Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Anna Politkovskaya: ‘caneta afiada e nervos de aço’

A importância do trabalho de Anna Politkovskaya, 48 anos, foi diminuída pelo presidente russo, Vladimir Putin – de quem a jornalista era crítica ferrenha. Anna foi executada a tiros no elevador do prédio onde morava, em Moscou, no dia 7/10.


A morte de uma das principais profissionais de imprensa da Rússia causou comoção no país e no exterior. A União Européia, a Anistia Internacional e líderes como o presidente francês Jacques Chirac e o americano, George W. Bush, manifestaram-se. Embaixadores foram ao enterro da jornalista prestar homenagem. Apenas Putin demorou quatro dias para falar publicamente sobre o assunto. Quando o fez, classificou o assassinato de um crime ‘terrível’ que ‘não pode ficar sem punição’, mas ressaltou que a influência do trabalho de Anna era ‘insignificante’.


Pode-se perguntar ao presidente russo se a ‘insignificância’ a que ele se refere está no protesto popular realizado em Moscou um dia após a morte da jornalista, ou na presença de milhares de pessoas em seu enterro, ou nas manifestações ‘pela liberdade de imprensa’ conduzidas em países como Bulgária e Ucrânia. ‘Ela era mais corajosa do que se pode imaginar, reportando uma guerra e uma ditadura repulsivas com uma caneta afiada e nervos de aço’, diz o obituário de Anna publicado na conceituada revista britânica Economist [12/10/06]. Talvez aí esteja a insignificância.


Coragem e paciência


Por uma estranha coincidência, a jornalista foi assassinada no dia do aniversário de Putin. A promessa do presidente de que irá investigar o caso com afinco e objetividade não convence, entretanto, os amigos e colegas de trabalho de Anna. Para eles, há poucas dúvidas de que foi seu incisivo jornalismo investigativo sobre a liderança ‘sangrenta’ de Putin, como ela chamava, que levou ao crime.


Além de criticar o presidente russo, Anna denunciava também as atrocidades da guerra na Chechênia. Persistente e paciente, ia aos vilarejos e conversava com todas as pessoas de todos os lados. Não sentimentalizava os rebeldes chechenos nem demonizava os soldados russos. Anna conversava com as mães de soldados que procuravam os corpos dos filhos em necrotérios militares e falava com chechenos cujos amigos e parentes haviam desaparecido nos chamados ‘campos de filtragem’, que abrigavam sessões de tortura, mutilação, estupro e assassinato. ‘Poucos jornalistas, de qualquer país, fizeram isso’, ressalta a Economist. ‘A segunda guerra chechena, que teve início em 1999 e ainda agoniza, fez da cordilheira do Cáucaso o lugar mais perigoso do mundo para um jornalista. A maioria dos repórteres em Moscou, se ia, ia raramente, e apenas na luz do dia e bem protegida. Anna não se intimidava, tendo feito cerca de 50 viagens até lá, às vezes passando dias’.


Pessimismo justificado


Adorada por muitos chechenos e russos, a jornalista recebia incessantes pedidos de ajuda e ofertas de informação. Ela criticava os ‘senhores da guerra’, os extremistas islâmicos que exploraram o conflito, os matadores russos, e desprezava os líderes chechenos empossados pela Rússia. Suas apurações a fizeram ver o conflito de uma maneira que muitos consideravam pessimista. O regime de Putin, dizia a jornalista, era completamente brutal e corrupto. Centenas de pessoas, defendia, tiveram que morrer para que o presidente chegasse ao poder. Ele representava, para Anna, os piores demônios do passado soviético, renascidos de uma forma moderna.


No último artigo que preparava para o jornal independente Novaya Gazeta, Anna abordava denúncias de tortura por forças de segurança chechenas pró-Rússia. O primeiro-ministro checheno, Ramzan Kadyrov, que já havia sido acusado nominalmente pela jornalista, negou ter ordenado sua morte.


Ameaças e envenenamento


Ao falar da ‘mínima influência’ que a repórter teve no país, Putin parece não lembrar que o trabalho dela incomodava – e muito. Nos últimos anos, Anna foi capturada por forças especiais russas, recebeu aterrorizantes ameaças de morte e chegou a ser envenenada em 2004, quando seguia para cobrir o seqüestro da escola de Beslan.


Nascida em Nova York, filha de diplomatas soviéticos, ela sabia dos inimigos que colecionava e dos perigos que corria, mas dizia que jornalistas têm a obrigação de reportar os assuntos que interessam. ‘Seria bom pensar que os russos acharão seu exemplo inspirador. Infelizmente, eles devem concluir que o trabalho corajoso sobre temas polêmicos é uma má idéia’, diz a Economist. Com informações da BBC News [12/10/06].