Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalista critica cobertura dos conflitos em Israel

O jornalista canadense Matti Friedman, que vive em Jerusalém, publicou no fim de agosto um artigo – que logo se tornou viral no Facebook – apontando os problemas que enxerga na cobertura dos conflitos em Israel. Friedman é um dos poucos jornalistas a ter ousado desafiar a mídia estrangeira.

Ex-correspondente da Associated Press, Friedman já realizou coberturas no Líbano, Marrocos, Egito, Moscou e Washington, além de ter acompanhado os conflitos em Israel e no Cáucaso. Seu primeiro livro, The Aleppo Codex, ganhou o Prêmio Sami Rohr de Literatura Judaica em 2014.

O jornalista aponta várias falhas na abordagem da mídia. Primeiro, diz que a imprensa escolheu deliberadamente centrar-se no conflito Israel-Palestina – ignorando outras guerras que deixam um saldo de vítimas muito maior (como o massacre no Congo, que conta com mais de cinco milhões de mortes desde 2002).

Além disso, ele enxerga uma cobertura um tanto deficiente. Diz que jornalistas seguem o fluxo e acabam sendo contaminados pelo pensamento coletivo. “A maioria dos jornalistas em Gaza acredita que seu trabalho é documentar a violência dirigida contra civis palestinos. Essa é a essência da história de Israel”, afirma. “Se você seguir a cobertura principal, não vai encontrar quase nenhuma análise real da sociedade palestina ou de suas ideologias. O Ocidente decidiu que os palestinos deveriam querer um Estado junto a Israel, embora qualquer um que tenha passado algum tempo com os palestinos entenda que as coisas são (compreensivelmente, na minha opinião) mais complicadas”, alerta.

Ele também aponta outra questão: existe muito medo da censura palestina, a qual é frequentemente apoiada por ameaças terroristas. E isso acaba sendo agravado devido a falhas de logística e/ou culturais que deixam a imprensa um tanto dependente: os jornalistas lidam com prazos curtos e vivem sob risco; além disso, a maioria não fala o idioma local e capta lampejos tênues dos acontecimentos. Muitos necessitam do apoio de colegas palestinos como intérpretes, e estes, muitas vezes, temem o Hamas ou apoiam o Hamas.

Friedman aponta ainda para a preguiça como um culpado para coberturas tão pobres. “Muitos dos jornalistas estrangeiros não têm conhecimento histórico”, critica. “Por causa disso, eles se prendem aos relatos de seus colegas e seguem o rebanho”. O canadense não poupa críticas nem a seus ex-empregadores e diz que tanto a AP quanto a Reuters são parte deste rebanho, e que ambas as agências tomam decisões semelhantes.

A reportagem não publicada

A Associated Press, por exemplo, foi diretamente acusada de omissão. Friedman conta que, no início de 2009, dois colegas seus receberam informações sobre uma iniciativa de paz oferecida por Ehud Olmert, primeiro-ministro de Israel à época, às autoridades palestinas – que prontamente recusaram a trégua. “Seria uma das maiores reportagens do ano”, opina. “Os jornalistas conseguiram confirmações de fontes de ambos os lados, e um deles chegou a ver um mapa com a proposta, mas os principais editores de seus departamentos optaram por não publicar a história”.

Steven Gutkin, ex-chefe de reportagem para assuntos de Oriente Médio na AP, refutou a declaração de Friedman, dizendo que a reportagem não passava de “uma besteira bem escrita”, e negou que qualquer tomada de decisão da agência de notícias tenha sido influenciada por preconceito.

Ativismo político disfarçado

Friedman acredita que o que é feito pela imprensa atual não passa de ativismo político disfarçado de jornalismo. “Em outras palavras, o movimento de pessoas do jornalismo para grandes ONGs internacionais ou para as Nações Unidas”.

Ele conclui que, quando as “pessoas responsáveis ??por explicar o mundo ao mundo”, ou seja, os jornalistas, cobrem determinado conflito tratando-o como mais digno de atenção do que qualquer outro, quando retratam os judeus de Israel como o partido obviamente errado, quando omitem todas as justificativas possíveis para as atitudes dos judeus e obscurecem a verdadeira face de seus inimigos, eles simplesmente estão dizendo a seus leitores (conscientemente ou não) que os judeus são as piores pessoas do mundo. Que os judeus são um símbolo dos males que as pessoas civilizadas são ensinadas desde cedo a abominar.

“Israel é como uma pequena aldeia ao lado de um vulcão, no entanto a mídia a descreve como se fosse o próprio vulcão. Quando analisamos tal distorção mais profundamente, vemos que ela é parte de um problema que vem acontecendo nos últimos cinco anos – e um problema que será estudado em escolas de jornalismo no futuro”, lamenta.

Ele não crê, no entanto, que a situação vá mudar ou que a imprensa vá modificar sua postura.