Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Na Bolívia, engraxates vendem jornal para complementar renda

Caminhar pelas ruas de paralelepípedos de La Paz, capital da Bolívia, usando sapatos arranhados ou sujos geralmente é garantia de atrair atenção de centenas de engraxates que circulam pela cidade. Carregando caixas de madeira cheias de polidores e escovas, os engraxates costumam ser insultados por muitos, chamados de viciados e criminosos, mas a história deles frequentemente envolve pobreza, trabalho infantil, violência e ausência de moradia.

Esta é também uma história que pode ser lida no jornal. Especificamente, no jornal Hormigón Armado, que eles mesmos vendem para complementar a renda. A publicação foi criada por Jaime Villalobos, que viu moradores de rua vendendo uma revista chamada The Big Issue quando estudava gestão de recursos naturais em Newcastle, na Inglaterra. Hormigón Armado é um jogo de palavras que significa tanto “concreto armado” quanto “formiga armada”, e a intenção do nome é representar a resiliência dos moradores de rua da Bolívia.

A publicação está em seu oitavo ano e as edições são lançadas bimestralmente, cinco mil exemplares por vez, todos financiados por anúncios publicitários. O jornal é distribuído sem custo a engraxates e trabalhadores de rua, que os vendem ao público por quatro Bolivianos (cerca de R$1,50) e ficam com cem por cento do lucro. No entanto, para que tenham o direito de comercializar o periódico, os participantes devem seguir requisitos, como participar de oficinas semanais sobre temas que vão desde direitos humanos, passando por educação até primeiros socorros.

Superação social

O Hormigón Armado tem como foco ajudar principalmente as crianças, adolescentes e pais de crianças que trabalham nas ruas, buscando mitigar os danos, como problemas escolares e vulnerabilidade à violência, a qual pode surgir da própria necessidade de se trabalhar a partir de tenra idade.

“Se você cresce em um ambiente que ama e cuida de você, consegue se desenvolver quando criança e crescer para se tornar um adulto confiante. Mas isso é bem difícil para as crianças que trabalham na rua, pois elas estão expostas a muitos perigos”, diz Villalobos. “Estamos tentando enfrentar esses efeitos para que elas cresçam como adultos confiantes e entrem no mercado de trabalho formal.”

Os membros da Hormigón Armado se reúnem em uma sede improvisada. Com idades entre nove e 40 anos, alguns parecem saudáveis ??e usam roupas limpas, outros têm rostos magros e roupas esfarrapadas.

Mauge, de 24 anos, abandonou um lar abusivo quando tinha apenas nove. Como era uma das poucas meninas que trabalhavam como engraxate, ela se disfarçou de menino. Hoje, já deixou as ruas e estuda para se tornar esteticista, com uma bolsa conseguida através da Hormigón Armado. Ela também faz parte de um projeto piloto de turismo, que organiza passeios em La Paz. Mauge ganha de R$ 80 a R$ 100 por mês vendendo jornais e realizando passeios ocasionais. “O programa ajuda”, declara. “Ajuda a pagar o aluguel e ajuda com a escola.”

Villalobos agora espera abrir um centro profissionalizante para jovens pais que trabalham nas ruas e contratar um assistente social e uma equipe para prestar mais apoio a estas pessoas. “É incrível ver alguém terminar o ensino médio ou sair das drogas”, diz ele. “Admiro a forma como esses garotos batalham e vão à luta.”

No Brasil, a Ocas

O Brasil também tem um projeto social similar voltado a adultos sem emprego: a revista Ocas é uma publicação bimestral da ONG OCAS (Organização Civil de Ação Social). A revista é vendida desde 2012 nas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro, e tal como a Hormigón Armado, também gera renda aos vendedores. A diferença em relação à revista boliviana é que a Ocas é comprada pelos trabalhadores – elas a adquirem por R$ 1 e a revendem pelo preço de capa, R$ 4. O lucro fica com o vendedor, sem intermediários.

Com tiragem de cinco mil exemplares, a Ocas publica reportagens e ensaios nacionais e internacionais sobre cultura, comportamento, política, esporte e meio ambiente, além de reservar espaço para a expressão dos vendedores e abordar questões relacionadas ao tema da exclusão social.

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Assista ao vídeo sobre o projeto Hormigón Armado: