Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Caminhos e desafios do jornalismo internacional

Em outubro, quando o vírus ebola se tornou incontrolável e trouxe ansiedade a boa parte do mundo, comecei a fazer planos de uma viagem de reportagem à África Ocidental. Já havia coberto um pequeno surto de ebola dois anos antes, em Uganda, para a revista do Instituto Smithsonian, e ficara fascinado com a ciência, as questões da saúde pública e o drama em torno do vírus. Apesar dos riscos, queria escrever sobre a epidemia. O problema era: como?

Dez anos atrás, quando eu era correspondente internacional da Newsweek, a resposta teria sido fácil. Eu teria feito alguns telefonemas, teria encontrado um patrocinador, teria reservado um voo e saído para o abraço. Porém, assim como muitos de meus colegas que continuam sendo jornalistas, trabalho como freelancer, tenho que fuçar em busca de tarefas e tenho que mexer com uma logística com que nunca tive que me preocupar quando era membro mimado de uma equipe de correspondentes.

Vendi ao editor da publicação online Matter um longo perfil de um destacado médico de Serra Leoa que morreu da doença no mês de julho. Mas tive que mexer com a complicada logística.

Após tentar meia dúzia de empresas, cheguei a um acordo com a Global Rescue que incluía a saída, em segurança, do país, embora o formulário indicasse que, se eu contraísse ebola em Serra Leoa, o embarque de volta à Europa só se daria se um avião de resgate estivesse disponível.

Seria a preparação dos freelancers adequada?

Consegui um orçamento para a viagem, mas ultrapassei-o em muito. O total de minhas despesas – incluindo o imprevisto de uma quarentena de três semanas depois de voltar, por exigência do berçário de meu filho – chegou a quase 10 mil dólares (cerca de R$ 26.500). Considerando os riscos médicos e o alto custo, nada há de surpreendente no fato de eu não ter encontrado um único repórter durante a semana em que viajei pelo país.

Num ano dominado por crises – os horrores do ebola e do terrorismo do Estado Islâmico no Iraque e na Síria, o confronto de Vladimir Putin, o presidente russo, com o Ocidente em relação à Ucrânia, a guerra da Faixa de Gaza –, o jornalismo internacional volta a ocupar as manchetes. O que mais impressiona na cobertura é a diferença das pessoas que a fazem, em relação a dez anos atrás. Os correspondentes veteranos, da chamada mídia tradicional, que antes inundavam as regiões em crise, desapareceram. Em seu lugar, surgiu um exército de empresas novatas: repórteres de novos veículos, como a Vice Media ou o BuzzFeed, e jornalistas freelancer cobrem as tarefas juntos.

Uma meia dúzia de novas publicações digitais, como The Atavist e Matter, pedem narrativas longas, gostam de jornalismo internacional e pagam bem. Também ocorreu uma explosão de jornalistas-cidadãos, o que inclui ativistas e rebeldes, que às vezes só dispõem de iPhones e contas no Twitter e já proporcionaram descrições emocionantes, se não análises, de acontecimentos como os protestos pró-democracia de 2009 no Irã e a guerra civil na Síria.

A abundância de veículos de reportagem novatos também suscita novas questões. Veículos como a Vice e o BuzzFeed proporcionam a mesma qualidade de cobertura do New York Times ou do Washington Post? Considerando a onda de sequestros na Síria e os terríveis assassinatos dos jornalistas James Foley e Steven Sotloff, estariam as novas organizações jornalísticas empregando jornalistas freelancer sem uma preparação adequada? Seria ético usar o trabalho deles sem lhes dar os benefícios institucionais que só os grandes veículos podem proporcionar? Outra morte, no início de dezembro, enfatiza a urgência dessas questões. O repórter fotográfico freelancer Luke Somers foi morto por seus sequestradores no Iêmen quando estes se deram conta de que os Estados Unidos faziam um esforço para libertá-lo.

Agências de notícias ainda existem e vão bem

Uma vez que os jornalistas-cidadãos são tão frequentemente a única fonte de notícias em zonas de conflito, como podemos saber em qual informação confiar? E com ONGs como a Anistia Internacional e o Observatório de Direitos Humanos se tornando mais importantes como fontes de notícias, como podemos garantir que estamos recebendo informações sem vínculo com a pauta em questão? Se o jornalismo internacional for substituído por opiniões pessoais e propaganda, o que irá sobrar? Como diz Deborah Amos, da NPR [National Public Radio], sobre a guerra civil na Síria, “o problema é que, na verdade, não sabemos o que está acontecendo dentro do país”.

