Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Os desafios dos profissionais de imprensa para cobrir os conflitos na Síria

A Síria é o país mais perigoso do mundo para jornalistas e, ainda assim, todos os dias, centenas de cidadãos arriscam suas vidas para tirar fotos, gravar vídeos e fazer relatos detalhados do conflito civil. Muitos estão tentando alcançar a comunidade internacional. Outros querem elevar a consciência dos locais. A maioria teme que, sem este trabalho, as atrocidades do conflito fiquem sem registro. E alguns dizem que fazem isso porque não há mais nenhum outro trabalho na guerra.

Desde o início do conflito na Síria, em março de 2011, jornalistas e profissionais de mídia sírios e estrangeiros têm sido alvo de ataques, segundo uma pesquisa realizada pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). Pelo menos 63 foram mortos em represália a seu trabalho, e cerca de 30 estavam desaparecidos até o fim de 2013.

Censura do governo

Durante o governo do presidente Hafez al-Assad, que durou de 1971 até sua morte, em 2000, apenas canais de notícias estatais ou filiados ao Partido Socialista Árabe Baath eram autorizados a divulgar reportagens. Quando seu filho, Bashar al-Assad, chegou ao poder, houve esperança inicial de mudança, e a imprensa local deu seus primeiros passos em direção a uma independência mais ampla e a uma crítica mais aberta. No entanto, esta evolução não veio. As publicações privadas – proibidas desde 1963 – foram legalizadas em 2000, mas sob restrições severas. Todas as publicações deveriam ser licenciadas pelo governo, e relatórios sobre assuntos militares ou tópicos que poderiam “prejudicar” a segurança nacional ou a “harmonia nacional” ficaram proibidos.

Os jornalistas também passaram a sofrer retaliações por parte de grupos rebeldes, que agrediam os profissionais sob suspeita de apoiar o governo. Ao final de 2011, os jornalistas enfrentaram ainda uma terceira frente com a aparição de grupos militantes islâmicos não-sírios que os atacavam, raptavam e até matavam.

Mídia independente

Com tantas restrições em vigor, no início de 2000 alguns sites independentes começaram a florescer, de acordo com Massoud Akko, um sírio que monitora da Noruega a liberdade de imprensa de seu país e se intitula um “ativista da imprensa”. “As pessoas passaram a usar blogs para emitir suas opiniões”, diz ele. Todavia, o governo começou a filtrar a dissidência online, a bloquear sites politicamente delicados e a deter blogueiros. A censura online tornou-se generalizada e, em 2009, a Síria foi identificada pelo CPJ como o terceiro dentre os 10 piores países do mundo para blogueiros.

Embora não exista um número sólido, uma pesquisa do CPJ indica que muitas empresas sírias estão atuando ativamente em reportagens. “Antes da revolução só havia uma história sendo contada: a história pelo ponto de vista do regime”, relata Mowaffaq Safadi, um jornalista sírio exilado na Turquia. “Agora, mesmo que a mídia não seja totalmente profissional, pelo menos temos nossas histórias diferentes sendo contadas”.

Primavera Árabe

Logo depois veio a euforia da Primavera Árabe. Conforme a dissidência borbulhava na Síria – inspirando grandes manifestações públicas no primeiro semestre de 2011 –, meios de comunicação independentes e improvisados começaram a surgir. Seus membros, no entanto, não eram todos jornalistas profissionais. Em vez disso, a maioria era formada por cidadãos arrastados pela revolução, ou revolucionários que tomaram o papel de agregadores de notícias com uma contribuição para a mudança política da Síria. Eles se intitulam jornalistas-cidadãos, trabalhadores da mídia, ou ativistas de mídia.

Conforme os protestos iniciais se intensificavam, mais os jornalistas se interessavam, mas a repressão do governo também aumentava, expulsando os profissionais de imprensa da Síria e impedindo outros de entrar no país. Com isso, os cidadão comuns começaram a ficar mais interessados ainda no que ocorria, e aumentaram a cobertura informal.

Dezenas de grupos independentes começaram a aparecer em toda a Síria, informou o New York Times em junho de 2011. A maioria foi concebida como grupos centrados em midias sociais que organizavam protestos. Com o crescimento da necessidade de divulgar informações aos sírios e ao exterior – primeiro sobre os protestos e depois sobre as represálias do governo –, tais grupos se transformaram de fato em agências de notícias que permaneceram profundamente envolvidas na política da revolução.

Conhecidos como comitês de coordenação, centros de mídia, centros de imprensa ou sindicatos de mídia, tais alianças (informais em sua maioria) continuam a operar em partes da Síria. Jornalistas trabalhando nestes centros de mídia publicam informações nas mídias sociais, em estações de rádio online independentes, ou mesmo em blogs. Alguns centros de mídia que atuam em áreas controladas pelos rebeldes ainda conseguem criar revistas direcionadas com informações sucintas sobre o conflito, questões econômicas e sociais, e notícias em geral. Eles imprimem cerca de 300 cópias de uma só vez, e as publicam esporadicamente.

