Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A outra face da moeda

O último dia 7 marcou o quarto mês do assassinato da jornalista russa Anna Politkovskaya. Depois do clamor inicial de toda a mídia mundial, o fato foi caindo lenta mas inexoravelmente no olvido do grande público. Não se sabe, e certamente jamais se saberá, quem foi o autor do homicídio e a mando de quem.

No dia 12 de janeiro a revista Venerdi (encarte semanal do jornal La Repubblica) publicou a última matéria sobre a jornalista. Não foi para clamar pelo esclarecimento desse crime, mas para falar de uma coletânea de artigos escritos por Anna juntados em um livro com o significativo título ‘É proibido falar’. A introdução desse trabalho é a transcrição do tributo publicado pela Novaja Gazeta, onde ela trabalhava:

‘Anna. Era bonita e com o passar do tempo fica cada vez mais bonita, porque o rosto que recebemos de Deus como material bruto depois sozinhos o esculpimos. Na idade adulta, do rosto começa-se a ver a alma. E ela tinha uma alma bonita.’

Uma justiça perdida

Cada um desses artigos conta uma história verdadeira. Todos juntos pintam um retrato que é difícil não definir pavoroso, o retrato de um país onde a lei não está prevista, o poder é arrogante, os fracos não têm direitos, a vida vale menos que nada, os bandidos apossam-se de tudo e quem ousar colocar-se em seus caminhos, sem dizer uma palavra, é aniquilado. Portanto, as crônicas de Anna Politkovskaya, nos levam direto ao inferno.

Seu derradeiro artigo, não terminado, denunciava a violência que grassa na Chechênia sob o olhar complacente do governo Putin; fala sobre a vida, a morte e as torturas sofridas por milhares de mulheres, velhos e jovens que têm a única culpa de ter nascido no inferno. Cita também as pessoas de bem que, não obstante tudo isso, combatem batalhas perdidas – suas guerras solitárias em nome de uma justiça que parece perdida para sempre.

A sombra de Putin

Essa é a mulher que deu a sua vida lutando por um ideal, acreditando num mundo melhor e, mais que tudo, tendo fé na liberdade intelectual.

Na outra face da moeda pode-se ver a efígie de Svetlana Mironyuk (39), também jornalista, dez anos mais nova que Anna e que dirige uma das maiores agências noticiosas do planeta, a Ria Novosti, e é considerada o mais belo rosto da Nova Rússia. Vladimir Putin percebeu isso e há algum tempo fez de Svetlana sua sombra nos principais acontecimentos da mídia.

Carrega na bagagem dez anos de Media-Most (a televisão privada russa), é mulher do super-empresário Sergey Zverev, tem três filhos e corre como um trem. Diz:

‘O nosso trabalho te obriga a ficar sempre na sela; se parar por seis meses, você estará acabado.’

Licença para matar

Convencida de ser a promotora de talentos jovens e da meritocracia na Ria, diz que programa as coisas com dez anos de antecipação.

Explica seu feeling com Putin: ‘Porque ele ama comunicar-se com jornalistas e gosta de perguntas embaraçosas.’

Pode ser verdade, mas nos últimos tempos, com mais de uma centena de jornalistas assassinados na Rússia, talvez Putin goste daqueles que lhe façam perguntas de respostas difíceis, mas para isso, como o agente 007, James Bond, quer ter licença para matar.

******

Jornalista