Em 1993, quando fui chefe da sucursal da Newsweek para a região da África subsaariana, compreender o que estava acontecendo num país era muito mais simples. Revistas e jornais tinham orçamentos para manter as reportagens de fundo feitas por seus correspondentes. Mas, em 1996, a Newsweek fechou sua sucursal de Nairóbi, uma das primeiras vítimas nos cortes de quase duas décadas.

As estatísticas são preocupantes. O número de correspondentes estrangeiros a serviço de jornais norte-americanos caiu de 307, em 2003, para 234, em 2011, segundo a American Journalism Review (AJR), uma queda de 25%. O número de membros da imprensa estrangeira que cobrem os Estados Unidos reflete a tendência das reportagens norte-americanas no exterior. O número de vistos para imprensa emitido pelo Departamento de Estado – o que seria uma aproximação do número de jornalistas estrangeiros que entraram nos EUA – chegou a 18.187 em 2002, após os ataques terroristas do 11 de setembro, e caiu para 14.298 em 2013.

Nos EUA, os números continuam encolhendo. Dezoito jornais, incluindo o Boston Globe e o Chicago Tribune, mais duas cadeias de jornais, fecharam todas as suas sucursais no exterior entre 1998 e 2011, período em que a AJR fez a pesquisa. O Los Angeles Times reduziu de 22 para 10 o número de sucursais no exterior entre 2004 e hoje. A cobertura pelos telejornais também vem recuando. Segundo o relatório de 2014 do Instituto Pew sobre o estado da mídia, a cobertura do noticiário internacional em 2013 foi menos da metade do que era no final da década de 80.

Entretanto, nem todas as notícias são ruins para a mídia tradicional. As agências de notícias ainda existem e vão bem, e veículos com uma presença significativa no exterior tornaram-se ainda mais significativos. A Associated Press mantém sucursais em 81 países, enquanto a Bloomberg tem correspondentes em 73. A National Public Radio criou mais 13 sucursais no exterior desde 2004, enquanto o Financial Times criou mais 10 no mesmo período. O Wall Street Journal manteve uma presença forte no exterior e as revistas Time e Economist têm oito e 21 sucursais, respectivamente.

Muita repercussão e muitas discussões

O New York Times continua expandindo sua marca, reabrindo uma sucursal em Istambul, abrindo duas novas, em Varsóvia e Túnis, contratando um correspondente em Teerã. Em parte devido à fusão com o International Herald Tribune, tem um recorde absoluto de 73 correspondentes estrangeiros e 31 sucursais, mais sete que dez anos atrás. Michael Slackman, ex-correspondente do Times no Cairo que é atualmente um dos editores de Internacional, diz que os leitores estão ávidos por uma cobertura global e que o encolhimento das notícias do exterior nos outros grandes jornais norte-americanos deu ao Times razões de sobra para estimular sua cobertura internacional.

Mas a mídia tradicional enfrenta um desafio por parte dos novos veículos. O Instituto Pew constatou que 30 das maiores organizações com atuação somente digital representam cerca de três mil empregos e uma área significativa do investimento é a cobertura global. O Huffington Post espera estar presente em 15 países, ao contrário dos 11 deste ano. O site Quartz tem repórteres em Londres, Bangcoc, Déli e Hong Kong. Em dezembro de 2013, o cofundador da Vice Media, Shane Smith, aplicou 50 milhões de dólares em um novo empreendimento, Vice News, que atualmente tem 34 sucursais ao redor do mundo e produziu uma série de excelentes – e, às vezes, controvertidos – documentários. No início de 2013, cinegrafistas do Vice acompanharam Dennis Rodman, ex-estrela do Chicago Bulls, numa viagem que ele fez à Coreia do Norte, onde se envolveu num episódio bizarro de “diplomacia de basquetebol” com o líder norte-coreano Kim Jong-un, a quem depois elogiou como “um cara legal”. Um documentário feito pelo veterano cineasta Meydan Dairieh, The Islamic State, dividido em cinco partes, proporcionou uma inédita visita à fortaleza e ao dia-a-dia do Estado Islâmico (Isis) em Raqqa. Em ambos os casos, os cinegrafistas tiveram o tipo de acesso com que a maioria das organizações jornalísticas pode apenas sonhar, mas o Vice também foi criticado por ter concedido uma plataforma popular a dois dos mais detestáveis regimes do mundo.

