Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘‘PODE LEVAR anos até tudo estar pronto e pode ser que as pessoas tenham de suportar um longo período de carência por essa breve abundância. Mas elas vivem por este momento e trabalham firmemente em sua direção’.

Pode parecer uma descrição do estado de espírito dos brasileiros para os próximos sete anos, até a Olimpíada de 2016, mas é um trecho do fabuloso livro recomendado abaixo, em que Elias Canetti descreve um dos arquétipos de massa, a das festas, que tipificou em sua obra-prima.O país viveu no fim de semana passado momento raro em que quase todos os seus habitantes compartilharam um sentimento comum, no caso um delírio nacionalista motivado pela escolha do Rio para sediar os Jogos.

Em 1985, houve outra situação dessas, daquela vez um furor místico para tentar fazer com que a fé salvasse a vida do presidente eleito Tancredo Neves seguido de luto pesado por causa de sua morte.

Nas duas ocasiões, num fenômeno que pode ser entendido com a leitura de Canetti, a irracionalidade coletiva prevaleceu. Há 24 anos, a Folha a enfrentou com espírito crítico e informações seguras, que primeiro lhe custaram muita hostilidade, mas depois lhe valeram reconhecimento pela coragem por ter mantido o saudável ceticismo indispensável ao jornalismo.No sábado passado, no entanto, ela se entregou à embriaguez nacional com uma primeira página esfuziante que se limitava a reproduzir informações e imagens que seguramente seus leitores já se haviam cansado de ver na véspera pela TV e internet e com um caderno especial cuja manchete bradava ‘gente GRANDE’, em consonância com o discurso oficial de que a escolha do Rio colocou o Brasil na condição de país de primeira classe.

Poucos colunistas e uma ou outra reportagem destoaram da sinfonia patriótica, mas o ambiente geral das edições do fim de semana e da segunda-feira, inclusive uma entrevista com o ministro do Esporte que o poupou de perguntas incômodas ou nas poucas formuladas deixou que ele escapasse com os mais banais lugares comuns, foi de muita alegria e pouco jornalismo.

A maioria dos leitores que se dirigiram ao ombudsman gostou. Só dois lamentaram o contágio a que o jornal se submeteu. Luis Bernardo Froes pediu ‘uma revisão histórica do que ocorreu no Pan-Americano de 2007, em termos de recursos investidos e fonte dos mesmos, recursos e empregos gerados, obras realizadas e o que sobrou disto tudo.’ Para ele, ‘mais do que a euforia […] valeria muito rever e iluminar o que já ocorreu de similar.’

Diogo Molina perguntou: ‘Por que o jornal não faz um suplemento especial para sabermos como andam a educação pública, a saúde pública, o atendimento aos aposentados, a violência e o trabalho de recuperação de dependentes químicos na cidade maravilhosa?’

Podem ser temas desagradáveis para a massa das festas. Mas o jornal faria bem se os priorizasse.

PARA LER

‘Massa e Poder’, de Elias Canetti, tradução de Sergio Tellaroli, Companhia das Letras, 1995 (a partir de R$ 48,51)

PARA VER

‘Sangue nas Águas’, de Krisztina Goda, 2006 (a partir de R$ 29,90)

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‘Para não dar para não ler jornal diário’, copyright Folha de S. Paulo, 11/10/09

‘Não está escrito em nenhuma tábua sagrada que os jornais impressos diários vão desaparecer devido à concorrência com os meios eletrônicos. O que a história ensina é que eles vão sobreviver, como o rádio depois da TV e a TV aberta depois da TV paga.

Se cada veículo específico vai manter ou perder circulação e relevância social e política depende das estratégias de mercado e das opções editoriais que tomar.

Em duas manchetes de capa nesta semana (terça e quinta), a Folha mostrou o tipo de material que deveria estar sempre em sua primeira página para o leitor considerá-la imprescindível em sua vida.

Reportagens exclusivas e comprovadas sobre temas de interesse material e direto de quase todas as pessoas que pagam imposto de renda (retenção da restituição e aperto da fiscalização sobre a classe média) atraíram a atenção da sociedade.

É isso o que o jornal impresso diário precisa fazer: apurar e revelar fatos inéditos e importantes, que surpreendam e motivem a leitura do público, não repetir informações que todos sabem há horas sem acrescentar nada de novo.’

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‘Onde a Folha foi bem…’, copyright Folha de S. Paulo, 11/10/09

‘ONDE A FOLHA FOI BEM…

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