Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A poesia dos títulos

Manchetes e títulos de jornal, como eu disse semana passada, são poesia em prosa. Não só têm uma gramática e uma dicção distintas, mas também têm uma forma intensamente apertada e um conteúdo ainda mais apertado. Comparado a uma manchete, fazer um soneto é a maior moleza. Pelo menos era assim nos velhos tempos de meados do século 20, numa época anterior à CNN, à internet e ao Twitter, quando os jornais carregavam o peso de ter que transmitir os casos mais importantes do dia de maneira adequada e para registro.

Era uma época em que toda palavra escrita para um jornal era literalmente pesada, montada pelos operadores de linotipo a partir de pedações de chumbo de mais de dois centímetros, na gráfica. Era uma época em que a mera ideia de design de jornal teria sido ridicularizada e descartada como afetada. Não, jornais tinham paginação e layout, e não design.

Uma vez que o lugar da matéria no layout da página só poderia ser determinado quando a matéria estivesse escrita, o repórter não dava palpites sobre o título. Seria tarefa de um editor de texto – ou copidesque –, que primeiro faria a edição da matéria e depois escreveria um título para ela. E é aqui que entra a poesia. O título, como um todo, deve refletir com precisão a matéria que anuncia, tanto no conteúdo quanto no tom. Mesmo dentro do título, a linha de abertura deveria refletir, se possível, a principal preocupação da matéria. Quebras de linha na frase de abertura devem ocorrer como quebras naturais.

Focos de resistência

Fazer isso já é bem difícil, mas o pior ainda está por vir. Cada linha do tipo de título de que estou falando deve ter uma largura precisa. Naquela época, você não podia digitar um título em seu computador para ver se cabia. Você tinha que contar cada linha para ter certeza de que ela tinha a largura adequada para combinar com as outras.

As regras para fazer a contagem de toques são as seguintes:

>> Todas as letras em caixa baixa contam 1, exceto l, i, f e t, que contam ½, e m e w, que contam 1 ½.

>> Todas as letras em caixa alta contam 1 ½, exceto I, que conta ½, e M e W, que contam 2.

>> Todos os sinais de pontuação contam ½, exceto travessão, ponto de interrogação, cifrão e sinal de percentual, que contam 1.

>> Os números contam 1, assim como os espaços (que podem ser “esticados” para 1 ½ ou “espremidos” para ½).

Devemos reconhecer que, mesmo naquela época, muitos títulos não eram compostos com a largura exata, assim como muitos poetas escreviam em verso livre, desobrigando-se da métrica. Mas ainda hoje há alguns focos de resistência. Veja esta manchete de primeira página do New York Times:

OBAMA SEEKING
TO BOOST STUDY
OF HUMAN BRAIN

(OBAMA PROCURA
INCENTIVAR ESTUDO
DE CÉREBRO HUMANO)

Tanto na fonte original quanto no estilo, cada linha se adapta com precisão à sua largura de uma coluna.

Um exemplo perfeito

Mas veja você mesmo como é difícil compor um título. Este é um exemplo tirado de um livro maravilhosamente exigente, News Editing, de Bruce Westley, publicado em 1953. Baseia-se na seguinte matéria, enviada por telegrama:

“Washington, 2 de maio – Prosperidade crescente da Irlanda suspende hoje ajuda do Plano Marshall.

A administração de cooperação econômica (ECA, por sua sigla em inglês) anunciou o fim do programa com o consentimento do governo irlandês.

‘Em decorrência do progresso da Irlanda sob o Plano Marshall’, disse a ECA, ‘a economia irlandesa provavelmente está melhor do que nunca em sua história’.”

Westley queria duas linhas, de 17 a 18 toques. O título original do telegrama (“Ireland, growing prosperous, had its Marshall Plan aid suspended today”) era muito longo (linhas de 23 e 27 ½ toques, respectivamente). O título foi:

Ireland, Prosperous, Has Marshall Plan Aid Suspended

(Próspera, Irlanda suspende ajuda do Plano Marshall)

Ele teve que reescrever quatro vezes, mas acabou conseguindo duas linhas (18 ½ e 17 toques) que resumiam a matéria com precisão. Será que você consegue fazer um título tão bom quanto o dele?