Kevin Sutcliffe, chefe da programação de noticiários do Vice, diz que as grandes redes jornalísticas supuseram equivocadamente que os jovens não têm interesse em notícias internacionais. O problema, para ele, estava na “abordagem desgastada, com locutores, pacotes prontos e flashes ao vivo de Washington”. “O mundo é desigual, maltrapilho, e os jovens querem um jornalismo que reflita isso. Querem reportagens em close-up, com menos pacotes e menos mediação”, dá a receita. O Vice News acumulou mais de 160 milhões de visitas a vídeos e conta com um milhão de assinantes no YouTube, uma prova, segundo Sutcliffe, que o pessoal com 30 anos ou menos se amontoa para ver notícias internacionais se estas forem divulgadas de uma forma sensível e envolvente.

Ele descarta as críticas de que falta contexto aos documentários do Vice News, que promovem mais os repórteres do que os assuntos em discussão, e diz que tem orgulho das matérias sobre a Coreia do Norte e o Estado Islâmico. “Esses trabalhos ganharam grande repercussão e provocaram discussões”, diz Sutcliffe. “Você recebe imagens indeléveis e extraordinárias que lhe dão uma percepção do que se passa ali.”

Reportagens sofisticadas e informativas

O BuzzFeed conta com 175 milhões de visitantes únicos por mês e tem capital suficiente para competir com outros veículos jornalísticos. Em julho de 2013, o BuzzFeed contratou Miriam Elder, ex-chefe da sucursal do Guardian em Moscou, para construir um sistema de sucursais no exterior. Ela contratou repórteres em tempo integral em Istambul, Nairóbi, Kiev e Cairo, assim como correspondentes que escrevem exclusivamente sobre direitos femininos e questões internacionais de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. “Existe uma enorme comunidade de ativistas nos Estados Unidos e nós pensamos ‘Para nós, esta é uma audiência natural e um repórter internacional é uma excelente maneira de fazer com que se interessem por outros países’”, diz Miriam, que tem planos de contratar repórteres para cobrir a China e o México.

Isso é típico da maneira pela qual o BuzzFeed procurou se diferenciar da mídia tradicional. “A geração mais nova acessa as notícias pelo Facebook, pelo Twitter”, diz ela, “por isso, qualquer matéria que dermos tem que ser notícia de última hora.” Até agora, a fórmula vem funcionando. Um investimento de 50 milhões de dólares feito pela empresa Andreessen Horowitz, do Vale do Silício, irá ajudar Miriam Elder a aumentar sua equipe de correspondentes.

Jonah Peretti, fundador e diretor-presidente do BuzzFeed, diz que está construindo uma marca de mídia global e considera o jornalismo internacional fundamental, opinião que o alinha com magnatas da velha escola como Henry Luce. Embora a audiência prioritária do BuzzFeed seja para uma faixa entre 18 e 34 anos, Peretti insiste: “Nosso investimento é para uma audiência global de todas as idades. Fazemos [jornalismo internacional] porque interessa aos leitores e pode ter um grande impacto no mundo… O BuzzFeed descobriu um modelo de negócios que apoia o jornalismo. Temos recursos para investir em reportagens no exterior, em jornalismo investigativo, em narrativas longas e em reportagem de rua.”

As reportagens internacionais do BuzzFeed têm sido sofisticadas e informativas. Entre os trabalhos de destaque recentes, há uma longa reportagem de Mike Giglio, correspondente para o Oriente Médio, sobre o comércio ilegal de petróleo na fronteira entre a Síria e a Turquia que vem enriquecendo o grupo terrorista Estado Islâmico, assim como um texto de Max Seddon sobre os rebeldes em Donetsk, na Ucrânia, que vinham silenciosamente criando as armadilhas para um Estado independente. “No momento, o BuzzFeed é o nosso concorrente”, diz Michael Slackman, do New York Times. “Seria besteira nossa não levá-los a sério.”

