Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Doc sobre oposicionista russo é visto como propaganda

Folha de S. Paulo, 17/4

Marina Darmaros

Cinema de propaganda

DEPOIS DO ROUBO da versão final do filme ‘Khodorkovski’ (2011), de Cyril Tuschino, dez dias antes de sua estreia no Festival de Berlim, em fevereiro, aparece na internet um novo trabalho sobre o magnata russo que emprestou o nome ao título daquela produção.

‘Khodorkóvski. Trúpi.’ (em português, ‘Khodorkóvski. Cadáveres.’), do jornalista russo Andrei Karaulov, é um documentário sobre seis assassinatos que teriam sido cometidos a mando do empresário e oposicionista político Mikhail Khodorkóvski, preso desde 2003 sob acusações de fraude e sonegação de impostos.

Segundo o diário ‘Moskovski Komsomolski’, o filme é ‘encarado por especialistas como fruto de propaganda política premeditada’. A segunda parte da fita foi divulgada na última quinta-feira, apenas um dia antes do julgamento da apelação do empresário contra o juiz Víktor Danilkin.

Na base da série de críticas negativas, estariam três fatores: a coincidência de datas entre o lançamento do filme e a sessão de apreciação da apelação, a exibição do documentário no site pravda.ru -sobre o qual a mulher do vice-dirigente de política interna do governo Medvedev teria forte ascendência- e as declarações do diretor sobre patrocinadores.

‘Que patrocinadores? Isso não custa nada. Juntamos um monte de filmagens antigas, e todos os meus amigos que aparecem filmaram de graça’, teria afirmado Karaulov, dias depois de confirmar ao diário ‘Nezavissimaia Gazeta’ financiamento externo.

NA CAMA COM A OPOSIÇÃO

No jogo político russo, um escândalo sexual pode ser mais motivo de orgulho do que de impeachment. É o que mostra o livro de poesias de um dos líderes da oposição, Eduard Limonov.

Depois da revelação de que a estudante Kátia ‘Mumu’, de 21 anos, era paga para seduzir oposicionistas políticos e registrá-los em vídeos comprometedores, a lolita virou uma das musas da lírica de Limonov.

Além de Limonov, caíram na rede de ‘Mumu’ o satirista político Viktor Shenderovitch, o articulista Dmítri Oreshkin e o líder da ala jovem do partido de oposição Iábloko, Iliá Iáshin, para citar alguns.

‘Mulher com mais de 30 não existe para mim’, escreveu Limonov, que retrata a última amante e os protestos do Estratégia-31, movimento encabeçado pelo político e dublê de poeta e que organiza todo dia 31, na praça do Triunfo, encontros em defesa do artigo de mesmo número -o qual garante a liberdade de reunião na Rússia.

GAGARINLAND

Às vésperas do cinquentenário do primeiro voo no espaço, em 12 de abril, a filha caçula de Yuri Gagárin, o astronauta pioneiro, deu uma mal-humorada entrevista ao jornal estatal ‘Rossisykaya Gazeta’. Na reportagem, Elena Gagárina demonstra contrariedade com o nome dado a um novo condomínio de datchas (chácaras) criado em homenagem ao pai: Gagarinland. Será a morada dos novos ricos russos, uma espécie de Alphaville eslavo.

A atuação dos jornalistas contemporâneos é outro tema que desperta sua impaciência. Na avaliação dela, a maior parte dos escritos sobre o pai é sensacionalista -tom que seria uma herança da perestroika de Gorbatchov. A geração que atua hoje, prosseguiu Gagárina, não poupa ‘uma mulher chorosa’ de luzes e câmera.

ATREVIMENTO PREMIADO

Depois de aparecer e sumir diversas vezes da lista de indicados ao prêmio Inovação-2010 do Centro Estatal de Arte Contemporânea de Moscou, o coletivo de arte de protesto Voiná (em português, ‘guerra’) foi finalmente incluído na relação oficial da premiação e, no último dia 7, anunciado vencedor.

A indecisão do comitê organizador quanto à indicação deu-se, de acordo com o presidente do comitê organizador, Mikhail Mindlin, porque os integrantes do grupo se mantêm no anonimato.

Isto é, trata-se de desconhecidos em termos: pelo menos dois deles, Leonid Nikolaiev e Oleg Vorotnikov, foram apresentados aos holofotes midiáticos em novembro, quando foram presos devido à ação/intervenção ‘Reviravolta Palaciana’, em que tombavam carros da polícia russa nas ruas de São Petersburgo.

Na sétima edição do prêmio Inovação, o Voiná foi lembrado na categoria arte visual com a performance ‘C… ao cativeiro do FSB’, na qual desenhou um pênis de 65 metros em uma ponte levadiça de São Petersburgo que, erguida, dava de cara para o serviço secreto russo.

O anúncio da vitória gerou uma confusão entre a Câmara Pública, que ataca a escolha, e o ministro da Cultura, Aleksandr Avdeev, que afirma não se intrometer no prêmio, pelo qual o coletivo vai receber do governo 250 mil rublos (R$ 14 mil).