Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Folha de S. Paulo


POLÍTICA
Editorial


Vítima farsesca


‘O TRUQUE é velho, e sua repetição só indica o hábito petista de afetar ares de pureza em meio ao pragmatismo mais inescrupuloso. Em documento oficial, a Executiva Nacional do PT reeditou, quinta-feira, a tese de que há uma ‘guerra de extermínio’ contra o partido. Posteriormente, amenizou os termos. A promover tal ‘guerra’ estariam ‘amplos setores do empresariado, particularmente a mídia’.


Mídia, no jargão corrente, significa todo jornal ou empresa de comunicação que não defenda figuras notórias do partido.


Como, por exemplo, o ex-ministro José Dirceu, beneficiário de uma contribuição de R$ 620 mil pela assessoria prestada a um grupo com interesse na reativação da Telebrás. Ou como os mensaleiros denunciados por quem era então aliado do governo, o deputado Roberto Jefferson; ou ainda os ‘aloprados’ -termo que o presidente Lula foi o primeiro, aliás, a empregar- da campanha eleitoral de 2006. Como, também, aquele assessor de um deputado petista, que foi preso ao tentar embarcar num avião com cerca de U$ 100 mil dólares na cueca.


Aliás, se noticiar esse sistema de transportar dinheiro sonante fosse sinal de ‘guerra de extermínio’, seria agora o DEM, e não o PT, a principal vítima de uma suposta conspiração.


Mas nem mesmo os sequazes do governador Arruda arriscaram-se a ir tão longe no cinismo. É que a capacidade petista para a mentira tem origens diferentes, e mais antigas, do que a simples charamela lacrimosa dos espertalhões de voo curto.


Pois o PT, no clássico figurino stalinista, sempre pode dar uma interpretação ‘de classe’ às críticas que venha a merecer. Como o partido se julga o representante místico dos ‘trabalhadores’, o financiamento escuso que receba de empreiteiras, as alterações legais casuísticas que promova em favor de uma empresa de telecomunicação, não representarão escândalo jamais.


Ao contrário: aliar-se financeiramente a ‘setores do empresariado’ que vivem à sombra das benesses do governo, e aliar-se politicamente à escória do Legislativo brasileiro, torna-se um sinal de esperteza política na linha dos fins justificam os meios.


Autoabsolvido pelo venerável espírito hegeliano-marxista da História, o petismo pode fazer tudo o que condenava em seus adversários, e apresentar-se ainda assim como detentor das virtudes mais cristalinas.


Quem apontar a farsa será tachado de inimigo dos trabalhadores -e, na tese de uma imaginária ‘guerra de extermínio’, o PT mostra apenas a sua própria tentação totalitária.


Nessa lógica, que não admite críticas, faz-se de perseguido aquele que se apronta para perseguir; faz-se de vítima quem pretende ser algoz; faz-se de democrata o censor, de honesto o corrupto, de inocente o bandido. O PT perdeu a moral que tantas vezes ostentava quando na oposição. Perdeu a moral, mas não perde o autoritarismo, a mendacidade e a arrogância.’


 


HOLLYWOOD
Michael Cieply, NYT


Crise encolhe o cachê antecipado de astros do cinema


‘Os astros do cinema, que não muito tempo atrás disputavam salários de US$ 20 milhões ou até US$ 25 milhões por filme, viram seus pagamentos iniciais encolher nos últimos anos, devido à queda nas vendas de DVDs, aos tropeços de algumas grandes produções nas bilheterias e às medidas de cortes de custos cada vez mais firmes adotadas pelos estúdios.


A maioria das cerca de três dúzias de atores que receberam créditos como protagonistas nos dez títulos que disputam o Oscar de melhor filme hoje, entre os quais grandes sucessos de bilheteria como ‘Avatar’ e ‘Up – Altas Aventuras’, parecem ter recebido cachês comparativamente minúsculos.


Combinados, os salários estimados para todos os dez indicados ao prêmio de melhor ator e atriz representam valor apenas um pouco mais alto que os US$ 20 milhões que Julia Roberts embolsou por ‘Erin Brockovich, Uma Mulher de Coragem’, candidato a melhor filme em 2001, ou que o salário de Russell Crowe por ‘Mestre dos Mares’, indicado em 2004.


