Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A mídia pisou na bola no julgamento do soldado?

“A cobertura feita pela mídia corporativa deste julgamento – que se poderia considerar um dos mais importantes da moderna história dos Estados Unidos – foi completamente vergonhosa”, disse Jeremy Scahill, repórter do jornal Nation no site Democracy Now! na terça-feira (30/7) depois que o soldado Bradley Manning foi considerado culpado de 20 acusações em relação aos vazamentos de informações confidenciais pelo WikiLeaks. “Esta é a situação em que atualmente se encontra a mídia neste país e é estarrecedor que não tenhamos uma cultura da mídia que diga que esta cobertura deveria ter sido de uma ponta à outra”, disse Scahill.

“Apenas algumas organizações de mídia dos EUA (e uma delas é a edição americana do Guardian) se deram ao trabalho de enviar uma equipe para trabalhar seriamente no julgamento de Manning”, escreveu [no Guardian] Dan Gillmor. “Os jornalistas independentes fizeram a maior parte do trabalho e, nas circunstâncias em que trabalharam, fizeram o melhor que puderam.”

Adquiri um desprezo completo pela grande mídia”, disse a jornalista independente Alexa O’Brien à organização independente We Are Change. “É muito importante que as pessoas conscientes, os cidadãos, ocupem o primeiro plano e façam aquilo que a imprensa não está fazendo.”

Além de inconvenientes, as realidades orçamentárias

Houve reclamações semelhantes sobre o julgamento de Kermit Gosnell, médico acusado de matar bebês em sua clínica de aborto. Sobre aquele evento, Kelly McBride, do Poynter, disse que era “surpreendente que muitos veículos não o cobriram, mas não é inteiramente justo dizer que a mídia nacional não cobriu”. “Podemos começar a discutir se o julgamento de Zimmerman [acusado de matar o jovem negro Martin Trayvon]”, ou outros casos de grande destaque, “merece o nível de cobertura que recebe”, disse Josh Gerstein, repórter de Politico, por telefone. “Nesse sentido, provavelmente eu concordaria com as críticas.” Gerstein cobriu o caso Manning durante os últimos três meses, embora não estivesse no tribunal todos os dias. As providências tomadas pelos militares em relação à imprensa “foram um pouco complicadas e desagradáveis”, disse Gerstein. Você não podia trabalhar a partir da sala do tribunal, a conexão da internet era incerta e você tinha que ser acompanhado desde que entrava no tribunal. (Os repórteres se queixaram muito desse assédio.)

Gerstein começou a participar do julgamento como membro do público para ser menos importunado, segundo explicou. “Acho que há muitos julgamentos que deveriam ter cobertura muito maior”, disse Gerstein. As medidas adotadas pelos militares para os jornalistas que cobrem o julgamento, dificultando o acesso a documentos, por exemplo, são, na verdade, “um problema, nos casos de cortes marciais”, disse. Todos esses inconvenientes podem ter aumentado com as realidades orçamentárias para muitas organizações de mídia: um repórter que cobrisse o caso diariamente não poderia confiar num “rendimento razoável de notícias em relação ao investimento de tempo”, disse Gerstein. “Durante a cobertura, boa parte do tempo é inativo.” E, para um número crescente de organizações de mídia, esse tipo de uso do tempo dos repórteres é um luxo.

Um julgamento muito complexo

“Cobrimos o julgamento de Manning desde o início”, disse Paul Colford, porta-voz da Associated Press, por e-mail. Ele relacionou um “resumo parcial” das matérias de David Dishneau, assim como reportagens em vídeo.

Pelo Twitter, o repórter Charlie Savage, do New York Times, disse: “Ou eu ou um de meus colegas estivemos presentes muitas vezes ao julgamento ou nas audiências que o antecederam, mas não todos os dias” e dirigiu-me para esta página de temas.

“É claro que acho que a cobertura feita pela grande mídia foi desigual, se você a compara com o julgamento de James Bulger [garoto de dois anos assassinado por outros dois de 10 anos], ou de Trayvon Martin, ou de outros criminosos que ganharam as manchetes”, escreveu Ed. Pilkington, que cobriu o julgamento para o Guardian. “Dá para compreender porque é um julgamento complicado sobre questões técnicas. Mas realmente acho que os veículos mais sérios perderam a grande matéria – as seríssimas implicações de um esforço maciço para aumentar o tratamento de denunciantes e responsáveis por vazamentos, como demonstrou o veredicto de hoje.”

Andrew Beaujon, do Poynter, perguntou a Pilkington – que disse que não acompanhou todas as audiências – se ele achava que algum veículo tinha feito um bom trabalho de cobertura do julgamento. Ele citou Alexa O’Brien, assim como Kevin Gosztola, que escreveu para o site FireDogLake. Também considerou notável o trabalho da Associated Press e a matéria de Julie Tate para o Washington Post. “Acho que tivemos uma produção muito saudável de jornalismo baseado na internet, como nos casos de Alexa e Kevin, e isso ajudou a preencher alguns vazios deixados pelas insuficiências dos veículos da grande mídia”, escreveu Pilkington.

Mas não dava para eles compensarem a lacuna por completo – em parte por terem recursos limitados, se comparados aos grandões, e em parte porque não estão escrevendo para um público amplo e desinformado, mas para audiências envolvidas no tema. Portanto, muito poucas pessoas estão tentando traduzir um julgamento muito complexo para o público em geral.

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 Andrew Beaujon escreve sobre mídia para o Poynter