Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Saída de editora do ‘NYT’ mostra que não basta ser boa no que se faz

Na tarde de terça-feira [13/05], a editora-executiva do New York Times, Jill Abramson, saiu do prédio sem grandes ostentações. Aparentemente, ela fora despojada de seu título pelo publisher Arthur Sulzberger Jr. devido ao que ele chamou – ao discursar para a equipe e ungir seu sucessor – de um problema com a administração.

O sucessor, Dean Baquet, começou o dia como vice de Jill Abramson e terminou-o como o primeiro afro-americano a desempenhar o cobiçado papel de principal editor da “senhora grisalha” [“Grey Lady” é o apelido do jornal]. Mas a comemoração pública de seu êxito durou pouco – porque ele substituiu a primeira mulher a desempenhar aquele papel – e as mulheres, na mídia, acharam que sabiam por quê.

A fúria das jornalistas que se identificam com Jill Abramson deriva de algo que sabemos: que não bastam desempenhos excelentes. Aparentemente, as mulheres devem ser completamente diferentes dos homens que substituem (ou dos que as substituem) – devem se adaptar ao poder que lhes é permitido ocupar por um período efêmero sem transgredir os papéis de gênero de que não podem escapar.

Jill Abramson trabalhou no New York Times por mais de dez anos antes de alcançar o posto máximo. Nada havia de misterioso ou desconhecido sobre sua personalidade – na opinião geral, a natureza “brusca” e a determinação em defender a qualquer preço seu ponto de vista, que mais tarde passaram a ser vistas como um peso (pelo menos por alguns jornalistas do sexo masculino), sempre foram evidentes. No entanto, a expectativa tácita era claramente de que a personalidade de Jill Abramson iria, de alguma forma, se adaptar àqueles que não se adaptariam a ela.

Fora do estereótipo

Ela não cumpriu as regras do jogo. Nunca se tornou aquela chefe feminina mítica, que é assertiva, mas não agressiva, apoiadora mas não “mãezona”, não suficientemente forte para incomodar os homens, mas nunca fraca como uma mulher.

Jill Abramson saiu como muitas de nós entramos: avaliada pela personalidade e “adaptação”, e não pelo desempenho. “Alguns aspectos da administração feita por Jill em nossa Redação”, é como formula Arthur Sulzberger. Mas, evidentemente, embora as mulheres possam administrar empregados, quase nunca podemos administrar as expectativas que as pessoas têm de quem nós somos – ou deveríamos ser – enquanto mulheres e como isso se encaixa em nossa capacidade de administrá-las na qualidade de chefes.

Em resposta a duas editoras que observaram que a desrespeitosa demissão feita por Sulzberger não seria bem recebida na Redação, consta que ele explicou que as mulheres, assim como os homens, às vezes são demitidas. Provavelmente ninguém irá escrever em seu perfil que seu trabalho como publisher do New York Times é avaliado com base em sua falta de empatia ou em sua bem-aventurada ignorância do impacto emocional de suas ações. Mas a primeira editora-executiva não é apenas uma editora qualquer e esta não foi uma demissão como qualquer outra. Ninguém irá puni-lo por ser insuficientemente caloroso e amigável porque ninguém espera isso dele. Esse não é o seu trabalho.

Avaliar o que significa um “bom trabalho” para um editor de jornal é normalmente simples. Você deve publicar bom jornalismo, levantar boas matérias e fazer algo que o departamento comercial possa vender. Num período extremamente rápido de dois anos e meio, Jill Abramson viu subirem o jornalismo e as receitas no New York Times a níveis que seriam considerados irreais de prever quando ela assumiu.

Clubinho masculino

Para algumas pessoas, o New York Times de Jill Abramson tinha saído de um coma de complacência. Ficara mais penetrante, mais experimental, mais disposto a levantar matérias sobre a NSA e os oligarcas chineses, mesmo quando outros alegavam dificuldades políticas. O jornal envolveu-se em novos formatos para descrever matérias, de acidentes de esqui até a pobreza que estava à sua porta. Para outras – principalmente as mulheres jovens, de dentro do prédio (como documentou Amanda Hess na Slate) –, o New York Times de Jill Abramson também era um lugar onde se contratavam mulheres, onde seus créditos eram divulgados, onde suas questões tinham importância e onde podiam ver seu próprio futuro dirigindo a mesa dos editores.

O problema é que para as mulheres, no jornalismo, não há modelos de desempenho. Não existem histórias orais folclóricas de heroicas editoras de jornais famosas por se embebedarem depois do almoço, ou por subirem em cima da mesa para repreender sua equipe, ou por xingarem em voz alta, ou por escreverem longos e bem-informados ensaios sobre guerra ou por jogarem golfe excepcionalmente bem. (E, se tais mulheres existissem, provavelmente seriam acompanhadas até a porta do prédio com a mesma dignidade que a própria Jill Abramson, e rapidamente esquecidas.) Essas matérias e essas histórias pertencem aos homens porque, até bem recentemente, só eles escreviam a história que supostamente compartilhamos e à medida que ela se desenvolve.

A importância de Jill Abramson para o New York Times não foi apenas porque ela era boa no que fazia, ou porque foi aparentemente boa para as mulheres em seu cargo, e sim porque ela não teve que deixar de ser Jill Abramson para estar ali. É por isso que muitas mulheres estão furiosas com o que aconteceu com ela: porque nós, mulheres, pensávamos que seria possível para todas nós trabalhar com afinco, fazer um bom trabalho e sermos recompensadas pelo trabalho que produzíssemos sem ter que fazer horas-extra sendo uma outra pessoa.

E agora, nenhuma de nós tem certeza de que isso seja verdade.

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Emily Bell é jornalista e diretora do Tow Center para Jornalismo Digital na Faculdade de Jornalismo de Columbia