Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Vladimir Putin avança contra a imprensa

Uma das coisas mais fascinantes e libertadoras que aconteceram no pós-guerra foi a política soviética da Glasnost, a era de explosão da mídia, dos tempos de Gorbachev. A euforia não vinha dos meios de transmissão, e sim, daquilo que estava sendo transmitido – e lido, e ouvido e visto. Após décadas de uma censura total, depois que a arte, a história, a ciência, o jornalismo, a filosofia e tantas coisas mais definharam sob o tacão do Estado, Gorbachev – em especial, nos anos de 1987 a 1990 – liberou tudo. A emoção disso foi inimaginável. Depois de tanto cinza, a cor; depois de tantas mentiras, a verdade, o debate, a discussão. E foi a Glasnost que levou a tudo o mais, de um ajuste de contas total com o passado soviético a um debate sobre como ir em frente, como viver, como organizar a sociedade.

Agora, à medida que Vladimir Putin envia tropas para a Crimeia e dá a entender que prosseguirá com essa tática cruel em relação à Ucrânia oriental, pouco a pouco ele faz regredir o relógio da informação. É uma atitude de autoproteção.

A última medida veio na quarta-feira [19/3], com a informação de que Galina Timchenko, veterana e muito respeitada editora do site de notícias Lenta-ru, foi demitida e substituída por Alexei Goreslavsky, ex-editor do Vzglyad.ru, um site muito mais do que simpático ao Kremlin.

A declaração veio pouco depois que uma agência chamada Serviço de Inspeção dos Meios de Comunicação de Massa Federais (Orwell, você faz falta!) advertiu que o site Lenta.ru estava se aventurando no “extremismo”. O Lenta.ru publicara uma entrevista com Andriy Tarasenko, líder de um grupo nacionalista de extrema-direita, o Setor de Direita. Parte do pretexto do Kremlin para a invasão da Ucrânia era “proteger” os russos dos “fascistas”. Tarasenko nada tem de simpático, mas o site Lenta.ru dificilmente o aprovava. A culpa de seus editores foi apenas de cometer jornalismo. E agora estão pagando por isso.

“Escolha outra profissão”

Nos últimos anos, quando os liberais russos tentavam parecer otimistas, invariavelmente diziam: “Bom, pelo menos não restringiram a internet do jeito que os chineses fizeram.” Lenta.ru é apenas um site, e claro que não a totalidade da internet em língua russa, mas a demissão de quarta-feira ainda é uma medida importante e ameaçadora. O Lenta.ru estava recebendo mais de 13 milhões de visitas únicas por mês e era muito mais direto e crítico do que qualquer coisa na televisão estatal ou na maioria das publicações impressas. Alguns dos redatores e editores da equipe disseram que preferem sair a ter que trabalhar com Goreslavsky. Não têm dúvida alguma de que a responsabilidade pela demissão é de Putin e seu círculo.

Setenta e nove pessoas da equipe do Lenta.ru divulgaram uma declaração com um protesto inflamado. Diz o seguinte: “Durante os últimos dois anos, o espaço para um jornalismo livre na Rússia foi dramaticamente diminuído. Algumas publicações são diretamente controladas pelo Kremlin; outras, por meio de supervisores; e outras por editores que têm medo de perder seus empregos. Alguns veículos foram fechados e outros serão fechados nos próximos meses. O problema não está em não termos para onde ir. O problema está em que você não tem o que ler.”

Além disso, segundo o Times de Moscou, Ilya Krasilshchik, empregado de uma das empresas-irmãs do Lenta.ru, escreveu e postou no Facebook uma mensagem profundamente frustrada e cheia de impropérios, batendo em Goreslavsky por ser um pouco mais do que “amigo do Kremlin”. Concluía com uma nota de desespero: “Conselho aos jovens jornalistas: escolha outra profissão.”

O tom agora é mais sinistro

Isto acontece pouco tempo depois que a emissora Dozhd (Chuva) – uma estação de televisão independente que ousou cobrir desde manifestações pró-democracia em Moscou, há dois anos, até os protestos em Kiev – foi abandonada pelos principais operadores de cabo. O pretexto foi que tinha divulgado uma pergunta ofensiva numa pesquisa sobre o cerco de Leningrado. O Kremlin pressionou os dirigentes da estação de rádio Ekho Moskvi (Eco de Moscou), que tem uma audiência mais velha, liberal e programas de discussão muitas vezes ousados, a afastar seu diretor-geral e trazer alguém da conservadora estação Voz da Rússia. A direção do site da rede social VKontakte (Em contato) “mudou”: seu fundador perdeu o controle do site para Alisher Usmanov, um oligarca com vínculos com o Kremlin.

Em dezembro do ano passado, Putin dissolveu a agência de notícias RIA Novosti e criou uma nova agência chamada Rossiya Segodnya (Rússia Hoje). Pôs na direção Dmitry Kiselyov, um reacionário detestável e desembaraçado cuja contribuição para o debate sobre legislação anti-gay foi dizer que os órgãos internos de homossexuais que morrem em acidentes de carro deveriam ser queimados, para não haver o risco de serem transplantados para os corpos de pessoas vivas.

Em cada caso individual, não se poderia dizer que o grau de censura e pressão seja stalinista. A estratégia de mídia de Putin é mais sofisticada do que isso. (A indústria editorial de livros permaneceu bastante livre e intocada nos últimos anos.) A sofisticação consiste em que Putin exerce apenas o controle suficiente (pondo numa lista negra algumas vozes dissidentes da televisão estatal, por exemplo) e punindo apenas alguns de seus opositores, para criar linhas divisórias – limites do que é permissível. Às vezes, esses limites são transgredidos, mas estabeleceu-se um tom geral.

E esse tom – agora que Putin aumentou a repressão interna e exerce sua força militar na Ucrânia – é ainda mais sinistro. Putin não irá desfazer a Glasnost. Não poderia fazê-lo, mesmo que quisesse. Mas sua ideia sobre o que constitui o controle adequado da mídia vem se expandindo, aparentemente, a cada semana.

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Jornalista e escritor, David Remnick é editor-chefe da revista New Yorker