Um projeto sem fins lucrativos

E como o BuzzFeed consegue isso? Principalmente por unir uma reputação de moda e irreverência com contratações inteligentes. Miriam Elder contratou meia dúzia de repórteres com uma perícia formidável nos assuntos que cobrem, como Gregory D. Johnsen, autor de um livro muito elogiado sobre o extremismo islâmico no Oriente Médio.

No entanto, nem todo o jornalismo do BuzzFeed passaria por um exame nas organizações jornalísticas mais tradicionais. Um texto recente de Mike Giglio, que pretende ser uma entrevista exclusiva com um homem que teria levado clandestinamente militantes do Estado Islâmico para a Europa, foi baseado, em grande parte, numa única fonte anônima, com uma porção de negativas formais, um método que não é considerado a melhor prática jornalística.

A maioria das novas empresas digitais não tem a vantagem da generosa conta bancária do BuzzFeed. A GlobalPost, fundada em 2008 por Charles Sennot – ex-correspondente do Boston Globe no Oriente Médio – e Philip Balboni – executivo de uma TV a cabo de Boston – dispôs-se a replicar, a baixo custo, os correspondentes estrangeiros dos jornais norte-americanos nos bons tempos. O site pôs uma dúzia de repórteres de plantão, mas grande parte de suas reportagens são de jovens freelancer norte-americanos, que recebem algumas centenas de dólares por matéria. (Já me inscrevi como colaborador na GlobalPost, mas saí quando percebi que não teria tempo e o pagamento era muito baixo.) Enquanto empreendimento, a GlobalPost vem batalhando. “Ainda não cobrimos o investimento”, diz Balboni.

Ultimamente, Charles Sennot reduziu seu envolvimento para desenvolver um projeto sem fins lucrativos chamado “The GroundTruth Project”, que depende de bolsas e tem como foco o treinamento de jornalistas nativos em alguns dos lugares mais perigosos do mundo para reportagens de fôlego. Sennot trabalhou com um grupo de editores, jornalistas e advogados internacionais, como o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, Repórteres Sem Fronteiras e o Frontline Club, de Londres, para produzir uma minuta com um novo conjunto de expectativas e responsabilidades compartilhadas para organizações jornalísticas e correspondentes de campo – tanto para contratados, quanto para freelancers ou jornalistas nativos.

O sequestro de James Foley

Os padrões compartilhados seriam oportunos, uma vez que a crescente demanda por freelancers tem seus perigos. Antes da onda de sequestros e assassinatos de jornalistas na Síria, era comum que as organizações jornalísticas confiassem em freelancers em zonas de guerra e os enviassem em tarefas sem as garantias e o treinamento adequados, diz Farnaz Fassihi, da equipe do Wall Street Journal em Beirute. Ainda segundo Farnaz, o pagamento era pouco, a concorrência era forte e muitas vezes eles corriam “riscos malucos”. Segundo ela, essa prática é agora menos comum na Síria.

Na Síria, mais de 80 jornalistas foram sequestrados – cerca de 20 ainda estão desaparecidos – e pelo menos 70 (metade deles, freelancers) foram mortos desde 2011, segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas. A grande maioria deles era de sírios. Sete, incluindo os freelancers Foley e Sotloff, eram norte-americanos ou europeus trabalhando para organizações jornalísticas ocidentais.

Ayman Oghanna, repórter fotográfico freelancer de Istambul para a Al-Jazeera America, diz que em 2012 jurou que jamais iria para a Síria sem uma tarefa específica e garantia coberta. “Não foram muitos os veículos dispostos a dar isso”, diz ele. “Várias revistas de prestígio disseram: ‘Vai lá e quando o perigo passar a gente pega o que você trouxer’.” Oghanna ficou indignado por essas publicações não assumirem a responsabilidade, mas ele conhecia uma porção de outros freelancers dispostos a aceitar aqueles termos.

James Foley era freelancer para a GlobalPost e para a Agence France-Presse (AFP) antes de atravessar a fronteira para a Síria, no outono de 2012. Michèle Léridon, diretora do noticiário global da AFP, diz que Foley não estava a serviço da agência, mas ele “sugeria imagens para nós quando achava que tinha alguma coisa interessante. Não discutimos viagens com ele e nunca lhe pedimos que fosse a alguma área em particular”.