Peter Dekom, advogado especializado em cinema que coescreveu um livro sobre as tendências futuras de Hollywood, atribui a desvalorização geral dos astros de cinema à falta de interesse dos espectadores mais jovens por eles.


‘Astros não importam muito para a turma que se interessa acima de tudo pela próxima onda’, teoriza Dekom.


‘Eles atraem mais uma audiência acima dos 30 anos, que reduziu suas idas ao cinema devido à crise econômica.’


Os salários e os termos de contrato específicos são notoriamente difíceis de descobrir.


O filme ‘Amor sem Escalas’, estrelado por George Clooney, foi realizado por cerca de US$ 25 milhões. Isso só foi possível porque Clooney, de acordo com pessoas familiarizadas com os aspectos financeiros da produção, mas que pediram que seus nomes não fossem mencionados, aceitou um cachê inicial de cerca de 10% dos US$ 20 milhões que Leonardo DiCaprio, ator frequentemente indicado ao Oscar, vinha recebendo por filme no passado recente.


Houve tempo em que os maiores astros eram recompensados com contratos que lhes propiciavam porcentagem sobre a receita bruta de um filme, antes mesmo que o estúdio envolvido recuperasse o dinheiro investido na produção.


Agora, os estúdios muitas vezes insistem para que os astros abram mão de pagamentos em troca de uma porcentagem dos lucros, paga depois.


A forma de contrato preferida hoje em dia leva o apelido ‘CB zero’ e se refere a um arranjo pelo qual o astro ou o diretor começam a receber participação nos lucros assim que o estúdio recupera seus custos de produção.


Contratos lucrativos


Contratos como esse podem ser imensamente lucrativos, caso ofereçam aos astros uma parcela substancial nas receitas de venda de DVDs.


Por isso, Sandra Bullock, que reduziu seu cachê habitual de US$ 10 milhões à metade para fazer ‘Um Sonho Possível’, outro dos indicados deste ano, vai lucrar US$ 20 milhões ou mais com a produção, devido ao sucesso conquistado.


Clooney também deve faturar alguns milhões adicionais quando a receita final de ‘Amor sem Escalas’ for calculada.


Raros astros, e em raras circunstâncias, continuam a conseguir contratos como os vigentes cinco anos atrás.


Na lista de indicados ao Oscar de melhor filme deste ano, o astro que parece ter conquistado o maior cachê é Brad Pitt, por sua participação em ‘Bastardos Inglórios’.


Pessoas informadas sobre a estrutura financeira da produção afirmam que ele levou US$ 10 milhões em cachê e que pode faturar ainda mais com sua participação nos lucros.


Mas os coastros de Pitt e os astros de filmes impressionantes como ‘Guerra ao Terror’, que emergiu como o maior favorito ao Oscar, muitas vezes trabalharam por remuneração bem próxima do piso sindical.


Em geral, os cachês mínimos estipulados sob o contrato coletivo entre o Screen Actors Guild e os estúdios são da ordem de US$ 65 mil para um ator que protagonize um longa-metragem. Pagamentos adicionais por horas extras são negociáveis. O estúdio precisa cobrir os custos de alimentação do ator e lhe propiciar repouso.


Os cachês de alguns dos atores de ‘Distrito 9’, ‘Um Homem Sério’ e ‘Educação’ eram equivalentes ao piso sindical. Já ‘Avatar’, um filme de orçamento imenso, parece ter reservado seu maior cachê a Sigourney Weaver, embora seja praticamente seguro que ela tenha embolsado apenas uma fração dos US$ 11 milhões que teria recebido por ‘Alien: A Ressurreição’, de 1997.


‘Todo ator tem medo de ficar sem trabalho’, disse o ator Sam Worthington, de ‘Avatar’, em entrevista ao jornal ‘Herald Sun’, da Austrália, em janeiro.


