Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ernesto Rodrigues

‘Roda Viva com Gilmar Mendes: Dois dias depois da coluna em que procurei explicar os critérios de apreciação e aproveitamento dos emails enviados pelos telespectadores, as caixas de entrada deste ombudsman e do Centro de Atendimento ao Telespectador foram tomadas, coincidentemente, por mais de duzentas mensagens, todas relacionadas ao Roda Viva de segunda-feira, dia 15, com o presidente do STF, Gilmar Mendes.

Não poderia haver situação mais exemplar do cuidado que, na minha opinião, todos devemos ter, independentemente de nossas opiniões políticas, com o avassalador poder de multiplicação da internet e da importante – e também grave – possibilidade que ela abre para a comunicação direta entre pessoas e instituições, sem intermediários.

A primeira surpresa que tive foi com o fato de que se tratava de uma maciça reação em cadeia a um programa que ainda nem aconteceu. De um lado, cerca de 80% dos emails que entraram até o final da tarde de sexta-feira, dia 12, traziam manifestações de uma legião de remetentes indignados, ultrajados, ofendidos e inconformados com a escolha dos entrevistadores que vão formar a bancada em torno de Gilmar Mendes.

De outro, um grupo minoritário mas com igual contundência, leitores e admiradores de um dos entrevistadores convidados pelo Roda Viva, celebrando e defendendo a presença dele na bancada como uma garantia de que a entrevista seria jornalisticamente equilibrada e representativa.

Outro detalhe tão impressionante quanto curioso ou revelador foi a enorme semelhança dos textos dos dois grupos nos adjetivos, na construção de frases, nas ironias e até nos nomes citados como alternativas – irônicas ou não – aos quatro convidados para entrevistar Gilmar Mendes. A dramaticidade de alguns emails, uma espécie de cortar de pulsos de decepção com a atitude do Roda Viva, incluía promessas de deletar o canal da TV Cultura e nunca mais sintonizar a emissora. Isso, é bom repetir, por causa de um programa que ainda não foi ao ar.

No caso dos remetentes contrários à ‘escalação’ da bancada, a maioria dos emails continha seríssimas acusações de manipulação editorial, falta de ética jornalística, venda de consciência e traições do programa ao espírito e à missão da TV pública. Diante da gravidade dessas acusações e de repetidas cobranças de uma postura deste ombudsman sobre a questão, entrei em contato com o diretor do Roda Viva, Marcelo Bairão. Ele obviamente já tinha conhecimento da onda de emails. Sua resposta foi em três pontos:

‘1 – A escolha dos componentes da bancada que entrevistará o ministro Gilmar Mendes é de minha inteira responsabilidade e da equipe do programa, e não do jornalista Paulo Markun que, diga-se de passagem, não foi consultado.

2 – Não houve nenhuma restrição ou veto do ministro ou de sua assessoria a qualquer nome.

3 – O critério usado, como sempre, foi o de compor uma bancada com jornalistas conhecidos e experientes de veículos importantes de circulação nacional – nesse caso também com um veículo específico, o site Consultor Jurídico’.

Houve ainda um aspecto, na onda de emails, que foi mais revelador: em todos eles, exatas 10380 palavras, independentemente se eram de remetentes simpáticos ou não à bancada escolhida de entrevistadores, não houve uma única linha com sugestões de perguntas, cobranças ou acusações específicas a serem feitas ao ministro Gilmar Mendes na entrevista. O que só reforça a sensação de que esses telespectadores remetentes, em especial, não pareciam muito interessados no conteúdo da entrevista. Era como se já soubessem das respostas. Ou não quisessem saber.

Não creio, sinceramente, que essa onda de emails, qualquer que seja o lado político e por mais que impressione pelo volume e pela veemência, seja representativa do pensamento da maioria dos telespectadores do Roda Viva. A maioria, como este ombudsman, prefere esperar, assistir o programa e observar o comportamento do entrevistado e dos entrevistadores para depois decidir se o Roda Viva continua ou não merecendo confiança.

No caso deste ombudsman, jornalista de formação, há ainda um outro motivo: entrar nessa onda de emails seria equivalente a ir embora pra casa na hora do almoço, deixando pronta e impressa a manchete do jornal do dia seguinte.

Horários e intervalos

Zoom

Daniela Baranzini, diretora do Zoom, respondendo à análise publicada aqui no dia 22 de novembro e na qual este ombudsman reivindicava um horário de exibição menos tardio, em função do potencial e do formato atraente do programa em termos de TV aberta, fez um esclarecimento importante:

‘O Zoom não pode ser exibido mais cedo, pois isso limitaria muito a temática dos curtas que poderiam ser exibidos. O que não há é um diálogo entre o público do programa que nos antecede e isso sim poderia ser melhor resolvido. Mas esse horário e muito melhor do que o que tivemos nos últimos anos, que era aos sábados, depois do Cine Brasil e com horário variável. Esse sim era prejudicial ao programa e um desrespeito ao seu público, que é cativo’.

