Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A ficção na Globo está muito esquisita…

Confesso que sou noveleira de carteirinha, ao ponto da minha dissertação ter sido sobre o tema. Mas especificamente, sobre as novelas que marcaram época na Vênus Platinada. Discuto personagem, trama, coerência e fico muito chateada quando não adivinho quem é o assassino. Essa minha atração pelos folhetins vem desde pequena. Ao invés de desenhos, eu preferia assistir às histórias interpretadas por Yoná Magalhães e Carlos Alberto. Podia não entender nada, mas prestava uma atenção… Por isso, décadas de telespectadora, estou achando as coisas estranhas lá para os lados do Projac.


Com certeza, não sou a única. O Ibope divulgou que a Record atingiu metade do share – participação entre os aparelhos de TV ligados – da Globo. Na semana de 11 a 17 de abril, a Record marcou média de 18 pontos, diante dos 36 obtidos pela Globo em São Paulo. Não é pouca coisa, não. Vale lembrar que até pouco tempo atrás, a emissora carioca reinava absoluta. E o seu carro-chefe é justamente as novelas. Elas continuam primando pelo excelente elenco e padrão de qualidade. Mas os enredos…


Antes que a vaca vá para o brejo


Vou começar pela nova temporada de Malhação. Escrita por Emanuel Jacobina – autor do projeto inicial e também de programas consagrados, como Casseta & Planeta Urgente! e Sai de Baixo, a novela para adolescentes poderia se chamar, bem ao estilo Glória Magadan, “Tragédias e doenças”. Tudo bem que a informação é fundamental para os jovens. Mas não é preciso esclarecer e tratar de tudo em uma mesma obra. Acaba-se explicando mais ou menos, sem aprofundamento. Pois é… Já tivemos a morte da adolescente grávida, o jovem que foi empurrado e bateu com a cabeça em uma pedra, a blogueira que usou o anonimato para difamar uma família e mais casos de câncer, Aids, bipolaridade, anorexia, bulimia, epilepsia, dependência de drogas, alcoolismo, bullying, preconceito social, racial, sexual… Ufa! Alguém disse que, em determinadas situações, menos é mais. Essa é uma delas. Com tantos problemas, não sobra tempo para a leveza, a ternura, o romantismo. E, volto a lembrar, é uma novela para jovens! Está faltando equilíbrio. A vida não é um mar de lágrimas.


De Walcyr Carrasco, estamos assistindo a Morde & Assopra. Posso falar de cadeira… Gosto tanto desse autor que fiz um curso de roteiro com ele. Walcyr escreveu, entre outras, O Cravo e a Rosa, Chocolate com Pimenta e Alma Gêmea. Já ouvi críticos falarem que ele só se sai bem nas novelas das 18 horas. Não concordo. Em Caras & Bocas, das 19, Walcyr Carrasco colocou um chimpanzé como um dos protagonistas e o último capítulo da trama atingiu 61% de share. Então fica a pergunta, que raio aconteceu com o escritor?


Diariamente, Júlia (Adriana Esteves) tem longos pesadelos com dinossauros que querem devorá-la. Como ela conseguiu se formar em Paleontologia? Parece médico que não pode ver sangue… E a química entre ela e Abner (Marcos Pasquim) ainda não rolou. Como também não aconteceu, até agora, o personagem Ícaro (Mateus Solano). Bota camisa de força nele! Um homem que constrói um robô idêntico à mulher que morreu (Naomi, interpretada por Flávia Alessandra) e pretende se relacionar emocional e fisicamente com ele, pode até ser um gênio. Mas é louco de pedra, de perto e de longe. Quanto a Augusta (Cissa Guimarães), deveria dar aulas de Economia. Como ela consegue manter um Spa que não tem nem meia dúzia de clientes? Antes que me esqueça, o que é aquela menina Tonica (Klara Castanho) falando “nóis vai” para a vaca Coração? Aliás, o elenco do núcleo pobre da novela não prima por um português, no mínimo, razoável.


É verdade, poucos neste país têm a chance de estudar. Mas não seria uma boa dar uma aliviada nos erros crassos e aproveitar o veículo de comunicação para levar um idioma mais ou menos certo para os que não têm oportunidades na vida? A novela começou mal, péssima, para ser mais exata. Por uma coincidência infeliz, as primeiras cenas eram de um terremoto no Japão e foram exibidas logo após o terremoto ocorrer de fato no país. É preciso mudar o enredo antes que a vaca, não a Coração, vá para o brejo.


Controle remoto


Gilberto Braga é mestre. Ele assinou Dancin´ Days, Vale Tudo e Celebridade, entre tantos sucessos. Agora, com Ricardo Linhares, escreve Insensato Coração. A trama é ótima, mas está muito sensata. Os detalhes das cenas de violência, com direito a sangue cenográfico e maquiagem em excesso, chocam. O vilão Léo (Gabriel Braga Nunes) levou vários socos e pontapés na frente do pai (Raul, interpretado por Antônio Fagundes, que também apanhou um bocado), matou à queima-roupa o bandido Andrade (Paulo Vespúcio), policiais fuzilaram com requinte uma quadrilha que explorava máquinas caça-níqueis e, em pleno sábado de Aleluia, Araci (Cristiana Oliveira) provocou uma rebelião no presídio, matando uma agente penitenciária e uma presidiária.


Creio que todas essas cenas poderiam ser levadas ao ar sem tantas minúcias. Sim, essa é a realidade mostrada diariamente pelos nossos telejornais. Mas muita gente se senta diante da televisão para ver a antiga novela das oito, que agora já virou das nove e dez porque deseja relaxar antes de dormir. Do jeito que vai, a turma fica é estressada. Vamos botar mais ficção na ficção!


Deixei Cordel Encantado, de Duca Rachid e Thelma Guedes, para o final porque a novela começou há pouco tempo. As duas, que adaptaram O Profeta, de Ivani Ribeiro, e escreveram Cama de Gato, dessa vez criaram um enredo com rei, princesa, cangaceiro… O diretor de fotografia, Fred Rangel, usa recursos para fazer com que as imagens pareçam de cinema. Ponto para ele. Quanto ao sucesso ou fracasso da história, só nos resta esperar. Pelo menos, por enquanto, é a novela que está acertando o tom no horário noturno da Globo.


De resto, acho que a cúpula da emissora deve tentar controlar a situação caótica em que os seus folhetins se encontram. Sem esse controle, os telespectadores vão usar cada vez mais o controle remoto.

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Jornalista e escritora, Rio de Janeiro, RJ