Ele continuou a trabalhar regularmente, em projetos que serão lançados em breve como ‘Fúria de Titãs’ e ‘The Texas Killing Fields’. ‘Isso é melhor que ficar sentado esperando que o telefone toque; melhor trabalhar, porque tenho contas a pagar’, disse.


‘Recebi o pagamento padrão pelas sessões’, afirmou Ed Asner, o veterano ator que emprestou sua voz ao idoso aventureiro Carl Fredricksen em ‘Up – Altas Aventuras’, um dos candidatos ao Oscar de melhor filme.


Tipicamente, as oito ou dez sessões requeridas de um ator para um papel em filme de animação valem cachê da ordem de US$ 50 mil, mas apenas se o ator negociar uma garantia que eleve seu pagamento com relação ao piso sindical, que só atinge um terço desse valor.


Ainda assim, Asner diz que terminou recebendo muito mais, porque a divisão Pixar da Disney, a produtora do filme, reforçou seu pequeno cachê inicial com bonificações relacionadas ao sucesso da produção, que faturou mais de US$ 723 milhões nas bilheterias. ‘Quando o filme se sai bem, você se sai bem’, concluiu Asner.


Tradução de Paulo Migliacci’


 


TELEVISÃO
Andréia Michael


Estrelas ‘culpadas’ fazem os bastidores da televisão


‘‘Nosso desafio, como diz Clarice Lispector, é conseguir viver cada coisa de uma vez, mas todas de uma só vez, sem sentir culpa.’ Assim, Cristianne Fridman, 48, autora de tramas como ‘Chamas da Vida’ (2009), na Record, define um drama comum às mulheres.


Em carreiras e histórias diferentes, essa foi uma dificuldade enfrentada também por Leonor, Emilia, Mônica e Fernanda, que não estão no vídeo, mas dão vida à televisão.


‘Por uma herança cultural e religiosa, a mulher já nasce com uma culpa histórica e com o chip da ansiedade’, diagnostica Leonor Corrêa, 47, diretora do programa ‘Eliana’, no SBT. Ao menos uma vez, ela conheceu o preconceito: ao assumir um cargo de chefia. ‘Ainda bem que tive oportunidade de mudar de emprego.’


A culpa foi uma das maiores dificuldades nos 14 anos de Globo da figurinista Emilia Duncan, 51. ‘Minhas filhas cresceram quando eu estava consolidando a carreira, sobrava menos tempo para a família.


Essa é uma equação que minha geração não resolveu’, diz a profissional, responsável pelo figurino da premiada ‘Caminho das Índias’ (2009).


Mas se o sentimento de culpa nasce da necessidade de se dividir, esta também gera forças.


Para Fernanda Ortiz, 36, diretora do ‘Dia Dia’ e do ‘VídeoNews’ vespertino, na Band, a maternidade ajudou. ‘Hoje, vejo o mundo por outro prisma.


Penso como mãe, o que enriqueceu o modo como faço TV.’


Filosofia similar orienta Mônica Pimentel, 44, superintendente artística da Rede TV!, que se considera ‘sortuda’ porque suas duas grandes promoções coincidiram com a volta das licenças-maternidade. ‘Nenhum sucesso profissional compensa o fracasso pessoal, por isso é importante correr atrás de realização em todas as áreas da vida’, afirma.


IMPRENSA MARROM


‘Minha função é tornar o escândalo possível. Esqueça moral e bom gosto.’ Eis Alberta, editora da revista ‘A Vida Alheia’, personagem de Claudia Jimenez na série homônima da Globo que estreia em breve. No texto de Miguel Falabella, ela choca a dona da revista, Catarina (Marília Pêra), mas não a repórter Manuela (Danielle Winits), que a admira. ‘Vamos contar com humor histórias da imprensa marrom.’ Exemplo: ‘Descobrimos que a mulher de um banqueiro engravidou de um galã. Com um anúncio, vira ‘banqueiro mostra sua casa’.’


