Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Como os jornais afetam a vida em sociedade

Tradicionalmente, os jornais têm sido parte importante da sociedade civil, fornecendo informação aos cidadãos, convocando grupos para eventos e acontecimentos e servindo de vigilância contra abusos de quem está no poder. O declínio do jornalismo tradicional e de seus padrões nos negócios da mídia já foram bem documentados. A Comissão Federal de Comunicações [FCC] descreveu essas dinâmicas em seu exaustivo relatório de 2011, “As Necessidades de Informação das Comunidades“. Se os jornais desempenharam um papel importante no envolvimento da cidadania e na democracia, deveria seu declínio ser preocupação nossa? Há muito tempo vem sendo afirmado por membros da mídia e por comentaristas que os jornais são um ingrediente vital para a vida comunitária nos Estados Unidos, mas o que dizem os números? Experiências em pesquisas realizadas por cientistas políticos às vezes detectam que não existe necessariamente uma conexão entre participação política e exposição na imprensa, mas a questão continua sendo explorada por diferentes ângulos.

Os otimistas da internet apontam para provas que mostram como o envolvimento digital levou a um aumento na atividade política em sites de redes sociais, e a informação – e não os jornais, per se – é um elemento-chave para adotar uma sólida vida de cidadania. Outros vão mais longe, argumentando que aqueles que lamentam a perda da mídia tradicional não apenas subestimam o poder da internet, mas também veem a velha mídia com óculos de lentes cor-de-rosa. O fato é que uma maior concorrência por audiências levou ao aumento da polarização, à medida que os novos veículos recorrem cada vez mais a táticas sensacionalistas e controvertidas. E dados de uma pesquisa feita pelo Pew Research Center sugerem que o declínio de recursos pode ter afetado a capacidade dos jornalistas de agir como corretores honestos entre os políticos e o público.

Um estudo de 2014 publicado pela revista Political Communication, “Jornais Fechados e o Envolvimento Cívico dos Cidadãos“, tenta quantificar os maiores impactos do declínio dos jornais impressos sobre a sociedade. O autor, Lee Shaker, da Universidade Estadual de Portland, usou dados das pesquisas sobre a atual população [Current Population Survey (CPS)] de 2008 e 2009 para acessar a alteração, ano a ano, do envolvimento político dos cidadãos em 18 das maiores áreas metropolitanas dos Estados Unidos. Nas cidades examinadas, duas delas perderam jornais importantes durante essa época: o Post-Intelligencer, de Seattle, fundado em 1863, que agora é apenas digital, e o Rocky Mountain News, de Denver, criado em 1859, que foi fechado pela rede E.W. Scripps em 2009.

Queda no engajamento cívico

Comparando o envolvimento dos cidadãos de Denver e Seattle com o das outras 16 áreas metropolitanas, o estudo tenta isolar o impacto do fechamento de jornais em relação a outras possíveis variáveis usadas em estatística. Shaker controlou explicitamente os níveis de desemprego e publicidade na campanha eleitoral de 2008, uma vez que variavam de cidade para cidade e tinham um impacto potencial sobre o envolvimento cívico.

Os achados do estudo incluem: no plano nacional e local, há uma relação positiva entre a leitura de jornais e o envolvimento cívico, tal como avaliado em contatos com autoridades públicas, comprando ou boicotando determinados produtos ou serviços devido a seus valores políticos ou sociais, e participando de organizações de grupos locais, como associações de pais e professores.

Em Denver e Seattle, a avaliação de envolvimento cívico diminuiu entre 2008 e 2009. Em Denver, quatro dos cinco indicadores de envolvimento cívico caíram significativamente entre 2008 e 2009 e em Seattle caíram duas de cinco categorias de envolvimento.

Nas outras áreas metropolitanas estudadas, quase nenhuma mostrou uma alteração estatisticamente significante em envolvimento cívico. Uma das avaliações, o boicote a mercadorias e serviços, caiu significativamente em Cincinnati enquanto quatro indicadores em diferentes áreas aumentaram naquela cidade. No plano nacional, o envolvimento cívico caiu entre 2008 e 2009, mas menos do que foi observado em Denver e Seattle.

A lista dos 100 jornais de maior circulação

O Post-Intelligencer, de Seattle, atendia a um pequeno número de leitores antes de seu fechamento – 8% das residências, comparado às 20% do Rocky Mountain News, de Denver – e manteve sua presença online depois do fechamento da edição impressa. Isso pode explicar a queda maior de envolvimento cívico em Denver, se comparado com Seattle.

As quedas em circulação em Denver e Seattle não foram piores do que as tendências no plano nacional, e os níveis de envolvimento cívico nas comunidades foram relativamente altos, fortalecendo a teoria de que o fechamento dos jornais levava a uma queda no envolvimento cívico, e não o contrário.

“O advento de novas oportunidades de comunicação sugere que também se desenvolverão novas formas de envolvimento”, escreve Shaker na conclusão de seu estudo. Mas ele destaca que “há muitas questões sobre a importância do lugar online: por exemplo, por que seria importante um determinado lugar quando podemos todos ser virtuais e estar interconectados? No entanto, nossa sociedade ainda é organizada e governada de um modo geográfico. Em última instância, se desejarmos comunidades saudáveis e democraticamente produtivas, então o fornecimento de notícias locais – que ajuda a unir os cidadãos uns aos outros, assim como suas comunidades – deverá continuar.”

Pesquisa relacionada: um estudo de 2010 da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCED), “O Futuro da Notícia e a Internet“, explora a situação dos jornais nos Estados Unidos, em outros países da OCED e por todo o mundo. Embora muitos dos países membros, mas não todos, enfrentem uma queda no número de jornais e de leitores, os jornais permanecem vibrantes em alguns países que não pertencem à OCED – por exemplo, na lista dos 100 jornais de maior circulação, 25 são na China e 20, na Índia. No geral, “as diferenças de país a país e de jornal a jornal, assim como os dados, não permitem fazer um caso da ‘morte do jornal’, em especial se forem considerados países que não pertencem à OCED e os potenciais efeitos positivos da recuperação econômica”.

******

Joanna Penn é pesquisadora do Shorenstein Center on Media, Politics and Public Policy, de Harvard, e participa do projeto Journalist’s Resource.