Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornalista americano revela detalhes de sua deportação

O jornalista americano Adam Baron, deportado do Iêmen no início de maio de 2014, escreveu um artigo, publicado pela revista Foreign Policy, para contar a respeito do episódio. Baron diz que resistiu em expor o caso, pois recebeu ameaças de que seria banido permanentemente do Iêmen caso fizesse qualquer comentário público que envolvesse sua deportação.

À época, sua expulsão do país foi lamentada e contestada por diversos comentaristas e jornalistas nos EUA e no próprio Iêmen, pois muitos dependiam da cobertura regular de Baron, que trabalhava como freelancer para publicações da McClatchy e para o Christian Science Monitor, entre outros veículos.

Baron era o único americano com visto de trabalho e credencial para atuar no Iêmen. Cobriu ataques aéreos, escreveu artigos sobre a luta antiterrorismo e relatou sobre a complexa política interna do país desde a Primavera Árabe.

Deportação sem explicações

Em seu artigo na Foreign Policy, Baron conta que um dia recebeu um telefonema de um funcionário do órgão de controle local de passaportes, afirmando que havia um problema com seu visto de jornalista. O jornalista diz ter considerado o fato estranho, pois seu visto só expiraria em 2015, mas não se opôs a comparecer para prestar esclarecimentos.

Baron lembra que, quando chegou aos escritórios do Serviço de Segurança Nacional, simplesmente foi informado de que não era mais bem-vindo no Iêmen e que seria detido até que pudesse providenciar passagens aéreas para se retirar do país. O agente responsável chegou a frisar que seria infrutífero protestar, pois a ordem tinha vindo “do alto escalão”. Logo em seguida, Baron teve seu celular confiscado e foi colocado numa cela.

Ele diz que, inicialmente, sentiu-se otimista sobre a solução do caso. Vários políticos e contatos do governo lhe asseguraram que a situação seria resolvida em breve – um membro do parlamento chegou até mesmo a convidá-lo para almoçar. No entanto, logo os contatos com as autoridades cessaram e ele não teve alternativa senão aguardar por um desfecho.

Um funcionário do alto escalão do Serviço de Segurança Nacional liberou Baron depois que o colega de apartamento do jornalista, Farea al-Muslimi, concordou em assinar um documento garantindo que Baron iria deixar o país no dia seguinte, sem retornar à sua casa, sem divulgar sua partida e proibido de realizar qualquer protesto contra a deportação.

Baron então não teve escolha e cumpriu a ordem, saindo do Iêmen com apenas alguns pertences. Ele foi escoltado no voo para o Cairo por um agente do Serviço de Segurança Nacional – no que chamou de “intenção clara de criar uma situação vexatória” – e assim que chegou ao Egito foi informado de que passaria a figurar na lista negra de cidadãos proibidos de pisar no Iêmen.

Silêncio dos EUA

Boran conta que não houve qualquer interferência internacional para evitar sua deportação. Segundo ele, um alto funcionário da ONU chegou a entrar em contato e garantiu que faria de tudo para reverter a situação, porém seu último contato se deu em junho.

O governo dos EUA também não interveio; inclusive, chegou a dizer que não tomou qualquer conhecimento sobre a deportação de Baron “até ser tarde demais”, muito embora os EUA mantenham relações estreitas com os órgãos de segurança iemenitas. Um representante do Departamento de Estado americano chegou a ser questionado sobre a expulsão de Baron do Iêmen durante uma coletiva de imprensa, porém recusou-se a emitir qualquer comentário sobre o assunto.

Casos de censura

Baron acredita que sua deportação envolve censura pura e simples, e citou outros casos.

Ele disse que cerca de duas semanas antes de sua saída forçada do Iêmen, um dos intelectuais mais respeitados do país, o ex-ministro da Cultura Khaled al-Rowaishan, perdeu sua coluna semanal no jornal estatal al-Thawra devido a suas críticas regulares ao presidente Abdu Rabbuh Mansur Hadi.

Baron relatou também que, logo após a sua expulsão, a jornalista irlandesa Iona Craig foi efetivamente perseguida para sair do país, muito embora tivesse credenciais e um visto de trabalho válido.

Em 11 de junho de 2014, soldados da Guarda Presidencial chegaram a desativar e saquear a sede do canal de televisão Iêmen Hoje, e em julho vazou a notícia de que o governo iemenita havia colocado mais de duas dezenas de jornalistas da imprensa local e internacional sob vigilância.

Liberdade limitada

Em artigo para o site da Columbia Journalism Review, a jornalista Cora Currier diz que vários jornalistas estrangeiros foram deportados durante o governo do ex-presidente Ali Abdullah Saleh, mas que o caso de Baron foi o primeiro sob a administração de Abdu Hadi.

Ela diz que trabalhar no Iêmen é difícil para qualquer jornalista e que há uma liberdade limitada de ação, principalmente fora da capital, Sana.

Segundo Cora, recentemente correspondentes da Al Jazeera foram impedidos de entrar nas zonas de conflito ao sul do país. Além disso, os jornalistas iemenitas costumam enfrentar ameaças maiores do que a deportação, o que pode levar a cautela na elaboração de reportagens.

De acordo com Jason Stern, do Comitê para a Proteção dos Jornalistas, sete jornalistas foram sequestrados no Iêmen em 2013 (incluindo um estrangeiro), e que é comum no país que profissionais de imprensa sejam detidos para interrogatório ou processados por difamação.

Baron diz que reportagens críticas sobre a situação do Iêmen aparentemente se tornaram indesejáveis no pós-Primavera Árabe, mas argumenta que, ao fechar as portas para a imprensa internacional, as autoridades iemenitas apenas dificultam a compreensão estrangeira sobre a política local, discussão que poderia ajudar o país.

Stern reforça tal ideia e diz que os jornalistas internacionais que trabalham no Iêmen são essenciais para ampliar a imagem e compreensão do Iêmen no exterior.