DANÇA GATINHO


É só acontecer um beijo no quadro ‘Vai Dar Namoro’ para começar um dos momentos mais famosos do ‘Melhor do Brasil’ (Record): as cômicas danças de Rodrigo Faro, que completam seis meses neste final de semana. Quando o DJ toca o bordão ‘Dança gatinho’, que anuncia as ‘apresentações’, a média de audiência salta dos nove para 15 pontos (900 mil domicílios na Grande SP). Um hit, Beyoncé (foto), virou febre no YouTube. ‘No blog, há 39 mil sugestões na fila. Uma das mais pedidas é a Lady Gaga’, diz. Ideias não vão faltar.


com Clarice Cardoso’


 


Laura Mattos


Polícia de SP volta a atirar na Fox


‘‘Dona Sueli, seu marido foi encontrado morto usando uma calcinha vermelha…’ A viúva se assusta e chora. Tem ainda de ouvir do investigador a estranha notícia mais seis vezes, sempre chorando, até o diretor dizer: ‘Para mim está OK’.


O complexo de estúdios na Barra Funda (zona oeste de São Paulo) não tem ar-condicionado, e os ventiladores são desligados durante as filmagens para não interferir no som.


A cidade estava um forno há 15 dias, quando a Folha acompanhou a gravação de um dos sete novos episódios da série ‘9 MM: São Paulo’, primeira produção brasileira do canal Fox.


E o realismo do suor em cena pode entrar na lista das ‘vantagens’ que o diretor e produtor da série, Roberto D’Avila, menciona, bem-humorado, de ‘filmar com baixo orçamento’.


Afinal, não deve ser agradável a temperatura de um porão destinado ao trabalho de investigadores do departamento de homicídios da polícia civil de São Paulo, retratados na série.


A primeira temporada, exibida entre 2008 e 2009 no Brasil, elevou a Fox do décimo para o quinto lugar no ranking de audiência da TV paga no país. Foi ao ar também na América Latina, no Japão, em Portugal e agora chega a países da África. A produção da série só foi possível graças a uma lei de incentivo fiscal a canais estrangeiros que investem em produção nacional independente.


A produtora de ‘9 MM’ é a brasileira Moonshot Pictures, com criação de Roberto D’Avila, Newton Cannito e Carlos Amorim, autor do livro ‘CV PCC – A Irmandade do Crime’.


Para os 13 primeiros episódios, a Ancine (Agência Nacional de Cinema) liberou o uso de R$ 4,1 milhões. O valor, somado a um investimento direto da Fox de pouco mais de R$ 550 mil, foi o único recurso da obra.


São cerca de R$ 384 mil para cada um dos capítulos, de 45 minutos de duração -como comparação, cada um dos episódios da série ‘A Lei e o Crime’, da Record, custou R$ 500 mil, e os de ‘Capitu’, da Globo, R$ 1 milhão, ambas produzidas pelas emissoras, sem incentivo.


Emiliano Saccone, vice-presidente sênior de conteúdo global da Fox International, elogia o fato de o Brasil ser um dos únicos países da América Latina com incentivos governamentais à produção independente. ‘Com certeza, se fosse na Colômbia, por exemplo, custaria muito mais. Além disso, o Brasil tem uma qualidade técnica impressionante.’


Foco na sandália


Os sete episódios da nova temporada, cujas filmagens terminam nesta semana e têm estreia prevista para o segundo semestre, terão orçamento maior, de R$ 514 mil cada um.


No calor do estúdio, Roberto D’Avila grita para o operador de câmera: ‘Pode fazer uns enquadramentos estranhos à vontade’. Ora o foco está na sandália da dona Sueli, a viúva do morto com a calcinha vermelha, ora o pé da cadeira fica em primeiro plano, com o distintivo na cintura do investigador ao fundo.


‘Fugimos de regras clássicas da narrativa. A ideia é causar estranhamento no telespectador’, diz D’Avila, após orientar a atriz Francine Missaka, a dona Sueli, a conter um pouco o choro ao saber da calcinha.


Colaborou Lúcia Valentim Rodrigues, da Reportagem Local’


 


Plano é mostrar outras polícias, como série ‘CSI’


‘Não é à toa que o nome da série é ‘9 MM: São Paulo’. 9 MM é o calibre de uma arma, e Roberto D’Avila, criador, diretor e produtor, admite à Folha o plano de seguir a escola ‘CSI’.


