Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mídia é corresponsável pela publicidade negativa

John Geer, um dos cientistas políticos mais sérios e engajados dos EUA, é fã de campanhas políticas negativas. Um dos princípios básicos da democracia, diz Geer, professor na Universidade Vanderbilt, no Estado do Tennessee, “é criticar os que estão no poder”. Além disso, ele afirma que votar num político é como comprar um carro, o que exige conhecer o lado positivo e o negativo – e o candidato só lhe contará metade da história.

Mas até Geer está achando exagerada a disputa deste ano. “Está batendo recordes, em matéria de campanha mais negativa”, diz ele. As centenas de comerciais de televisão transmitidos pelos candidatos à presidência são desproporcionalmente negativos; é esse o caso com 80% daqueles que se referem ao presidente Barack Obama e 84% dos que se referem a Mitt Romney. É ainda mais desproporcional no que se refere aos gastos por grupos externos; as super PACs [Political Action Commissions], comissões que levantam fundos para campanhas políticas, de ambos os lados, assim como organizações empresariais e sindicais, divulgam anúncios negativos mais de 90% do tempo, segundo o CMAG, uma unidade da empresa de análise Kantar Media que acompanha a publicidade.

No plano presidencial, diz Geer, a negatividade é previsível. “Esses anúncios funcionam. Trata-se de um eleitorado polarizado e ambos os candidatos oferecem material. Há um beneficiado, com um histórico variado, e um desafiante que nem pode falar de seu histórico”, disse Geer. “Isso é um coquetel perfeito para a negatividade.”

Anúncios planejados para atrair cobertura

Campanhas negativas fazem parte da política americana e os ataques deste ano não são tão injuriosos ou vingativos como os de algumas disputas anteriores. São, no entanto, mais generalizados e definem os candidatos e as disputas. Grande parte dos US$ 2 bilhões (cerca de R$ 4 bilhões) gastos na eleição presidencial de 2012 terá como foco a meia dúzia de estados mais competitivos e a maior parte do dinheiro financiará mensagens negativas.

Os estrategistas de campanha de ambos os partidos descartam a crítica pública. Há inúmeros exemplos que mostram que a crítica negativa funciona e poucos mostrando o contrário. Um estudo publicado no ano passado pelo American Journal of Political Science revelou que quanto mais envolvidos os eleitores mais propensos a votar, menos são ofendidos por ataques negativos.

Às vezes, os noticiários são os principais culpados. Em especial na televisão a cabo, quanto mais violento for um ataque ao outro candidato, mais ele ganha destaque. Alguns anúncios da televisão são planejados principalmente para atrair cobertura da mídia. Recentemente, a campanha de Obama eliminou um anúncio zombando de Romney devido à sua recusa em apresentar uma lista dos trilhões de dólares de lacunas em impostos que prometera erradicar, mesmo quando garantiu que acabaria com o financiamento da televisão pública pelo governo – inclusive o popular programa infantil Vila Sésamo. O anúncio era menos uma ferramenta publicitária do que uma maneira de conseguir cobertura, inclusive com clipes retransmitidos de noticiários.

O vencedor enfrentará enormes desafios

Essa estratégia cresceu em 1964, com um anúncio do Partido Democrata sugerindo que Barry Goldwater, o desafiante republicano do presidente Lyndon B. Johnson, começaria uma guerra nuclear. Foi ao ar apenas uma vez, mas teve enorme cobertura pela mídia. Entretanto, o anúncio negativo mais eficiente foi em 2004, quando um grupo denominado Swift Boat Veterans for Truth – fundado por conservadores abastados do Texas – produziu uma série de comerciais de televisão questionando o heroico serviço militar no Vietnã do candidato presidencial democrata, John Kerry. Foi sórdido e bem-sucedido; uma busca feita durante aquela campanha detectava que a expressão “swift boat” recebera 40% a mais de cobertura do que a guerra do Iraque.

Na última meia dúzia de campanhas presidenciais, os noticiários tentaram trazer mais responsabilidade, iniciando um processo de observação dos anúncios e verificação de dados. Geer argumenta que, às vezes, isso tem um efeito perverso, incentivando os anúncios que irão atrair atenção, mas impondo sanções insignificantes à falta de verdade.

As campanhas deveriam estabelecer precedentes para o governo que se eleger. Foi o que fez Ronald Reagan em 1980, assim como Bill Clinton em 1992 e, em grande parte, Obama, há quatro anos. A atual campanha, com pouco mais de três semanas pela frente, foi um fracasso, no que se refere a isso. O vencedor enfrentará enormes desafios: uma possível crise de segurança nacional com o Irã, a instabilidade permanente nos países do Sul da Ásia e, nos EUA, a necessidade de ações impopulares e impostos e ainda a permissão e decisões sobre alterações na lei do seguro-saúde de Obama, que foi implantada em 2010. Cada lado oferece pouco na campanha eleitoral – e nada nos comerciais da televisão – que trate dessas realidades, tanto positiva quanto negativamente.

“Temos um excesso de negatividade”

Obama ataca a lista de estaleiros de Romney no exterior como empresas que adquirem controle majoritário de outras, assim como suas contas bancárias na Suíça e nas Ilhas Cayman. Recentemente, um novo comercial criticava um investimento feito na Huawei Technologies, a gigante de telecomunicações chinesa, acusando o candidato republicano de “por lucros para a China à frente da segurança para os EUA”.

Num anúncio, Romney sugere que Obama o acusa, falsamente, de propor um corte de US$ 5 trilhões (cerca de R$ 10 trilhões) nos impostos. Na verdade, Romney propôs um corte de US$ 4,8 trilhões. Ele argumenta que isso seria compensado pelo fechamento nas lacunas dos impostos, mas recusa-se a dizer aos eleitores quais seriam e faz analogias falsas a uma reforma bem-sucedida do código de impostos no governo Reagan.

Um destes candidatos irá acordar presidente no dia 7/11. “Temos um excesso de negatividade”, diz Geer, que, teoricamente, defende campanhas negativas. Informações de Albert R. Hunt [New York Times, 15/10/12].