Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A Imprensa e o Holofote da Comissão Arns

O fato mais importante desta semana teve pouca visibilidade na imprensa. Logo a imprensa, canal próprio para abrigar, irrigar e impulsionar os princípios dessa Comissão formada por 20 luminares, que leva o nome do Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal de São Paulo, conhecido como o Cardeal dos Direitos Humanos.

Logo a imprensa, que terá atenção especial por estar uma das áreas mais ameaçadas no governo Bolsonaro. O Estadão anunciou três dias seguidos em matérias pequenas nas páginas internas, a CBN fez uma entrevista à tarde e a Carta Capital desta semana publicou quatro páginas. Mas os leitores em geral ainda estão sem saber para que serve a recém criada Comissão Arns.

Numa entrevista à imprensa estrangeira, o ex-ministro e cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão, mostrou preocupação com o fim que pode ter “certos acontecimentos“, se forem efetivados. “Seria um erro reagirmos a infinidade de disparates e absurdos que o governo emite todo dia”, diz a jornalista Laura Greenhalgh, membro da Comissão.

“Por enquanto só estão falando mas, se infringirem realmente os limites que pretendemos defender, o barulho vai ser grande,” diz a cientista política, Maria Hermínia Tavares de Almeida.

O que a Comissão pretende é ser um holofote, um guardião dos brasileiros. Preocupados com o retrocesso de medidas, querem defender e manter a política de Estado dos Direitos Humanos , como se dissessem “atenção, estamos aqui, você não está sozinho”.

Foto do dia da criação da Comissão de Defesa aos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns. (Foto: Douglas Mansur)

Não fazem oposição ao governo nem têm partido ou ideologia, fazem questão de dizer, “nosso partido é o da vítima”. Estão atentos ao record de violação de Direitos Humanos no Brasil, nosso passivo é grande. “Por exemplo, temos o maior número de assassinatos na área do meio ambiente, violações por todo lado”. Fabio Comparato lembra que somos o único país da América Latina onde os torturados foram anistiados. No Chile e na Argentina, por exemplo, eles foram presos, julgados, condenados. Adriana Rivas, uma babá chilena, acaba de ser presa esta semana na Austrália por crimes contra a ditadura Pinochet, denunciada por sua própria sobrinha, Lissette Orozco, no documentário “O Pacto de Adriana” que passou na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2017.

“Há ameaças evidentes”, diz Pinheiro, “o último pacote entregue pelo Ministro Sergio Moro não consultou nenhuma entidade pública competente como o Fórum Brasileiro, e surge com agravamento de penas, descriminalizando o caixa 2. O governo aprova o estatuto do armamento com quatro armas por cidadão e se sai com medidas alucinadas sem consultas públicas, há uma expertise que o governo desconhece.”

O jurista Fábio Konder Comparato faz um retrato da condição dos descendentes e escravos no Brasil, onde ainda são o grande alvo da violência, hóspedes principais das cadeias – “e os brasileiros de raça branca não acham nada estranho”. Maria Vitória Benevides diz que não é à toa que os presídios brasileiros são chamados de “navios negreiros”.

A socióloga Maria Vitória Benevides fala do medo, “é disso que estamos falando, do discurso do ódio que marcou as campanhas eleitorais, da súbita vontade dos brasileiros de ir embora para Portugal”.

Segundo uma gravação, Damares Alves, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, até aconselha as meninas a irem embora do Brasil. Na sua coluna de domingo n’O Globo e na Folha de S.Paulo, Elio Gáspari conclui que, se para consertar o rombo da Previdência, será preciso “tungar” o benefício pago aos miseráveis que têm entre 65 e 70 anos, então o melhor nem é ir embora para Portugal, mas devolver o Brasil à antiga Corte.

Holofote sobre as violações. Você não está sozinho. Mas quem sofre mais são as populações da periferia, os invisíveis, a população formada de 52% de pardos e negros mas ainda assim considerada de maioria branca. Há pouco houve o massacre de 13 jovens no Rio de Janeiro na comunidade do Falet.

“Lamentamos que o chefe de polícia do Rio, acompanhado pelo governador tenha concluído que se tratou de ‘uma operação exemplar’. Faz parte de uma prática comum, no ano passado houve cinco mil execuções extra judiciais, além de 385 policiais assassinados, a maioria fora do serviço”.

“Se você é branco e mora em Pinheiros ou no Leblon, a Constituição de 88 serve para você, mas se você não se encaixa nesses canais a coisa muda de figura”, dizem Maria Hermínia e Maria Vitória. “Sem falar no complexo de superioridade do brasileiro branco em relação aos povos indígenas — as terras indígenas e as dos quilombolas, herdeiros de escravos, têm risco de serem tomadas”.

A Comissão trabalha em rede como um “eco sistema dos Direitos Humanos”, conectada com a Defensoria Pública, as Ouvidorias , e também com a ala que o governo Bolsonaro identifica com a “esquerda”, como as Pastorais, as Comissões de Justiça e Paz, os movimentos nacionais de Direitos Humanos. Todos esses canais silenciosos que estão prontos para colocar o dedo na ferida como fizeram na Comissão de Justiça e Paz ou o relatório de Justiça e Paz publicado em 84-85, todos com o Cardeal Arns à frente.

(Foto: Douglas Mansur)

“A Comissão encampa uma causa e direciona ao órgão competente, esse é o nosso papel”, diz Maria Vitória, preocupada com as autorizações para os alunos vigiarem o que se passa na sala de aula, delatar professores.

No começo desta semana o Ministro a Educação, Ricardo Vélez Rodrigues, enviou mensagem a todas as escolas públicas orientando os professores a agrupar os seus alunos no primeiro dia de aula ao lado da bandeira do Brasil dizendo “vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável”.

No final, repetindo o lema de campanha de Bolsonaro, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Em seguida todos cantariam o hino e um representante da escola filmaria a cena, encaminhando os vídeos ao Ministério da Educação. Diante dos protestos dos educadores ontem, o Ministério já se manifestou dizendo que faria uma seleção das imagens e, antes de divulgá-las, pediria autorização aos pais das crianças. Este é o mesmo ministro Vélez que declarou à Veja que brasileiros são como canibais no exterior e concluiu que a Universidade não é para todos, representa uma elite intelectual e nem todos têm capacidade para ingressar nela.

A socióloga se diz “particularmente preocupada com punições a jornalistas que divergem da voz oficial”. “É importante estarmos perto da imprensa agora”, dizem.

O relatório anual sobre violações à liberdade de expressão da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) divulgou esta semana que o número de mortes de profissionais de imprensa voltou a crescer. Três radialistas foram mortos no interior do país pelas denúncias a políticos, e aumentaram em 50% as agressões não letais a jornalistas em relação ao ano passado: 114 casos em 2018 contra 76 no ano anterior, no total 165 profissionais como alvo.

Fábio Comparato também discute as violações à Constituição de 88 em relação a monopólios ou oligopólios dos meios de comunicação. “Mas quando chega a hora de condenar os desrespeitos à lei constitucional os nossos magistrados alegam que falta uma lei complementar e fica por isso mesmo, são cúmplices do aviltamento da pessoa humana”.

A defesa dos Direitos Humanos atua numa área que nunca foi confortável, muito menos agora com a turma da bala em ação.

“O Brasil tem de confiar nas instituições, no movimento de redemocratização”, é a chave da Comissão, integrada entre outros, pelo filósofo Vladimir Safatle, o cientista político André Singer, seis ex-ministros e o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente.

“O Brasil tem de voltar a acreditar”.

**

Norma Couri é jornalista.