O seriado norte-americano, após retratar o cotidiano da polícia científica de Las Vegas, produziu as versões ‘CSI: Miami’ e ‘CSI: Nova York’, sobre os departamentos policiais dessas outras duas cidades.


D’Avila conta estar em contato com um produtor de Angola, interessado em produzir ‘9 MM’ no país africano.


‘CSI’ e outras séries policiais norte-americanas, aliás, foram minuciosamente estudadas pelos roteiristas de ‘9 MM’, de acordo com D’Avila.


‘Nós somos muito fãs de séries’, conta. ‘Estudamos a estrutura dramática, o roteiro, como a história central é contada e como cada uma das paralelas vão se sobrepondo umas às outras’, afirma.


Seguindo a ‘cartilha’ das séries dos Estados Unidos, cada um dos episódios de ‘9 MM’ tem entre 17 e 18 histórias.


Entre elas, está o crime principal -no caso do episódio acompanhado pela Folha, foi o do japonês encontrado morto com uma calcinha vermelha.


Normalmente, esse assassinato é solucionado no mesmo capítulo, fazendo com que o público possa assistir a um episódio sem ter visto os outros.


O que acompanha todos os capítulos é a história pessoal de cada um dos policiais principais. ‘Esse é o nosso foco principal, mostrar esse funcionário público não através de um escaninho ou de um balcão, buscar uma visão humanizada e sem estereótipo dos policiais. O crime e a ação também são importantes, mas o personagem é mais’, afirma D’Avila.


Elenco


O elenco, formado por atores garimpados no teatro e pouco conhecidos na televisão, é um dos pontos fortes da série.


A segunda temporada será focada principalmente na trajetória do mais interessante personagem, o investigador Horácio. A elogiada interpretação é do ator Norival Rizzo, que na televisão atuou em infantis da Cultura e na novelinha da Band ‘Dance, Dance, Dance’.


Os outros protagonistas de ‘9 MM’ são os investigadores Tavares (Marcos Cesana), Luisa (Clarissa Kiste), 3P (Nicolas Trevijano) e o delegado Eduardo (Luciano Quirino).’


 


Lúcia Valentim Rodrigues


Jerry Seinfeld e Ricky Gervais mostram novas produções


‘Jerry Seinfeld está de volta. ‘Bronzeado, descansado, pronto’, diz o âncora Tom Papa, durante a introdução de ‘The Marriage Ref’ (algo como o juiz do casamento), que estreou na NBC no domingo passado.


Após ‘Seinfeld’, que terminou há 12 anos, o comediante de 56 anos não tinha feito mais nada para a TV -afora algumas participações eventuais. Esta é sua nova grande aposta.


O programa se propõe a ser um ‘reality show cômico’, em que três ‘conselheiros’ são convidados para ajudar a resolver um impasse de um longevo e bem-sucedido casal. ‘Vamos proporcionar o que eles sempre quiseram: um vencedor da briga’, anuncia Papa, que detém a palavra final da questão.


E brinca: ‘É um sistema perfeito? Nem perto disso, mas pelo menos a discussão acaba, e alguém ganha um prêmio’. A intenção não é solucionar as brigas, mas fazer do debate dos casos algo engraçado.


No primeiro episódio, a bancada foi formada pelo ator Alec Baldwin (‘30 Rock’), Jerry Seinfeld, que também assina a produção-executiva, e a apresentadora e atriz Kelly Ripa.


Eles discutiram -ou melhor, zombaram- sobre dois problemas conjugais. Casados há 14 anos, Kevin e Danielle divergem sobre o que fazer com o amado cachorro do marido, morto recentemente e empalhado em seguida.


No outro tema da noite, Greg e Dianah se conheceram há nove anos, quando ela dançou em cima da mesa dele num bar. Hoje, ele quer colocar um mastro de striptease na sala. Ao que ela responde: ‘Nem pensar!’.


A controvérsia vai, então, ser julgada pelos ‘especialistas’. Obviamente, não levam o tema a sério, criticam as escolhas dos casais e são politicamente incorretos. O clima é de comédia stand-up, com o público presente se manifestando.


