a se voltar contra seu trabalho. Na Universidade de Georgetown, ele diz que era frequentemente “o cara da internet” numa sala cheia de especialistas em política externa. “As pessoas não queriam saber o que eu pensava do Oriente Médio. Queriam saber o que eu pensava da internet no Oriente Médio”, diz ele. “É uma maneira bizarra de compartimentalizar as coisas.”

Morozov não era especialista em Oriente Médio. E agora ele compreendia que sua utilidade como “especialista de internet” (ou como graduado em administração empresarial, ou ainda como “cientista da internet”) dependia completamente da suposição, em grande parte não examinada, de que a nova mídia tinha um efeito coerente e previsível em qualquer país (ou indústria) que tocasse – e que ele e o restante dos “cientistas de internet” compreendiam esses efeitos e a lógica interna que os produzia. Era uma suposição da qual ele começava a duvidar seriamente. Sem essa coerência prevista, nem ele nem outro especialista de internet poderia ter muita utilidade para os analistas do Oriente Médio ou quaisquer outros.

Vale a pena ressaltar que a suposição de uma internet coerente e benévola impregna muito mais do que a mera convicção entre as elites políticas e tecnológicas que se beneficiam da ideia. A crença de que a tecnologia pode resolver alguns de nossos problemas mais espinhosos pulsa entre as noções norte-americanas mais profundamente enraizadas sobre a natureza do progresso e o destino nacional – noções que o próprio Morozov ajudou a exportar durante as revoluções democráticas no Leste Europeu. A angústia de Morozov sobre seu papel como “especialista de internet” tornou-o menos interessado em discutir se o Twitter beneficia mais os autocratas que os revolucionários e mais interessado em analisar o espírito cultural de época que, por exemplo, levou Ronald Reagan a dizer, em 1989, que “o Golias do totalitarismo será derrubado pelo David do microchip”. O trabalho de Morozov enquanto cético atacou a superfície deste fenômeno, mas ele queria atacar o núcleo central – a maneira pela qual pensamos e falamos sobre tecnologia. Ele não tinha certeza absoluta de como fazê-lo.

Quando terminou seu curso na Universidade de Georgetown, Joshua Cohen ofereceu a Morozov um curso em Stanford. Ele passava o tempo em Palo Alto, procurando encontrar uma base intelectual. “Durante a maior parte de 2011 e possivelmente o início de 2012, eu não sabia o que fazer intelectualmente”, diz Morozov. “Estava ficando claro para mim que não poderia continuar fazendo proclamações sobre a internet. Mas não estava claro que outra possível estrutura poderia ocupar seu lugar. Eu não tinha estofo teórico suficiente para descobrir o que fazer.”

Publicado simultaneamente com o início da Primavera Árabe, Net Delusion empurrou um intelectual confuso de 26 anos para os holofotes internacionais. No entanto, foi nessa época que Morozov escreveu seus textos mais mordazes. Ao invés de dar lugar à ambivalência, como se poderia esperar, as dúvidas que Morozov tinha sobre suas próprias qualificações fizeram-no mais determinado em questionar a perícia de outros.

Durante 2011, ele escreveu vários desmontes de todos os “especialistas de internet” à vista. O mais notável entre eles foi Kevin Kelly, jornalista da revista Wired que, por ter ajudado no lançamento de uma das primeiras comunidades online (The Well), desempenhou um papel importante em dar forma à internet moderna. Morozov apelidouKelly de “eminência parda do Vale do Silício” e depois descartou seu livro, What Technology Wants, como pouco mais do que literatura promocional para a indústria tecnológica. Isso é típico do que Morozov escrevia durante esse trecho, que enfatizava a ideia de que tanto a indústria quanto seus entusiastas eram mais motivados por lucros do que pelo serviço público.

Perguntei a Morozov como ele conseguia ser tão confiante em suas críticas aos outros quando, volta e meia, tinha dúvidas sobre si próprio: “É muito fácil”, disse. “Você pega os fatos e revisa suas opiniões. Eu escrevo coisas. Ouço as pessoas. Leio mais. Descubro que algumas de minhas primeiras estruturas eram provavelmente incoerentes e teoricamente defeituosas. Lembro-me disso e sigo em frente.”

Cohen, que segundo Morozov é uma da meia dúzia de pessoas que lêem seu trabalho ainda em rascunho, tem uma abordagem mais rígida sobre o mesmo conceito: “Ele lê as coisas das outras pessoas e, numa análise rigorosa, acha que não fazem sentido. E, claro, nessa análise rigorosa nem suas próprias coisas sempre fazem sentido. Acho que ele ainda não escreveu coisa alguma que resista ao tipo de análise crítica rigorosa que ele dá ao trabalho de outras pessoas.”

O custo da merda

Minha primeira conversa com Morozov foi na manhã de um dia útil, num café perto da Praça Harvard. Ele se inscreveu no programa de História da Ciência de Harvard após determinar, depois de inúmeros dias de 15 horas de leitura na Biblioteca Green, que a história da ciência lhe oferecia a base intelectual que faltava em seu esforço para encontrar uma nova estrutura para falar sobre tecnologia e seu papel na sociedade. Mudou-se para Cambridge em agosto de 2012. Se alguém pensasse que isso seria um sinal da emergência de um Evgeny mais calmo, com mais compostura, estaria enganado. Naquela manhã, Morozov estava falando sobre merda – especificamente, a luta contra a merda como princípio organizacional de seu trabalho.

