Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A complicada escolha de palavras

Uma mudança lingüística ocorreu no New York Times e pôde ser observada em matéria que revelou detalhes de ações da CIA com prisioneiros da al-Qaeda, escreve o ombudsman Clark Hoyt em sua coluna de domingo [26/4/09]. Na reportagem, é descrito o tratamento dado aos prisioneiros: eles tiveram que tirar as roupas e foram agredidos; ficaram mantidos acordados por 11 dias seguidos, algumas vezes com os braços acorrentadas ao teto; ficaram confinados em quartos escuros e passaram por simulações de afogamento.

Até este mês, estas práticas eram chamadas pelo governo do ex-presidente George W. Bush de técnicas de interrogatório ‘avançadas’. Agora, elas passaram a ser classificadas como ‘cruéis’ e, algumas vezes, ‘brutais’. Nas páginas editoriais, houve até mesmo o uso da palavra ‘tortura’.

A simples escolha de uma palavra pode envolver considerações separadas nos escritórios do diário em Nova York e Washington e demonstra os campos minados lingüísticos pelos quais jornalistas passam todo dia quando querem fornecer descrições precisas aos leitores. Em um clima polarizado no qual muitos americanos acreditam que a nação traiu seus ideais fundamentais em nome da guerra ao terror, enquanto outros alegam que medidas extremas são necessárias para salvar vidas, o NYTimes está desagradando alguns que acham que ‘brutal’ é apenas um eufemismo para tortura, e também outros que pensam que ‘brutal’ é um exagero.

Esta não é a única controvérsia. O que aconteceu no Iraque foi uma insurgência ou guerra civil? O Hamas é uma organização terrorista, como muitos leitores acreditam? Os EUA enfrentam uma recessão ou uma depressão? São muitos os termos polêmicos.

Mais que brutal

A palavra ‘brutal’ já apareceu algumas vezes no diário para descrever ações do governo americano, sendo a mais recente no dia 10/4, em matéria que informava que a CIA estava fechando sua rede de prisões secretas no exterior, nas quais aconteciam os interrogatórios.

Scott Shane, que escreve sobre segurança nacional, afirmou que ele e seu editor na sucursal de Washington, Douglas Jehl, negociaram o uso da palavra no primeiro parágrafo. Shane escreveu que métodos usados na prisão eram ‘amplamente denunciados como tortura ilegal’, mas Jehl mudou para ‘métodos de interrogatório cruéis’. Shane achou que ‘cruel’ não era suficiente e propôs ‘brutal’, que foi aceito. Uma semana depois, a chefe de redação Jill Abramson chegou à conclusão que os fatos permitiam uma palavra mais forte, após ler os memorandos do Departamento de Justiça que declaravam ilegais os métodos de interrogatório da administração Bush. ‘Cruel parecia o modo como eu falava com meus filhos quando eles eram adolescentes e eu dizia que ia tirar a chave do carro deles’, contou. Depois de consultar especialistas jurídicos e falar com Dean Baquet, chefe de redação em Washington, Jill concordou com o uso da palavra ‘brutal’.

Ainda assim, alguns leitores se sentiram ofendidos, pois alegaram que preferem que o jornal apresente os fatos e deixe que eles os julguem por conta própria. Deborah Tannen, professora de lingüística da Universidade Georgetown, discorda. ‘Todas as palavras têm conotações’, afirma. Para Hoyt, não há muita diferença entre ‘cruel’ e ‘brutal’ – alguns dicionários inclusive os colocam como sinônimos. Para Tannen, há uma grande diferença. ‘Brutal sugere algo animalesco e vai além do modo como humanos devem agir’, opina.

Hoyt sugere, então, que a palavra ‘tortura’ também seja usada. Jehl explica que quando o diário se refere a técnicas como afogamento, um dos métodos mais extremos de interrogatório, o termo é usado, em geral mencionando que o procurador-geral Eric Holder e outros especialistas classificam tal técnica como ‘tortura’. ‘Mas tenho evitado o uso de ‘tortura’ sem qualificação ou para descrever todas as técnicas. O que exatamente constitui tortura continua sendo tema de debate e não foi bem resolvido pela corte. O presidente Barack Obama e Holder alegam que afogamento é tortura, mas os anteriores, não. É preciso cautela para um jornal dar seu próprio veredicto’, justifica Jehl.