Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Morte de ator provoca debate sobre a cobertura de suicídio

Após as gafes iniciais da cobertura da morte do ator Robin Williams, a mídia parece ter conseguido encontrar um equilíbrio para exercer seu papel de serviço público. Se nos primeiros momentos após a tragédia, quando os canais de TV americanos tinham tempo demais para acomodar informações ainda reduzidas, os âncoras pareciam se enrolar com as palavras, ao longo da semana os veículos de comunicação foram encontrando o tom.

Williams cometeu suicídio na segunda-feira [11/8] após longos anos de uma batalha contra a depressão. Diversos artigos em jornais e programas de rádio e televisão debateram questões ligadas à depressão. Tendo as abordagens da grande mídia como base, muitas pessoas também discutiram o tema nas redes sociais, relatando suas experiências pessoais e, em muitos casos, indicando meios de apoio e tratamento. Usuários do Twitter, por exemplo, compartilharam números de telefone de organizações de prevenção ao suicídio.

Para a jornalista Rebecca Ruiz, em artigo no Mashable, a morte de Williams – primeira celebridade do primeiro escalão a cometer suicídio na era da mídia social – marca um momento cultural único. “A mudança da percepção do público sobre por que as pessoas se tornam suicidas é, em parte, o resultado de uma vitória amarga para o aumento da conscientização sobre o aumento das taxas de suicídio entre militares e veteranos. A cobertura da mídia ao longo dos anos encorajou o público a ver a doença mental não como uma fraqueza, mas como um distúrbio impiedoso que domina até mesmo nossos mais corajosos homens e mulheres”, escreve ela.

Em artigo no Guardian, o professor de jornalismo Roy Greenslade segue linha de pensamento parecida: “A reação da mídia à morte de Robin Williams é mais um lembrete de que quando coisas ruins acontecem com os famosos pode haver, pelo menos em curto prazo, um efeito público benéfico”. No Reino Unido, o jornal Daily Telegraph, por exemplo, publicou uma série de links de serviços de apoio para pacientes de depressão e com pensamentos suicidas.

O risco dos detalhes

Apesar do debate e da tentativa de usar uma tragédia com uma pessoa famosa para ampliar a conscientização sobre uma questão de saúde, houve quem ultrapassasse os limites. A organização britânica Mind, voltada a questões de saúde mental, queixou-se da cobertura de alguns veículos que expuseram detalhes sobre a morte do ator.

A organização recomendou aos jornalistas que evitassem detalhes explícitos e sensacionalismo, mas a TV americana transmitiu ao vivo a coletiva de imprensa em que um médico legista revelou que Williams morreu enforcado com um cinto depois de tentar, sem sucesso, cortar seus pulsos – logo as informações, cheias de detalhes, estavam na internet e eram copiadas pela mídia britânica. Em declaração, o executivo-chefe da Mind, Paul Farmer, afirmou que a organização havia enviado uma mensagem para as redações no Reino Unido com informações de como reportar casos de suicídio de maneira responsável, pois, segundo ele, “há claras evidências de que a cobertura da mídia, particularmente o uso de linguagem explícita ilustrando os métodos usados, pode levar a casos de cópias”.

Tabu e equilíbrio

Por décadas, era respeitada, por jornalistas em todo o mundo, uma espécie de autocensura ao se lidar com casos de suicídio. Muitas organizações de notícias evitavam tratar do assunto. Como avalia Rebecca Ruiz: “Vinte anos atrás, quando o músico Kurt Cobain cometeu suicídio, o ato de tirar a própria vida era comumente visto com desprezo, julgado como algo egoísta e covarde. Esta visão ainda persiste em alguns lugares. Entretanto, nos dias após a morte de Williams, participamos de um debate sobre suicídio, sobre a necessidade de mais pesquisa e de tratamentos melhores, e sobre o que significa viver com uma doença mental”.

Hoje, mesmo com o que parece ser o fim de um tabu, o desafio para as redações ainda é encontrar o equilíbrio para a cobertura de um tema tão sensível diante de questões sobre o direito do público à informação, o direito da família à privacidade e os perigos de se inspirar outras tragédias. “Eu acho que os jornalistas estão sendo levados a dois caminhos diferentes por duas atitudes diferentes de dois grupos diferentes: um que diz que é preciso parar de esconder o assunto e falar sobre ele, e outro que diz que se está criando um perigo [ao se abordar abertamente o assunto]”, resume o professor Stephen Ward, especialista em ética jornalística.