Daniela também informa que vai propor à Direção de Arte uma reformulação das vinhetas do programa, para que elas fiquem mais ricas e ganhem identidades específicas em 2009. Em relação à falta de ‘respiração’ e de ‘sobe-sons’ nas edições retrospectivas de filmes marcantes, apontada na mesma análise, ela afirmou:

‘Esse é um dilema e tanto. Por apresentarmos uma variedade de assuntos e entrevistas, o tempo de arte do programa, 48 minutos, é pouco e sempre temos que cortar em função do estouro. Para 2009 vou diminuir um pouco as atrações, para podermos ter mais tempo para curtir essas cenas inesquecíveis. Concordo que para os amantes do cinema acaba sendo uma frustração não curtir a cena mais um pouquinho’.

Feitos os esclarecimentos, restam a pipoca e uma atenção especial à programação comemorativa dos 13 anos do Zoom, que continua ‘em cartaz’.

Pé na rua

Na hora do intervalo, o diálogo bem-humorado de João e Gabi, impossibilitados de dizer que voltam ‘rapidinho’ como antigamente, sugere que o break é ‘demoradão’. Essa medida é uma saudável iniciativa de jogar aberto com o telespectador sem perdê-lo na parte final do programa. É também a alternativa encontrada pelo Pé na Rua para enfrentar uma incômoda pedra no sapato que é a obrigatoriedade de um break de mais de três minutos, o que tem prejudicado bastante o programa em termos de audiência. O ideal, no entanto, seria que um programa tão ágil – e dirigido a um público tão cheio de intimidade com o controle remoto – não fosse punido com esse enorme intervalo. Será que não há outra solução?

Caixa de entrada

É hora de fazer um esclarecimento importante, relacionado ao trabalho deste ombudsman. Refiro-me às manifestações de telespectadores que não ficam muito satisfeitos com o fato de suas mensagens não serem reproduzidas ou citadas aqui nesta coluna.

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a não citação e a não publicação dessas mensagens não significa, em hipótese alguma, que os emails dirigidos a este ombudsman não estejam sendo lidos e considerados com muita atenção. Afirmo que absolutamente todos eles são lidos por mim, divididos por temas e áreas e em seguida encaminhados à secretaria da presidência da Fundação Padre Anchieta, que, por sua vez, através do Serviço de Atendimento ao Telespectador, endereça as demandas às áreas da emissora que devem ou podem atender a cada uma dessas demandas.

Um segundo aspecto a ser levado em conta é a natureza múltipla, diversa e heterogênea dessas mensagens. Além de conter críticas, protestos, elogios e sugestões ao conteúdo da programação da TV Cultura – temas mais diretamente relacionados à função do ombudsman – as mensagens incluem pedidos de reprise de programas, sugestões de pauta jornalística, propostas de mudança na grade noturna e infantil, apelos para a volta de antigos programas, oferta de serviços de todo tipo, solicitação de telefones de contato, encaminhamento de currículos profissionais, queixas sobre qualidade de sinal e conteúdo local de emissoras que transmitem programas da TV Cultura e dúvidas sobre o sistema digital, além de assuntos virtualmente inqualificáveis e, claro, muito spam. Sem contar alguns elogios derramados à emissora, llobies mal-disfarçados e uma ou outra explosão de fúria e suspeita contra este ombudsman, profissionais e programas da TV Cultura.

Esse complexo conjunto de manifestações merece, sem dúvida, ter algum tipo de espaço e tratamento no site da emissora e nos próprios programas aos quais eles se referem. Os emails são, também, claro, uma fonte diária de inspiração e referência para este ombudsman. Incluindo, claro, as mensagens de telespectadores que discordam deste seu pretenso representante.

Já houve referências e transcrições integrais de emails de telespectadores e profissionais da TV Cultura aqui neste espaço. Mas publicar as mensagens de forma regular nesta página do ombudsman seria resolver um problema e criar outro. O ombudsman não é um editor de uma desejável coluna de cartas do telespectador como as que existem nos jornais impressos. Nem os ombudsmen da imprensa escrita o são.

Ao ombudsman cabe – usando sua experiência, as informações dos profissionais da emissora e a já citada inspiração das manifestações dos telespectadores, avaliar os conteúdos transmitidos pela emissora, levando em conta a relevância para o exercício da cidadania, a importância cultural e artística, a credibilidade e interesse público das informações, o equilíbrio e independência jornalística, o potencial de entretenimento, a utilidade comunitária e o virtuosismo técnico.