“Parte de meu trabalho é levantar o custo de produzir merda nesta área e conferir se as pessoas pagam por isso com vergonha, sendo ridicularizadas, com resenhas devastadoras, o que quer que seja”, diz ele.

Ele terminou seu segundo livro, To Save Everything, Click Here, pouco antes de chegar a Harvard e ele foi publicado em março de 2013. Expondo uma obsessão quase maníaca com merda, o livro desmonta dois aspectos que Morozov percebe em nosso debate sobre tecnologia que considera perigosos. O primeiro é o “solucionismo”, a ideia de que deveríamos remodelar nossos problemas, da paralisação política à perda de peso, como coisas a serem solucionadas antes de tudo pela eficiência tecnológica. A segunda é o “internet-centrismo”, que ele descreve como a “firme convicção de que vivemos tempos únicos, revolucionários, nos quais não há lugar para verdades prévias”.

No fundo, Morozov diz que seu trabalho é uma tentativa de integrar os debates sobre tecnologia em debates mais amplos, sobre política, economia, história e cultura – áreas de estudo com tradições muito mais ricas e recursos intelectuais muito maiores para enfrentar os muitos desafios que a tecnologia apresenta. Uma tal guinada no discurso, em sua opinião, limitaria a influência daqueles que defendem soluções tecnológicas estreitas para problemas que são essencialmente não-tecnológicos – como disseminar a democracia – e roubaria de uma palavra como “disrupção” a conotação positiva que adquiriu como uma força para o progresso, permitindo que seja vista como exemplo doloroso de economia liberal. Quando discutido em termos puramente digitais, por exemplo, deixar uma empresa transformar o serviço de táxis de uma cidade é uma coisa óbvia. Quando o digital é integrado ao político, no entanto, isto se torna um debate mais complicado sobre regulação, infraestrutura e direitos dos taxistas.

O mais radical foi o uso que fez, entre aspas irônicas, da expressão “a internet” desde que foi publicado To Save Everything. Não é que ele negue a existência de tecnologias transformativas da internet. É que ele considera uma merda as noções de divindade e inevitabilidade inatas que foram conscientemente impregnadas na internet. “Você pensa em Big Pharma, Big Oil”, diz ele. “O simples fato de você usar o termo ‘big’ significa que eles provavelmente têm interesses que divergem daqueles do público. Ninguém usa o termo ‘big data’ nesse sentido.”

Ele vai dedicar seu tempo em Harvard – e por vários anos depois – a escrever uma espécie de pré-história da internet que, segundo ele, irá desvendar as origens da atual estrutura intelectual que usamos para fazer sentido das coisas digitais, rastreando as raízes do discurso sobre “descontinuidades” e “revoluções” e mostrando como esse discurso limita o nosso raciocínio. O debate sobre privacidade, por exemplo. É tentador pensar na capacidade do Facebook, Google – e até da NSA – de coletar dados como uma mera consequência de nossa era digital e, portanto, como uma característica inevitável do progresso à qual devemos nos adaptar. Mas Morozov destaca as várias maneiras de pensar sobre privacidade que são tornadas invisíveis a partir desta suposição. A privacidade, escreveu num ensaio recente, é algo com que as democracias sempre tiveram que lutar e é mesmo um “meio de conseguir um certo ideal da política democrática no qual se confia que os cidadãos sejam mais do que fornecedores de informação aos tecnocratas que tudo veem e tudo otimizam”.

A editora Farrar, Straus and Giroux deverá publicar o livro da pré-história e, a acreditar em Morozov, será a contribuição que Joshua Cohen e outros esperam dele. E que Morozov espera de si próprio. Pouco após a publicação de To Save Everything, ele escreveu no Twitter: “A maneira correta de pensar sobre o livro é a de uma granada lançada para testar as águas. Em cinco anos, voltarei num tanque.”

Aparentemente, as pessoas não viram muita coisa nesta grandiloquência exceto para gozar um raro escorregão para uma metáfora mesclada. O “tanque” é o trabalho em andamento e, em grande parte, o familiar berreiro de Morozov. Mas a mensagem pelo Twitter é notável pela insegurança em relação ao livro anterior, sua ambição sobre o que virá e seu lançamento dos debates de tecnologia em termos de batalha – quase, poderia dizer-se, como uma luta contra a tirania.

“Ele realmente é uma espécie de intelectual político sem partido”, diz John Summers, editor do The Baffler que publicou a destruição que Morozov fez de Tim O’Reilly em 16 mil palavras, destacando que não há um coletivo de apoio preparado para agir de acordo com as ideias dos textos de Morozov. “Há uma história disto nos Estados Unidos, exatamente desse tipo de personalidades, e já não lhes damos muita atenção. Temos intelectuais públicos, mas não temos muitos intelectuais políticos porque a maioria das pessoas acha que não irá muito longe ao fazê-lo.”

Já Morozov, por seu lado, parece ter calculado que chegaria longe e lutou para ocupar uma posição de influência de modo a colocar um argumento sobre pessoas, ideias e indústrias em que ele acha que deveríamos confiar menos. Para achar isto útil ou não, depende do que você tem em jogo. Mas com Morozov cabe sempre à audiência decidir onde termina a crítica e começa a piada. “Tenho plena consciência do que estou fazendo”, diz ele. “Estou destruindo o mundo centrado na internet que me produziu. Se for bem-sucedido, deveria tornar-me irrelevante.”

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Michael Meyeré escritor e jornalista