Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Emissoras depredadas e ameaças de morte a jornalistas

A crise política no Paquistão tem se revelado especialmente perigosa para jornalistas, que vêm sofrendo ameaças diretas e tendo seus veículos e escritórios depredados. Milhares de manifestantes liderados pelo partido de oposição Paquistão Tehreek-e-Insaf (PTI) montaram acampamento na capital, Islamabad, após uma marcha pela renúncia do primeiro-ministro Nawaz Sharif devido a acusações de fraude eleitoral, as quais ele nega. O governo acredita que os protestos são apoiados pela poderosa organização militar do país.

No fim de agosto (31/8), manifestantes atiraram pedras e danificaram os escritórios da rede televisiva privada Geo TV, além de danificar uma van de transmissão do canal de notícias Geo News com cassetetes. No dia seguinte (1/9), manifestantes armados com paus invadiram a sede da rede estatal Pakistan Television (PTV) e perseguiram funcionários, além de quebrar equipamentos de transmissão, cortar cabos e bloquear a transmissão temporariamente. A situação precisou ser controlada pelo Exército.

Alguns jornalistas têm sofrido ameaças diretas. O colunista freelancer Kamran Shafi, que é oficial do Exército aposentado e publicou textos criticando a postura do movimento antigoverno, chegou a receber ameaças de morte.

Ansar Abbasi, editor investigativo do News International, maior jornal em língua inglesa do Paquistão, também recebeu uma ameaça de morte vinda da mesma conta de e-mail utilizada para intimidar Shafi. O News International faz parte do grupo de mídia Jang/Geo, que tem sido rotulado como anti-establishment e traidor por muitos paquistaneses leais ao poderio militar. Muitos políticos locais têm se recusado a conceder entrevistas aos canais do grupo por medo de represálias.

Ameaças semelhantes foram enviadas para vários outros jornalistas. Omar Quraishi, editor do Expresso Tribune, também recebeu um e-mail com uma mensagem que o advertia a tomar cuidado com o que falava. Quraishi acredita que a ameaça tenha a ver com tuítes que ele publicou recentemente criticando os militares e os simpatizantes das campanhas lideradas pelos políticos Imran Khan e Tahirul Qadri.

No domingo (31/8), Ahmad Noorani, jornalista investigativo no canal The News, também recebeu uma ameaça de morte vinda do mesmo endereço usado na comunicação com Quraishi.

O quadro é preocupante, pois ameaças contra jornalistas no Paquistão não costumam ser vãs. De acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, pelo menos metade de todos os jornalistas assassinados no país foi ameaçada. As agências de inteligência paquistanesas estão tentando rastrear a origem das mensagens enviadas aos profissionais da imprensa.

Busca por justiça

Mesmo antes da atual crise política, o Paquistão já era considerado um dos lugares mais perigosos para os jornalistas.

Na sexta-feira (29/8), Ihsan Ali Mastoi – assistente no jornal diário Mashriq, chefe do escritório da Internacional News Network e secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas do Baluquistão – foi morto a tiros por desconhecidos no distrito de Mardan. O caso ainda está sob investigação e suspeita-se que os assassinos estejam diretamente ligados aos grupos militares. Neste mesmo dia houve manifestações para protestar contra a morte dos profissionais.

Hamid Mir, jornalista veterano e rosto famoso da Geo TV, desempenhou um papel inadvertido no desencadeamento da crise atual, quando foi gravemente ferido por homens armados que abriram fogo contra seu carro em Karachi, em abril. Com Mir inconsciente no hospital, seus colegas divulgaram alegações de que a tentativa de assassinato tinha sido encomendada por Zaheer ul-Islam, poderoso chefe da agência de inteligência militar do país, a Inter-Services Intelligence (ISI). Atualmente Mir passa bem, mas ficou com duas balas alojadas no corpo.

A acusação contra ul-Islam provocou a fúria do Exército, que a refutou e exigiu que a emissora – uma das mais populares do país – fosse desativada. O primeiro-ministro, Nawaz Sharif, apoiou a Geo TV publicamente, porém o impasse azedou mais ainda suas relações com o alto escalão militar. O premiê já havia provocado os militares ao solicitar o julgamento do ex-ditador militar Pervez Musharraf, alegando traição, e também devido a sua resistência às exigências do Exército em relação às operações militares contra o Talibã paquistanês.

Como consequência disso tudo, a Geo TV quase encarou seu fim. As principais estrelas do canal desertaram para emissoras rivais e a empresa teve prejuízos financeiros depois que ? provedores de TV a cabo e anunciantes foram pressionados a cortar contatos. Agora, a rede luta para se manter através de lucros pela transmissão internacional, arrebanhando a audiência de paquistaneses pelo mundo.

Mas embora a Geo tenha acabado pedindo desculpas ao Exército por conta da acusação de tentativa de assassinato, Mir ainda insiste que seu atentado teve ligações com o ISI. “Não corroboro com o pedido de desculpas da minha empresa porque sou uma vítima e necessito de justiça”, disse ele.