Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A garantia constitucional de um sistema mais plural

Nada foi como antes depois da chegada da televisão às nossas vidas. Acho que até um ermitão concordaria.

No Brasil, estamos celebrando os 60 anos desse advento, ocorrido em 18 de setembro de 1950 com a primeira transmissão da TV Tupi. ‘Está no ar a TV no Brasil’, disse a menina Sonia Dorce, 5 anos, fantasiada de índia. Desde então, a televisão brasileira teve formidável evolução, tornando-se uma das mais fortes e criativas do mundo.

Na Europa, a televisão nasce em 1935, com perfil educativo-humanista, por iniciativa dos governos nacionais. Nos EUA, ela começa em bases comerciais, em1937, e este é o modelo que o Brasil adotará quando o empresário Assis Chateaubriand cria a Tupi e distribui 200 televisores para garantir a primeira audiência. Essa diferença é importante.

Revisitando rapidamente a história: ainda nos anos 50, surgiram as emissoras Record, Excelsior e TV Rio. Essa foi a infância em preto e branco, anterior ao videoteipe e ao satélite, com programas basicamente locais e ao vivo. Mas a publicidade, desde o início, foi a fonte de financiamento da programação oferecida.

O tripé jornalismo-novela-esporte

Nos anos 60, já existem 200 mil televisores no país. Surgem a TV Bandeirantes e a TV Globo. A Excelsior sai do ar, depois de contribuir com o gênero que marcará nossa TV: exibe a primeira novela brasileira, Ambição, de Ivani Ribeiro. A TV Cultura nasce privada em 1962 e é adquirida pelo governo estadual em 1964 para ser educativa. Já estamos na ditadura. O governo, pensando em uma rede pública, reserva 100 canais de natureza educativa e cria a Funtevê. A Globo é inaugurada em1965 e, graças a um acordo com o grupo americano Time-Life, larga com vantagem tecnológica. Percebendo a genialidade de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, tira-o da TV Rio para uma posição estratégica. A música popular e o humorismo reinavam na telinha.

A Copa de 70 faz disparar as vendas de aparelhos. Chacrinha é um sucesso e Silvio Santos tem programa na TV Globo. A Band inaugura o sistema a cores, logo seguida pelas outras. A Globo já é rede e as novelas tornam-se a paixão nacional. O Bem Amado, de Dias Gomes, é a primeira produzida em cores.

Nos anos 80 altera-se o quadro. As emissoras extintas (Tupi, Rio, Excelsior e outras menores) dão lugar a duas novas redes, o SBT e a Manchete, que chegou a liderar na faixa das novelas com Pantanal. A Record é comprada nos anos 90 pelo bispo Edir Macedo e Amílcar Dalevo e, com a massa falida da Manchete, surge a RedeTV. A programação continua ancorada no tripé jornalismo-novela-esporte, temperado aos domingos pelos programas de auditório. Novidade: os programas de humor agressivo e os reality shows.

A TV Pública é uma realidade

Essa é a história da televisão comercial, exclusiva em 60 anos, não fosse a TV Cultura de São Paulo e umas poucas educativas. Restaurando a democracia, a Constituinte estabelece no artigo 223 que deve haver ‘complementaridade entre os sistemas privado, estatal e público’. A TV Câmara, a TV Senado, a TV Justiça e a TV NBR, do governo federal, surgiriam, então, como canais estatais. Servem a poderes do Estado. Mas seguia manco o tripé, com a falta do sistema público, composto por canais que sirvam à sociedade e sejam a ela subordinados, não ao governo. A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) foi criada há três anos para suprir essa lacuna, implantando a TV Brasil.

É grande o desconhecimento sobre a garantia constitucional de um sistema mais plural, em que os canais públicos ofereçam conteúdos complementares que a TV comercial não oferece, por fugirem ao seu negócio. É ampla a desinformação sobre a comunicação pública nas melhores democracias. Some-se a intolerância de alguns com aquele que decidiu cumprir o artigo constitucional esquecido por 20 anos, o presidente Lula. Apesar disso, o projeto avança tanto na programação como na infraestrutura.

Nos 60 anos da televisão brasileira, há muito o que celebrar: o sistema digital avança, as TVs comerciais estão saudáveis, as televisões estatais cumprem seu papel e a TV Pública é uma realidade, cada dia mais sólida.

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Jornalista, presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)