Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘O ‘foi-não foi’ ao Planalto da ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira para falar com a ministra Dilma Rousseff resultou na exposição pública do vespeiro de grupos políticos e sindicais que lutam pelo poder no órgão.

A Folha, que deflagrou o processo ao publicar entrevista de Vieira em 9 de agosto, na qual ela disse ter-se encontrado com Rousseff a sós ‘no final do ano passado’, não tem conseguido dar a seu leitor visão clara sobre que interesses de que pessoas estão em jogo nem esclarecer se a tal reunião de fato ocorreu e qual teria sido seu conteúdo e contexto.

O assunto é mesmo complexo. A ponto de um suposto peessedebista, Everardo Maciel, atacar a ex-secretária, que agora é estandarte da oposição, e o Ipea, acusado por antigovernistas de ter sido instrumentalizado pelo PT, divulgar estudo que serve como defesa de Vieira a qual, ao tomar posse, foi considerada ferramenta do PT para ‘destucanizar’ a Receita.

Mas é para isso que existem os meios de comunicação: explicar situações difíceis de entender e relatar episódios complicados de reconstituir com segurança. O jornal não tem sido capaz de mostrar o que distingue a gestão de Vieira das anteriores. Afirma que as exonerações ocorridas após a sua saída constituem ‘a mais grave crise da história da Receita’, mas não o comprova (por exemplo, comparando quantos funcionários de alto e médio escalões deixaram as funções quando ela assumiu).

Na quinta-feira, classificou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, como ‘eminência parda’ da Receita, mas não o ouviu nem identificou sua posição no entrevero. Também não escutou o ex-secretário Jorge Rachid. E sua entrevista com o ex-secretário Everardo Maciel saiu com atraso, mais curta e menos enfática, em comparação com as que ele deu a outros veículos.

Também foi com atraso que o jornal noticiou que o marido de Vieira foi ministro interino do governo FHC, o que não é muito relevante, mas não deixa de ser curioso.

A Folha também não revelou se os demissionários, que dizem ter deixado seus cargos para impedir a ‘politização’ do fisco, ficaram sem emprego ou perderam remuneração, dado que ajudaria o leitor a balizar o grau de abnegação e idealismo que lhes deve atribuir.

Passadas três semanas, ainda não se sabe quem mentiu. Estabelecer o que é mentira e se ela constitui sempre desvio ético ou às vezes pode ser admissível ou até louvável já ocupou as mentes dos maiores filósofos, que não chegaram a consenso, como revela o interessante livro recomendado abaixo.

Mas engraçado mesmo seria se o desejo do filho do personagem de Jim Carrey na comédia indicada a seguir (tornar o pai incapaz de mentir por 24 horas) pudesse ser atendido em relação a todos os envolvidos nesta polêmica.

PARA LER

‘A Saga do Mentiroso – Uma História da Falsidade’, de Jeremy Campbell, tradução de Virginia Martins Cortez, Graphia, 2008 (a partir de R$ 48)

PARA VER

‘O Mentiroso’, de Tom Shadyak, com Jim Carrey, 1997 (a partir de R$ 9,90)’

***

‘Combater sintomas não basta’, copyright Folha de S. Paulo, 30/8/09.

‘O extraordinário ‘Caráter’ (Oscar de melhor filme estrangeiro de 1998) mostra a maneira como se efetuavam despejos de famílias pobres na cidade holandesa de Roterdã nos anos 1920. O personagem Dreverhaven não hesita em carregar de sua casa uma senhora moribunda e jogá-la na rua e no frio para cumprir a lei.

Na terça-feira, com foto dramaticamente bela na primeira página, este jornal mostrou que, passados quase cem anos, na cidade brasileira de São Paulo os métodos de despejo não mudaram muito.

O registro da violência do despejo foi benfeito. Mas, depois de curta nota na quarta sobre permanência de muitos dos 2.000 despejados no ‘entorno’ da favela e de notícia sobre bebê sequestrado no sábado, o jornal não tratou mais do assunto.

Os desabrigados já estão acomodados? Não há outras histórias pessoais relevantes a serem contadas ao leitor? Nada a ser dito sobre o problema do deficit habitacional de São Paulo?

Este é mais um caso decorrente de enfermidades sociais graves, tratado como se fosse episódio isolado.

Ninguém combate doenças sérias lidando apenas com os sintomas.’

***

‘Onde a Folha foi bem…’, copyright Folha de S. Paulo, 30/8/09.

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