Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Demissão levanta debate sobre gênero; ‘publisher’ nega discriminação

A saída relâmpago de Jill Abramson da chefia do New York Times, na semana passada, levou a uma enxurrada de especulações. A mais forte delas estava relacionada ao fato de Jill ser mulher – a primeira mulher a ocupar o posto de editora-executiva do Times. Um dos rumores dava conta de que Jill teria descoberto que seu salário era mais baixo do que o de seu antecessor, Bill Keller. Ela teria reclamado e irritado o publisher do jornal, Arthur Sulzberger Jr, com a questão.

Outra especulação era a de que Jill teria se indisposto com o CEO da New York Times Company, Mark Thompson, por questões sobre publicidade nativa e conflitos na separação Igreja-Estado – entre o lado editorial e o comercial – na redação.

Surgiu ainda um terceiro ponto de provável tensão entre a editora e a liderança do jornal. Jill estaria buscando contratar uma chefe de redação que ficasse responsável pela área digital do Times. Seu chefe de redação, Dean Baquet, teria ido se queixar com Sulzberger sobre a decisão: ele não teria sido nem ao menos consultado.

Mas qual seria o verdadeiro motivo? Sulzberger, no dia do anúncio da troca de guarda, afirmou apenas que se tratava de uma decisão de gerenciamento da redação. Baquet assumiu o posto que era de Jill – é o primeiro negro a ocupar o cargo nos 163 anos de história do jornal. Mas o destaque deste ineditismo acabou ofuscado pela saída mal explicada de sua antecessora.

Dois pesos

Espalhados pela internet, diversos artigos questionaram se havia ali uma questão de gênero. Ironicamente, na mesma semana da demissão de Jill, o francês Le Monde também perdeu sua editora-chefe. Natalie Nougayrède pediu demissão após uma crescente crise na redação. Um texto do jornalista John Gapper no Financial Times chama atenção para os riscos enfrentados pelas mulheres em posições de liderança nos jornais. “As saídas abruptas de Jill Abramson e Natalie Nougayrède como editoras do New York Times e do Monde na quarta-feira são provas alarmantes do quão incerta a vida se tornou para líderes editoriais de jornais. Também mostram que as mulheres estão na linha de fogo tanto quanto os homens – provavelmente ainda mais”.

Ele continua: “A reclamação mais consistente contra [Jill Abramson] é que ela não se dava bem com as pessoas – particularmente com Sulzberger e com Dean Baquet, seu subordinado, a quem foi entregue seu cargo. O NYT reportou queixas sobre ela ser ‘polarizadora e explosiva’. Enquanto isso, [Natalie] Nougayrède era criticada por não ser inclusiva o suficiente. A imprecisão e o anonimato destas alegações não impõem confiança. Como Baquet disse ao [site] Politico no ano passado, ‘Eu acredito que há uma caricatura muito fácil que algumas pessoas compraram, da personagem da mulher chata e do cara mais calmo.’ Um ano depois, o cara mais calmo está no cargo, prometendo: ‘Eu vou ouvir mais… Eu vou me envolver.’ E duas editoras mulheres foram embora.”

Em artigo no Guardian, a jornalista Emily Bell, diretora do Tow Center para Jornalismo Digital em Columbia, escreve: “A fúria das mulheres por causa da demissão da editora do New York Times suporta o que já sabemos: que desempenhos excelentes não são o bastante”. Emily parte do princípio de que, no jornalismo, as mulheres que ascendem nas organizações de notícias são obrigadas a se adaptar a um modelo masculino de poder; devem se adequar a um estereótipo. Enquanto os homens são avaliados por seu desempenho, elas são julgadas por como se relacionam com seus chefes e seus subordinados – é um problema se são duronas demais, e também é um problema se são boazinhas demais.

Questão de gerenciamento

Diante das críticas, Sulzberger se defendeu: negou que tenha havido uma questão de gênero na substituição de Jill por Baquet, e negou que ela ganhasse menos que seu antecessor. Três dias depois da demissão, o publisher do Times divulgou uma nota:

“Talvez o resultado mais triste da minha decisão de substituir Jill Abramson como editora-executiva do New York Times tenha sido o fato ter sido usado por muitos como um exemplo de tratamento desigual de mulheres no trabalho. Em vez de aceitar isso como uma situação envolvendo um indivíduo que, como todos nós, tem pontos fortes e fracos, uma história vazia e factualmente incorreta surgiu”, queixou-se, ressaltando que são erradas as informações de que o salário de Jill fosse mais baixo do que o de seu antecessor.

Segundo ele, o que Jill recebia era comparável ao que Bill Keller recebia no cargo. “O pagamento igualitário para mulheres é uma questão importante em nosso país – um assunto que o New York Times cobre com frequência. Mas citar o caso de uma executiva cuja compensação não era desigual não ajuda a questão.”

Ele continua, explicando o motivo para a demissão: “Eu decidi que Jill não poderia permanecer como editora-executiva por razões que não têm relação com salário ou gênero. Como publisher, minha principal função é garantir a qualidade e o sucesso do New York Times. Jill é uma jornalista e editora extraordinária, mas, com muito pesar, eu concluí que seu gerenciamento da redação não estava funcionando”.

“Durante seu mandato, eu ouvi repetidamente de seus colegas, mulheres e homens, sobre uma série de questões, incluindo a tomada arbitrária de decisões, uma falha em consultar colegas, comunicação inadequada e o desrespeito de colegas em público. Eu discuti essas questões com Jill diversas vezes e a alertei que, se não fossem tratadas, ela arriscava perder a confiança dos chefes e da redação. Ela concordou que havia questões e que tentaria superá-las. Todos queríamos que ela tivesse sucesso. Tornou-se claro, entretanto, que era um caminho muito longo a percorrer e eu concluí que ela havia perdido o apoio dos colegas do alto escalão e não o conseguiria de volta”.