A relação que a GlobalPost mantinha com James Foley era mais próxima, mas Balboni enfatiza que ele foi para a Síria por sua própria vontade, depois de recusar um emprego que Balboni lhe ofereceu na América do Sul. “Temos pensado nisso [o sequestro de Foley] todos os dias. Temos muito a aprender com isso”, diz Charles Sennot, que destaca que a GlobalPost se certificou que James Foley fizesse um curso de treinamento em ambientes perigosos antes de viajar para o Oriente Médio. “Fizemos um esforço extraordinário” para localizar Foley e conseguir sua libertação, insiste Balboni. “Em uma semana, tínhamos pessoas na fronteira. Entraram na Síria e investigaram durante meses. Não poupamos despesas nem esforços.” Um vídeo mostrando a decapitação de James Foley foi divulgado em agosto. O Estado Islâmico disse que matara Foley em retaliação aos ataques aéreos norte-americanos ao Iraque.

Ajuste de contas

Kathleen Carroll, editora-executiva da Associated Press, diz que sua agência nunca usa freelancers a menos que tenham sido investigados e tenham seguro e roupas de proteção – e não os manda para a Síria ou a Líbia. “Muitos jornalistas correm riscos até algo dar errado, e o nosso trabalho é trazê-los de volta”, diz ela. “Nós lhes devemos isso. Dizer ‘Confio em sua opinião’ é uma completa abdicação de responsabilidade.”

Em novembro de 2013, a AFP também decidiu que não iria mais aceitar fotos ou qualquer outra colaboração de freelancers que viajassem para a região da Síria dominada pelos rebeldes, embora continuassem a usar material enviado por cidadãos sírios.

Os pesadelos de Foley e Sotloff provocaram um ajuste de contas no mundo das novas empresas jornalísticas. Miriam Elder, do BuzzFeed, diz que a empresa mantém um assessor de segurança de plantão e recusou pedidos recentes de Mike Giglio de viajar para a Síria. Quando fez a matéria sobre o petróleo, na fronteira, Giglio ficou em contato permanente com a sede da empresa e era seguido, por GPS, para onde fosse. “Ficamos constantemente avaliando e reavaliando os riscos”, diz Miriam.

As organizações vêm tentando fornecer aos freelancers o apoio institucional de que necessitam. A Storyhunter, uma empresa nova-iorquina fundada em 2012 que trabalha com jornalistas freelancer no exterior, fornece a seus empregados um seguro de saúde através da April International, que também presta serviços à Repórteres Sem Fronteiras.

Longe das zonas de conflito, alguns freelancers se dão bastante bem. Kathleen McLaughlin vem colaborando, desde 2006, com a revista Economist, a GlobalPost, o BuzzFeed e o Women’s Wear Daily. Muitas vezes, ela viaja para a China através de bolsas e de trabalhos na mídia, tanto de vídeo quanto de longas narrativas. Para ela, os freelancers preenchem um papel fundamental, sem dúvida alguma. “Existe uma visão errada de que as pessoas trabalham como freelancer porque não sabem fazer outra coisa”, diz. “É justamente o contrário. Quando você descobre que fazendo freelance você ganha bem, você passa a poder fazer qualquer coisa.”

Alto Comissariado para Refugiados

Portanto, como dar apoio a esse tipo de trabalho, em especial nas regiões em crise? Uma das maneiras é as organizações jornalísticas endossarem o custo do risco e o treinamento para ambientes perigosos, assim como pagar aos freelancers uma diária que lhes permita comprar um seguro. Os correspondentes no exterior estão mais vulneráveis do que nunca, em parte porque deixaram de ser considerados canais de informação indispensáveis ao público. “Os vilões deixaram de precisar dos correspondentes porque, agora, organizações como o Estado Islâmico disseminam suas mensagens diretamente”, diz Kathleen Carroll.