O que não quer dizer que se o email do telespectador for pertinente, interessante e relevante ele não será publicado.

Muito pelo contrário.

O programa do professor Setzer

A respeito da coluna ‘Suicídio na TV’, o diretor do Roda Viva, Marcelo Bairão, enviou uma mensagem que reproduzo na íntegra:

‘Ernesto: o programa Roda Viva sempre que convida um entrevistado o faz com o objetivo de que haja um debate sobre o tema ligado ao mesmo. Não temos como preocupação a concordância com o que pensa o convidado. O importante é que o tema debatido seja do interesse da sociedade e dos telespectadores do programa. E procuramos conduzir o Roda Viva como um programa pluralista e democrático, pelo qual já passaram figuras tão díspares como o general Newton Cruz e o líder comunista Luís Carlos Prestes, os economistas Roberto Campos e Maria da Conceição Tavares, Lula e FHC. Foi assim com a escolha do engenheiro eletrônico Waldemar Setzer, um crítico radical dos modernos meios de comunicação. Por isso mesmo, convidamos para entrevistá-lo pessoas que pudessem contestá-lo em suas teses radicais: o jornalista Caio Túlio Costa, do IG; a jornalista Beth Carmona, de larga experiência na TV Pública; o professor da Unicamp, José Armando Valente, especialista em educação através de meios eletrônicos e a neuropsicóloga infantil Ana Olmos. Finalmente, gostaria de ressaltar que em nenhum momento consideramos que esse programa seria uma ousadia editorial, muito menos imaginávamos que ele iria alcançar um de nossos melhores índices de audiência do ano. Nosso objetivo foi apenas o de estimular o debate.

Marcelo Bairão

Diretor

Roda Viva’

Marcelo Bairão não precisava lançar mão da importância histórica de entrevistados como Prestes, FHC, Lula, Roberto Campos o Maria da Conceição Tavares para nos lembrar a todos que o Roda Viva é um programa pluralista e democrático. Bastaria ele citar os 27 programas deste ano de 2008 que foram analisados por este ombudsman e cuja lista reproduzo abaixo (*) para todos confirmarmos que o Roda Viva tem sido fiel à vocação, à tradição e ao currículo que, bem antes da chegada deste ombudsman à emissora e antes também do início da gestão de seu atual diretor, o transformaram no mais importante programa de entrevistas da televisão brasileira.

É exatamente em nome desse patrimônio – e mais uma vez remetendo a uma comparação com os 27 entrevistados de 2008 citados no rodapé desta coluna – que reafirmo que a escolha de Waldemar Setzer destoou do nível rotineiro do Roda Viva e prestou um grande desserviço à discussão verdadeiramente rica, construtiva e esclarecedora sobre o poder e os limites dos meios eletrônicos de comunicação.

Cabe ainda observar que o apreço ao debate, apresentado por Marcelo Bairão como razão superior, única e incontestável para justificar a escolha dos entrevistados do Roda Viva – por mais pobres ou absurdas que tenham sido as posições do professor Setzer em relação ao pensamento da vasta maioria dos especialistas da comunicação – não se verifica, infelizmente, no plano interno da emissora. Afinal, desde o início de maio passado, a direção do programa ignora, completamente, não este eventual ocupante do cargo de ombudsman, mas a instituição que, por decisão do comando da emissora, tenta representar, desde então, o telespectador da TV Cultura.

Não houve, para ser exato, até a reação à coluna sobre o programa da semana passada, uma linha sequer de resposta de Marcelo Bairão às críticas, elogios, reparos e sugestões contidas nas exatas 7396 palavras escritas por este ombudsman, desde maio passado, sobre 27 edições que antecederam à do professor Stezer.

Se estamos finalmente deflagrando, internamente, o debate tão desejado por Marcelo Bairão, o professor Setzer terá dado, ainda que involuntariamente e apesar das idéias alopradas que apresentou, uma grande contribuição à melhoria da qualidade dos programas da TV Cultura.

(*) – Zuenir Ventura, Júlio Medaglia, Contardo Calligaris, Lia Luft, Miguel Jorge, Ivaldo Bertazzo, Miguel Sousa Tavares, Márcio Meira, Carlos Minc, Henrique Meirelles, José Miguel Wisnik, David Neeleman, Tom Stoppard, Caio Túlio Costa, Paul Krugman, Armênio Guedes, Ayann Hirsi Ali, Samantha Power, Maurren Maggi, Fernando Meirelles, Carlos Ghosn, Ilan Goldfajn, Alberto Carlos Almeida, Baltazar Garzon, Luiz Gonzaga Belluzzo, Ferran Adrià e Nicholas Stern.’