Estes centros de mídia permanecem descentralizados e, principalmente, funcionando de forma autônoma. Seus membros usam laptops, câmeras e impressoras, e as ferramentas essenciais de que necessitam para navegar. “Não é difícil conseguir esse material”, diz Rami Jarrah, um jornalista premiado que co-administra o grupo de imprensa cidadão ANA. “Só é perigoso”.

Nem sempre é claro de onde vem o apoio financeiro para empresas da Síria e centros de mídia. Acredita-se que algum apoio vem de organizações internacionais, governos estrangeiros e doações particulares. Os doadores particulares, diz Jarrah, são sírios fora do país ou pessoas nos países vizinhos, que dão pequenas quantias para cobrir os custos de criação e pagar por conexões de Internet via satélite, ou mesmo doadores de laptops, câmeras e outros equipamentos.

Perigo de todos os lados

Com a guerra em seu terceiro ano, os perigos para os jornalistas têm se multiplicado desde o surgimento dos primeiros centros de mídia, na primavera de 2011. “Mas os tipos de ameaças enfrentados diariamente diferem, dependendo de onde os profissionais estão e de qual facção armada controla a região”, explica Razan Ghazzawi, blogueira com sede na Síria e ex-militante da liberdade de imprensa. Ela foi presa em 2011 por seus artigos, e, em 2012, por seu ativismo em nome do Centro Sírio de Mídia e Liberdade de Expressão. “As áreas controladas pelo governo permanecem de acesso quase impossível para jornalistas independentes”, informa Razan. O governo controla tudo, incluindo a comunicação e as ruas.

Embora ainda seja muito difícil para os jornalistas internacionais o acesso à Síria, o governo de Assad permitiu que mais correspondentes estrangeiros adentrassem no país depois que, em setembro de 2013, concordou com um plano russo-americano para a destruição de armas químicas, com o objetivo de evitar ataques aéreos americanos. A permissão de entrada é arbitrária e personalizada. E a grande maioria dos que obtêm vistos de trabalho atua sob constante vigilância e fortes restrições em áreas controladas pelo governo. Entretanto, alguns jornalistas internacionais ainda ousam se esgueirar pela fronteira para trabalhar sem autorização.

Para aumentar os perigos, deve-se considerar ainda os vários campos de batalha, onde não existem apenas as forças governamentais e o Exército Livre da Síria lutando por dominação, mas também grupos extremistas, como a Al-Qaeda, filiados ao Estado Islâmico do Iraque e al-Sham (ISIS).

As áreas contestadas – onde grupos extremistas detêm o controle, ainda que temporariamente – são particularmente arriscadas. Jornalistas sírios e estrangeiros têm sido consistentemente sequestrados e agredidos. “Onde há grupos islâmicos como o ISIS, as coisas são muito semelhantes ao regime”, diz Jarrah. Pelo menos um repórter de sua agência de notícias já foi sequestrado. “Mas o regime continua a ser mais perigoso para jornalistas-cidadãos, pois enquanto o ISIS e outros grupos não prendem todos, e discriminam com base apenas em quem os ataca, o regime não age assim”.

Abandono da Síria

Muitos profissionais de imprensa – como Rania Badri, ex-apresentadora de um popular talk show matutino em uma estação de rádio de propriedade da família Assad – trabalhavam para a mídia governamental e abandonaram seus empregos para se juntar a veículos de comunicação estrangeiros ou independentes. Rania deixou o país logo após seu pedido de demissão e fundou uma estação de rádio independente que informava notícias da Síria ao exterior. A rádio foi fechada por causa de ameaças contínuas. Hoje, ela mora em Paris e já não trabalha como jornalista.

Dentre os profissionais forçados ao exílio também há jornalistas-cidadãos. A maioria fugiu através da Jordânia, do Líbano ou do Egito, e se estabeleceu na Turquia, onde sua situação jurídica permanece vaga. Em outubro de 2011, o governo turco deu “proteção temporária” a todos os refugiados sírios, mas os jornalistas baseados lá disseram que vivem em uma espécie de limbo; não se sabe muito bem por quanto tempo esta proteção oficial vai durar.

A maior parte da imprensa internacional também parece ter abandonado a Síria. Depois de vários assassinatos e uma sucessão de sequestros, que aumentaram em 2013, cada vez menos jornalistas e empresas estrangeiras estão dispostos a assumir os riscos necessários para transmitir do país.

Grupos internacionais de mídia não-governamentais, como o Rory Peck Trust, com sede em Londres, têm publicado declarações de advertência pedindo a freelancers estrangeiros para ficar longe. E os próprios jornalistas passaram a questionar publicamente se a pauta vale o risco. “Seria imprudente (na melhor das hipóteses) e irresponsável (na pior das hipóteses) entrar na Síria como um jornalista independente neste momento”, disse o premiado fotojornalista Javier Manzano ao Rory Peck Trust em agosto de 2013.

“Aqueles que trabalham hoje são uma mistura de pessoas que sofrem, têm aspirações pessoais e estão enfrentando circunstâncias pessoais expostas em seu trabalho”, diz Safadi. “Embora eles sejam motivados a fornecer informações essenciais de dentro da Síria, eles ficam expostos emocionalmente, e estão pessoalmente ligados aos acontecimentos. É difícil parar e ter a objetividade necessária para denunciar”.