Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Test drive acaba em acusação de falta de ética

Um test drive com um modelo de carro elétrico da marca Tesla, feito pelo jornalista John Broder, do New York Times, provocou uma verdadeira briga com a empresa e levantou questionamentos sobre ética jornalística. Broder avaliou duas novas estações super rápidas para carregar as baterias do carro – que, em teoria, permitiriam uma viagem de Washington a Boston. Na prática, diz o jornalista, o teste foi um fiasco, e a bateria acabou antes do fim do trajeto. A Tesla Motors acusou Broder de falsificar informações.

A ombudsman do New York Times, Margaret Sullivan, publicou em seu blog um artigo sobre o caso, traduzido abaixo.

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Como prometido, passei os últimos dias investigando o test drive feito pelo repórter John Broder com o celebrado carro elétrico chamado Tesla Model S. O artigo, que focou em dois carregadores de baterias na Costa Leste, foi, compreensivelmente, perturbador para a companhia e para os admiradores do carro. O test drive não deu certo. Na verdade, sua publicação foi acompanhada pela fotografia do Model S em um reboque, onde foi colocado após sua bateria acabar antes do fim do teste.

Elon Musk, executivo-chefe da Tesla, declarou que a história foi armada e que o jornalista intencionalmente fez com que seu carro falhasse. No blog da Tesla, ele divulgou gráficos e dados baseados no “diário de bordo” do carro, que contesta muitos dos detalhes do artigo de John Broder.

Broder e o jornal defendem que o artigo foi feito de maneira ética e que trata-se de um relato honesto do que aconteceu. As longas críticas foram respondidas detalhadamente no blog do jornal.

Mas Elon Musk e muitos leitores permanecem insatisfeitos. Não é um exagero falar que eu ouvi centenas deles, por email ou pelos comentários do meu blog.

Um leitor, Roger Wilson, dono de um Model S, expressou sua opinião de forma moderada:

“Em seus artigos, Broder diz que seguiu os conselhos da Tesla durante seu teste. No entanto, se ele tivesse lido o manual antecipadamente (o que, com suas 30 e poucas páginas, levaria uma hora), ele saberia sobre:

>> O padrão ‘alcance máximo’, que lhe daria mais 20 a 30 milhas

>> O padrão ‘modo de alcance’, que teria conservado a bateria durante a viagem

>> A seção intitulada ‘Dicas para o alcance máximo’

>> E o conceito de ‘carregar a bateria do veículo quando não está em uso’

“Se ele tivesse seguido ao menos uma dessas dicas, não teria ficado parado no meio da estrada. Mas, novamente, não seria um artigo interessante se a viagem fosse bem-sucedida ou se ele só reclamasse do fato de ter que carregar a bateria do carro.

“Em artigos seguintes, ele diz que estava apenas testando a rede de ‘SuperBaterias’ [como são chamadas estas estações de carregadores]. Se este tivesse sido o caso, o artigo não focaria na velocidade baixa do carro e o frio que sentia (ou a foto do Tesla em um reboque), mas simplesmente atestaria que as duas ‘SuperBaterias’ estão muito distantes uma da outra e que os usuários deveriam confiar em estações de carregamento não-públicas até a instalação de mais ‘SuperBaterias’.

“Ao contrário de Musk, não defendo que Broder falsificou a história, mas ele certamente não manteve o cuidado ou a responsabilidade de administrar o combustível (necessário para qualquer carro). Alguém pode acreditar que a irresponsabilidade de Broder tinha o objetivo de criar algo para tornar sua história mais emocionante.

“A culpa também é um pouco da Tesla, especialmente porque ela sugeriu o test drive. A Tesla deveria ter deixado claro que a distância das duas ‘SuperBaterias’ é quase a mesma para gastar toda a bateria, e que as dicas para economia da bateria deveriam ter sido utilizadas.”

Nos últimos dias, questionei e escutei Broder, Musk, outros jornalistas do jornal, dois funcionários-chave da Tesla, o motorista do reboque, um dono do mesmo modelo, dentre outros. Estou atenta sobre outros testes bem-sucedidos por donos do veículo e outros jornais que mostram que as duas “SuperBaterias” funcionam perfeitamente bem (apesar de os testes não possuirem um elemento do teste de Broder: um dos dias mais frios do ano). Li centenas de e-mails e comentários. Também conversei bastante com meu irmão, um fã da Tesla, que me ajudou a equilibrar o que poderia ser uma tendência inconsciente de defender um jornalista experiente.

Minhas conclusões não são muito diferentes das do leitor acima, apesar de eu não acreditar que Broder esperasse que o teste desse errado. Estou convencida de que o test drive foi feito de boa fé, e que ele relatou o que experimentou.

Ele teve bom senso? Não especialmente. Particularmente, decisões feitas em um ponto crucial, quando ele recarregou o carro em Norwich, em uma parada forçada por perder a recarga da noite, certamente ajudaram para o fim da viagem.

Broder também deixou abertura para críticas válidas por tomar o que pode ser visto como notas imprecisas e casuais durante a viagem, desatento para o fato de que cada movimento seu estava sendo monitorado. Um caderno não é páreo para o “diário de bordo” digital feito pelo carro, que Musk usou para defender sua empresa.

Eu poderia recitar cada verso do test drive, as decisões feitas pelo caminho, a temperatura do carro e tudo mais. Não penso que seria útil.

As pessoas continuariam a contestar esses pontos, insistindo que sabem o que provam, e isso é compreensível. No ponto do infame test drive, ainda existem muitos argumentos a serem discutidos e poucas conclusões são acessíveis.