Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os dois lados do anonimato na rede

O anonimato é ótimo! Exceto quando não é.

Protege o autor da denúncia do contragolpe e a fonte bem demarcada de ser jogada fora. Ajudou as mulheres a publicarem romances há muito tempo, quando… quando a ideia era uma novidade. Mas também pode inspirar o amalucado a ficar mais doidinho e o racista a ficar mais… Bom, você entendeu.

Toda essa história de anonimato – seus méritos e deméritos – surge de tempos em tempos e agora é um deles. Centelhas gêmeas – uma da costa Oeste e uma da costa Leste – vêm empurrando suavemente os Estados Unidos no sentido de considerarem o anonimato algo que vale a pena levar em conta. No Oeste, a atriz Tina Fey descarrega em cima de autores de comentários anônimos na internet que a detestam. No Leste, nosso querido – e agora, de saída – ombudsman do Washington Post, Patrick Pexton, censurando o comportamento asqueroso e ofensivo na seção de comentários dos artigos no site do jornal, incluindo, muito recentemente, algumas observações desagradáveis sobre uma matéria que critica persistentes insinuações sobre o traseiro da primeira-dama, Michelle Obama. Pexton sugere que os leitores que queiram fazer comentários no site do Post sejam identificados, em primeiro lugar.

Fey e Pexton, cujas ideias se disseminaram numa velocidade que só uma longa discussão no programa Today, da NBC, consegue, voltaram-se para uma questão que nada tem de novo. O anonimato nos faz bons? Ou nos faz maus? E agora, que já faz um bom tempo que nos acostumamos a navegar online, surge uma outra questão: a internet torna mais fácil sermos anonimamente ruins ou anonimamente melhores?

Um estudo sobre o anonimato

A resposta não é tão simples. Tome-se o 4Chan, um tabuleiro de internet extremamente popular e enfaticamente anônimo que começou como um lugar para discutir desenhos animados japoneses e aumentou para dúzias de tabuleiros que abordam temas que vão de “ciência e matemática” a “mulheres bonitas e sexy”. O site pode virar obsceno. O anonimato tem o efeito de tornar os usuários menos inibidos, diz Michael S. Bernstein, que estudou o site com colegas no MIT e na Universidade de Southampton, na Grã-Bretanha. Atualmente professor de ciência da computação na Universidade de Stanford, Bernstein disse, numa entrevista, que a falta de inibição leva a uma porção de “violência, pornografia e racismo”.

Porém, em meio a todo esse comportamento ofensivo, Bernstein e seus colegas pesquisadores também concluíram que o anonimato tem muitos efeitos positivos. Um dos mais notáveis foi a criação de uma cultura que fomentava a experiência e as novas ideias. Uma vez que não se usavam nomes, os usuários sentiam-se mais à vontade assumindo riscos. Terminaram contribuindo para a criação de uma cultura de internet e para uma proliferação de memes.

Era uma vez, há muito, muito tempo – em termos de internet, isso seria de meados para o final da década de 90 –, que as pessoas se preocupavam com a possibilidade de que o anonimato não fosse possível na web. A American Association for the Advancement of Science (AAAS), que publica o respeitável jornal Science, preocupou-se a ponto de encomendar um estudo que concluiu que o anonimato era algo que merecia o esforço de preservação. “Na época, falava-se em tornar o anonimato difícil ou impossível”, diz Albert H. Teich, professor na Universidade George Washington que era diretor de programas na AAAS quando o estudo foi divulgado.

Imagens sexuais de pré-adolescentes

Os cientistas queriam que a internet fosse um lugar onde as opiniões políticas pudessem ser manifestadas livremente, sem medo de repercussões; um lugar onde, digamos, um adolescente às voltas com seus problemas de sexualidade poderia, discretamente, procurar aconselhar-se. Mas isso foi naquela época.

Albert Teich não está mais tão preocupado e até chegou a pensar que a ideia de limitar o anonimato poderia não ser tão ruim, às vezes. Mas está dividido. O terrorismo dá-lhe um argumento contra o anonimato. Mas proteger os contatos que ajudam a AAAS a combater a violação de direitos humanos na América Central dá-lhe um motivo para proteger o anonimato. Em outras palavras, é complicado. “É extremamente difícil limitar-se a um único padrão no tabuleiro. É uma coisa muito circunstancial”, afirma.

E essas circunstâncias não têm uma definição clara. A adesão de um usuário da internet ao anonimato pode significar o comportamento grosseiro de outro. E aí chegamos à doxa. Trata-se de fazer com que apareça alguém que tenta ser anônimo.

Ultimamente, isso parece acontecer com frequência, mas nada se compara ao caso que Adrian Chen, repórter do site Gawker, revelou no outono passado. Chen pegou um usuário do mundo de comentários anônimos da internet que usava o nome “Violentacrez”. O site chamou-o de “maior fraude na web”, afirmando, entre outras coisas, que ele criou uma seção no popular site Reddit chamada “Isca em cana”. A seção era dedicada a imagens sexuais de meninas pré-adolescentes. Chen descobriu que Violentacrez é um militar reformado que mora com sua mulher num subúrbio de Dallas e… adora gatos.

Nome, endereço e uma foto recente

Com todos esses “aparecimentos”, o que deve fazer um usuário anônimo da internet que envia uma mensagem? Bernstein, o professor de Stanford, diz que alguns procuraram serviços como o Tor, projetados para proteger o anonimato ao impedirem localizar de onde a internet foi acessada. Pensativos, voamos para tempos mais simples. Antigamente, sem ginásticas de alta tecnologia, o anonimato podia ajudar a vender um livro – lembra-se de Primary Colors, o livro inspirado em Bill Clinton que depois se soube ser da autoria do jornalista Joe Klein? Talvez uns voos retóricos à União Soviética pudessem ajudar – como o autor anônimo simplesmente identificado como Z. Ele causou agitação e especulação por todo o mundo com um artigo de 1990 no jornal Daedalus que expressava ceticismo sobre as reformas no governo de Mikhail Gorbachev. Embora não tenha sido necessário recorrer a um computador de serviços forenses, Z acabou sendo um professor da Universidade de Berkeley, na Califórnia – ele próprio se identificou e assumiu a autoria do artigo.

O que é exatamente o que algumas das pessoas que ficam com raiva dos comentários anônimos gostariam que acontecesse. Quando lhe perguntaram, no programa Today, se os comentaristas online deveriam revelar suas identidades, Tina Fey não hesitou: “Acho que deveriam pôr o nome verdadeiro, o endereço e uma foto recente”, disse, com um sorriso.

É claro que ela estava brincando.

Ou não estava?