Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mídia estatal de países autoritários prejudica desenvolvimento

Quando autoridades russas invadiram escritórios da ONG Human Rights Watch em Moscou, elas convidaram uma equipe de uma das maiores redes de TV do país, a NTV (controlada pelo estado), para filmar a invasão. Não foi a primeira vez: câmeras da emissora estatal já haviam registrado invasões a outras ONGs, incluindo a Anistia Internacional e o grupo de direitos humanos Memorial.

O presidente Vladimir Putin descreveu essas invasões como “medidas rotineiras” tomadas pelas agências do governo para garantir que as atividades das organizações estivessem “de acordo com a lei”. No entanto, por que é preciso filmar e exibir em horário nobre essas atividades, se são apenas operações de “rotina”? A resposta tem a ver com o papel crucial do governo em moldar a percepção do público sobre o mundo. O uso seletivo de auditores fiscais e inspeções de segurança, assim como leis e regulações arbitrárias, são onerosas e disruptivas às atividades de ONGs. O lugar da mídia estatal no arsenal autoritário é de uma ordem diferente porque seus ataques estão destinados a desacreditar – e deslegitimar – a sociedade civil.

Bloquear e atacar

Ao contrário da mídia independente de propriedade pública em países democráticos, as funções da mídia em estados autoritários são bloquear e atacar. Bloquear as informações garante que a crítica consistente da liderança não afete o público que consome as notícias principalmente por rádio ou TV. Atacar, pelo uso de desinformação de mídia de massa, destina-se a sujar a imagem de alguém que é visto como uma ameaça ao poder estabelecido. Para a sociedade civil, a função de ataque é a mais destrutiva.

Essa fórmula para repressão da sociedade civil não é restrita apenas à Rússia, sendo um padrão visível em muitos países autoritários. Outros países da ex-União Soviética estão bem representados na lista. A mídia estatal do Azerbaijão, por exemplo, ataca rotineiramente ONGs e ativistas individuais. Durante uma entrevista recente à TV estatal, Ramiz Mehdiev, chefe de estado do presidente Ilham Aliev, alegou que “falsas ONGs” independentes, apoiadas pelo Ocidente, constituíam uma ameaça à segurança nacional e deveriam ser fechadas para evitar maior influência nas relações internas do país.

Os governos da Bielorrússia, Cazaquistão e Uzbequistão agem de maneira semelhante. No Zimbábue, na África, a mídia estatal é usada como instrumento de demonização, chegando a chamar as ONGs financiadas por países estrangeiros de “mercenárias da sociedade civil”. A Arábia Saudita e outros países do Oriente Médio também usam a mídia estatal como uma verdadeira arma contra a sociedade civil.

A TV estatal russa, especialmente a NTV, investe em programas sensacionalistas que sugerem que ativistas de direitos humanos e outros reformistas trabalham em nome de interesses internacionais ou buscando prejudicar o governo russo. Esses grupos, na realidade, fazem o trabalho essencial de proteger os direitos dos cidadãos russos, encorajando a transparência nas políticas públicas e promovendo a liberdade de expressão. Os ataques da mídia estatal contestam seus motivos e suas ações, dificultando que esses grupos ganhem a confiança de cidadãos comuns.

Sociedade civil como ameaça

Ao marginalizar a oposição política e eliminar vozes alternativas, Putin agora vê a sociedade civil como a principal ameaça a seu governo. Com o rápido aumento da internet e das tecnologias de comunicação, é tentador supor que a mídia estatal já é relíquia de uma era passada. Mas com seu alcance vasto e geralmente incontestado e influência sobre populações fora dos centros urbanos que, geralmente, têm menos acesso a fontes independentes de informação, a TV estatal é o meio que modela as visões de audiências que tipicamente representam a base de apoio autoritária. Na Rússia, a TV estatal ainda é a fonte dominante de informação.

Organizações comunitárias, grupos de defesa de direitos civis e outras associações que formam a sociedade civil são fundamentais para trazer práticas inovadoras ao espaço público. Tais ONGs trabalham para melhorar políticas públicas e encorajar o desenvolvimento econômico e social, entre outros benefícios. Os ataques à sociedade civil estão, portanto, prejudicando o desenvolvimento desses países de um modo crucial. Nesse sentido, a mídia estatal prejudica o próprio governo a quem supostamente serve.