Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

‘Subestimamos nossos concorrentes digitais’, diz editor

Em entrevista à revista alemã Der Spiegel, o editor-executivo do New York Times, Dean Baquet, revelou arrependimentos editoriais e abordou a relação do veículo com o governo americano.

Questionado sobre o fato de sites como BuzzFeed e Huffington Post terem superado o site do New York Times em número de visitantes, Bacquet diz que os concorrentes são beneficiados por serem gratuitos. Ele afirma, no entanto, que o Times sempre admitiu sua posição retardatária no ranking. “O BuzzFeede o Huffington Post são muito melhores do que nós com isso [disponibilizar as reportagens na web], e eu os invejo”. Bacquet frisou que o Times não tenta nem deseja ser o BuzzFeed. “Se tentássemos ser o que eles são, perderíamos.”

No entanto, ao ser questionado sobre o relatório interno de abril de 2014 que revelou falhas do Times na adequação ao universo digital, Bacquet admitiu as dificuldades. “Acho que subestimamos nossos concorrentes digitais. Presumiu-se erroneamente que esses novos concorrentes, fosse o BuzzFeed ou outros, estavam indo bem só porque estavam fazendo jornalisticamente algo que optamos por não fazer. Fomos arrogantes, para ser sincero. Eles entenderam antes de nós como disponibilizar seu conteúdo para as pessoas que estavam interessadas nele. Fomos muito lentos.”

O editor reiterou, no entanto, que metade do relatório era crítico e metade detinha ideias para corrigir o problema, e que muitas delas já foram postas em prática desde então. Ele disse, por exemplo, que o Times construiu uma equipe de desenvolvimento que atualmente interage com os leitores através das redes sociais, e que isto rendeu um aumento de 20% no tráfego do site do jornal. Bacquet declarou ter compreendido que é preciso ir atrás do público, e não esperar que ele acesse o site do Times espontaneamente.

Política e segurança nacional

O editor também revelou que o governo americano entra em contato com a redação algumas vezes para fazer pedidos, e que a frequência destes contatos aumenta de acordo com a polêmica das matérias em pauta. Muitas vezes, há solicitações diretas para não divulgar determinadas informações, como no caso de uma reportagem de 2011, quando o clérigo radical Anwar al-Awlaki foi morto por drones do governo americano e o Times escreveu uma matéria para divulgar que os Estados Unidos detinham uma base de drones na Arábia Saudita. À época a CIA entrou em contato com Bacquet e a matéria caiu. Bacquet diz que se arrepende de não tê-la publicado.

Outro arrependimento envolveu Edward Snowden. Aparentemente, Snowden optou por procurar o jornal britânico The Guardian em vez do Times para fazer as revelações sobre o Wikileaks porque, por volta de 2004, o Times havia se recusado a publicar as primeiras pesquisas sobre a coleta ilegal de dados feita pela Agência Nacional de Segurança americana. Bacquet disse que perder este furo foi muito doloroso. A cobertura do caso rendeu o Pulitzer ao Guardian. (A entrevista de Bacquet à Der Spiegel repercutiu no próprio Guardian e trechos relevantes foram reproduzidos na coluna do jornalista Roy Greenslade.)

Bacquet diz que, embora pareça o contrário, ele quase sempre se recusa a atender a pedidos para suspender reportagens, mas que o faz quando o material pode colocar alguém em risco. Ele conta, por exemplo, que à época da divulgação do caso Wikileaks, o jornal recebeu informações valiosas de uma fonte, as quais narravam atividades detalhadas de Muammar Kadafi (líder político da Líbia morto em 2011). O governo então alertou que, caso a história fosse divulgada, ficaria muito claro para Kadafi quem a havia vazado e a fonte seria assassinada.

Questões financeiras

Ao ser questionado sobre os custos para manter a redação do Times (US$ 200 milhões ao ano) e se a receita atual daria conta de sustentar isso, Bacquet foi sincero e respondeu não saber, mas explicou que existe um mix de fontes de receita para tal. Ele queixou-se, porém, por não poder manter uma redação mais robusta, tal qual a que foi construída nos tempos áureos do jornal, quando o lucro era bem maior.

O Times reduziu sua redação ao longo dos últimos anos. Só no último trimestre de 2014, mais de cem cargos foram extintos.

Jornalismo versus negócios

Outra questão abordada na entrevista à revista alemã foi o investimento de empresários no ramo da comunicação (como a compra do Washington Post por Jeff Bezos, fundador da Amazon). Bacquet diz que, embora precise se preocupar com o crescimento dos veículos concorrentes em sua função de editor- executivo, como jornalista, simplesmente torce para que o jornalismo sempre prospere.