Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

China quer calar último bastião de liberdade

Durante esses quase cinco anos em que colaboro com o Observatório da Imprensa, escrevi alguns artigos sobre a China [ver remissões abaixo]. Em todos, sem exceção, o tema é a falta de liberdade de pensamento e de expressão imposta pelo regime, atingindo especialmente a mídia. Agora está para ser amordaçado o único bastião de liberdade existente no país: Hong Kong.

A cidade tornou-se colônia britânica em 1898, estabelecendo-se que assim seria por um período de 99 anos. China e Inglaterra ratificaram o tratado em 1984 e, assim, em 1° de julho de 1997 Hong Kong tornou-se Região Administrativa Social da República Popular Chinesa. Os acordos entre Margareth Tatcher e Deng Xiaoping fizeram com que, nesses nove anos de administração limitada pela China (política externa e defesa), a cidade-ilha se tornasse completamente diferente do resto do país. A imprensa até agora não foi submetida à mordaça da censura e o direito à manifestação e à discordância é garantido.

A liberdade de Hong Kong é herança do estado de direito deixado pelos ingleses, mas tem um limite que pode ser fatal: a falta de um autogoverno. A autoridade administrativa da região responde a um parlamento local em que somente a metade é eleita pelos cidadãos, a outra é nomeada por corporações socioeconômicas e profissionais, que seguem a orientação de Pequim. Está soberania limitada veio agora trazer um problema: entre os dias 6 e 7 de agosto a Assembléia Legislativa aprovou uma lei potencialmente liberticida, que torna legal a espionagem contra os cidadãos, especialmente políticos de oposição e jornalistas, permitindo todas as formas de vigilância eletrônica pela polícia, inclusive o monitoramento de e-mails.

Risco de contágio

A lei foi aprovado por unanimidade, 30 votos a zero, depois que os 28 deputados da oposição abandonaram a votação em protesto. A seção, durou 57 horas, um fato inédito em Hong Kong. A posição tentou todas as formas de obstrução, apresentando duzentas emendas, mas nenhuma foi aprovada, inclusive aquela que excluía desse rígido controle os deputados e os jornalistas.

O governador regional tentou atenuar a coisa alegando que ‘o novo sistema de regras é melhor do que o das nações mais democráticas do mundo’. O chefe de polícia foi mais adiante, definindo a reforma como ‘uma lei para manter a ordem e a segurança’. Não consta, porém, que estes sejam problemas: a cidade tem baixíssimos índices de delinqüência.

O real problema que aflige Pequim está no fato de que em Hong Kong se desenvolvem regularmente manifestações em prol da democracia, ou em homenagem aos estudantes massacrados na Praça Tienanmen em 1989. Por outro lado, a imprensa livre local a torna uma cidade privilegiada para aqueles que querem divulgar notícias proibidas do resto do país. Por exemplo, greves de operários, protestos de lavradores têm sempre cobertura dos jornais de Hong Kong. Caso Pequim não ‘normalize’ a situação corre o risco de que Hong Kong se transforme em cidade anômala e venha a ‘contagiar’ toda a China.

Rio e mar

O delicado equilíbrio de compromissos ameaça quebrar-se em outro sentido. Uma involução autoritária de Hong Kong, porta financeira do país para a economia global, seria um péssimo sinal para o resto do mundo.

A China é governada por um sistema híbrido, cujas partes componentes são incompatíveis: politicamente comanda o marxismo, mas economicamente a forma mais feroz de capitalismo. As mazelas desse regime ‘frankensteiniano’ são escondidas pela força da censura, que tem como principal alvo a literatura, a internet e especialmente a imprensa. Os jornalista ‘dissidentes’, isto é, aqueles que se propõem a contar a verdade do que acontece, são presos, impedidos de trabalhar e muitos resolvem deixar o país.

O governo chinês quer impedir que um rio descendo da montanha chegue ao vale e daí inexoravelmente até o mar; para tal constrói represas, mas estas, sob a pressão, um dia fatalmente se romperão, com trágicas conseqüências para o mundo, como a história sempre provou. Quem viver verá!