Não são só os vilões que se estão desviando da grande mídia. O jornalismo-cidadão chegou a um ponto crítico durante a cruel repressão desencadeada pelo presidente Bashar al-Assad contra as manifestações pró-democracia na Síria, em 2012. “A mídia internacional não podia entrar na Síria porque o governo suspendeu a emissão de vistos”, diz Deborah Amos, da NPR, que vem cobrindo a Síria desde o início do conflito. Muitos dos jovens ativistas sírios foram influenciados pelos sangrentos acontecimentos de 1982, em Hama, quando o regime do presidente Hafez al-Assad esmagou uma revolta liderada pela Irmandade Muçulmana matando de 10 mil a 30 mil pessoas. “Os jovens sírios disseram: ‘Desta vez, haverá fotos. Desta vez, as pessoas irão saber o que aconteceu aqui’”, diz Deborah. Os governos ocidentais começaram a enviar iPhones e câmeras, criar links com a internet e criaram emissoras de rádio ao longo da fronteira. Resultado: “Pouco a pouco, alguns sírios foram se tornando jornalistas profissionais e eles são muito bons nisso”, segundo Deborah.

Veículos para os jornalistas-cidadãos vêm se expandindo. O GuardianWitness e o Global Voices permitem que os cidadãos contem suas histórias, com o foco no noticiário internacional. O jornal britânico The Guardian também mantém programas de treinamento em lugares como Déli e Joanesburgo para incentivar a população local a fazer reportagens. O jornalismo-cidadão preenche uma necessidade importante, mas as reportagens às vezes não têm a análise e o contexto que só jornalistas experientes conseguem.

E há outros exemplos não tradicionais. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados mantém uma equipe de uma dúzia de jornalistas para produzir matérias sobre refugiados sírios, iraquianos desalojados pelo Estado Islâmico e outras vítimas do conflito no Oriente Médio. O trabalho produzido por eles saiu nas revistas New Yorker, Time e The Atlantic, assim como no site do Guardian, no Mashable e no BuzzFeed.

Educação sobre o mundo concreto

Peter Bouckaert, diretor do Observatório de Direitos Humanos (HRW, na sigla em inglês), viaja às zonas de conflito que raramente são visitadas pela grande mídia e escreve para a Foreign Policy, o Washington Post e o Telegraph, além de fazer os relatórios para o HRW. Ele e um colega do HRW fizeram 12 longas viagens, nos últimos 18 meses, à República Centro-Africana, um país devastado pela guerra. Com as doações que recebe, o HRW tem conseguido fazer um trabalho relativamente livre das restrições financeiras que limitam o trabalho de outros veículos. “Quando falo com os correspondentes sobre os recursos de que disponho, eles ficam com ciúmes”, diz Bouckaert.

Mas seriam as pautas dessas organizações realmente jornalísticas, ou apenas outra forma de relações públicas, ainda que para uma causa justa? Bouckaert argumenta que a diferença entre o trabalho do HRW e o de um correspondente estrangeiro é insignificante: “Tentamos chamar a atenção para uma crise internacional e responsabilizar os culpados. A objetividade e a imparcialidade são importantes para nós e há muitos jornalistas, nesses lugares, que também querem a mesma coisa.”

Ao contrário dos dias em que os jornais da cidade grande alimentavam um vínculo de confiança entre os leitores e os correspondentes experientes, hoje o ambiente é mais perigoso e fluido. Para algumas pessoas, isso é perigoso. “Vamos perdendo aquelas reportagens amadurecidas e profundas sobre o que acontece nos lugares mais remotos do mundo”, diz Bouckaert. “A reportagem reflexiva que é feita por jornalistas experientes, e que contam com recursos, vem desaparecendo rapidamente. E não é o Vice que a vai substituir. Acho que se trata de um jornalismo focalizado em si mesmo. É ‘Olha só essa porcaria maluca com que deparei’, e não chamar a atenção para um sofrimento horroroso.”

Há outras pessoas que abençoam a chegada dos novos veículos. “Não podemos tratar com desprezo alguém que tenta envolver as pessoas sobre o que acontece no mundo”, diz Kathleen Carroll, da Associated Press. “Se conseguirmos livrar a profissão daquela mania do ‘Leia isto, isso é bom para você’, isso é muito bom.”

Tradicionalmente, os correspondentes nos proporcionaram uma educação, ainda que imperfeita, sobre o mundo concreto. Apesar dos desafios, os repórteres estão lá. Precisamos é encontrar uma maneira de protegê-los e pagá-los.

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Joshua Hammer foi correspondente e chefe de sucursal da Newsweek em quatro continentes. Hoje, escreve para a New York Review of Books, Smithsonian e Outside Magazine.