O problema é que muitas vezes parece que eles estão se divertindo mais fazendo do que quem está assistindo a série.


Exibido após o final dos Jogos de Inverno de Vancouver, teve uma boa audiência, de 14,5 milhões de pessoas (ainda não há previsão para o Brasil).


Mas a crítica teve reações diversas, entre detestar o seriado e se interessar pelo que está por vir. É que ao final do programa foi apresentado um aperitivo com futuros convidados. Integram a lista Madonna, Larry David (‘Seinfeld’, ‘Segura a Onda’), Tina Fey (‘30 Rock’) e Eva Longoria (‘Desperate Housewives’). É um ‘dream team’ da terapia de casais.


Desenho animado


Completando a lista de jurados está Ricky Gervais, que também lançou uma série nos EUA, no último dia 19. O criador de ‘The Office’ montou uma animação a partir do podcast que fazia para o site do jornal inglês ‘Guardian’.


Ele se transforma em personagem de desenho animado e entra no estúdio com seu codiretor Stephen Merchant e o produtor Karl Pilkington para debater temas ridículos (os aviões foram uma invenção inútil, assim como o iPod).


Pilkington, aliás, funciona como saco de pancadas. Não aleatoriamente. O produtor é mestre em falar essas besteiras sem pé nem cabeça. Seus amigos tiram sarro e interrompem suas histórias a todo momento.


Pode-se ver trechos em www.rickygervais.com/hboanimation.php e a estreia está marcada para 23 de abril no Reino Unido. Ainda não foi anunciada sua vinda ao Brasil, mas Miguel Oliva, vice-presidente de relações públicas da HBO Latin America, disse que o padrão é só anunciar uma novidade com três meses de antecedência. Como a série de Gervais acabou de estrear nos EUA, ainda está distante a possibilidade de entrar aqui.’


 


Rafael Cariello


Programas, no fundo, são aparentados


‘Todo verão, de uns anos para cá, tem sido assim.


Enquanto os participantes do ‘Big Brother Brasil’ (classificação: 14 anos) invadem com seus gritos estridentes a programação noturna da TV Globo, a simpática ‘A Grande Família’ (livre) faz as malas, embarca no seu Monza 89 e tira alguns meses de férias.


Os dois programas parecem de fato irreconciliáveis, fenômenos opostos de um mesmo momento vivido pelo país.


Há bastante da tão falada classe C no clã de Lineu Silva e seus agregados. Naquele subúrbio utópico do Rio de Janeiro vive o que até recentemente se chamava de classe média baixa -ou ‘remediada’.


O apelo do programa, no entanto, não mora apenas aí. Se é verdade que tem aumentado bastante a fatia da população que pode ser imediatamente identificada com aquela condição de vida -casas simples, carros antigos, algum dinheiro extra que pode ser despendido em diversões baratas -, também é fato que falta ao seriado um traço fundamental da ascensão da nova classe média.


Quase não há consumo e ostentação em seus episódios. A competição desenfreada por status, que sempre marcou a sociedade brasileira e se alastrou para os estratos mais pobres da população, está ausente dos dramas da família.


Não deixa de ser um descanso -e vem daí, acredito, boa parte da sua simpatia e apelo. É isso que causa prazer e conforto ao nos identificarmos com as agruras domésticas da família. Fica fora desse universo a agonia cotidiana de se encaixar em padrões de consumo e sucesso profissional. Ali, o automóvel velho e bem cuidado tem seu valor, é quase um símbolo de dignidade, bem como as roupas de décadas passadas do taxista Agostinho (Pedro Cardoso).


Competição, é claro, é o que não falta ao ‘Big Brother Brasil’. Tampouco estão ausentes os carros de último tipo, a enumeração de marcas e produtos, o merchandising onipresente -que conta com o apoio voluntário dos participantes, ansiosos por mostrar sua integração ao mundo do consumo.


O seu apelo, embora inverso, não deixa de ser similar àquele proporcionado por ‘A Grande Família’. Aqui também temos uma folga da disputa cotidiana por status, da competição desenfreada. Não por ela estar ausente da trama, mas justamente por podermos delegá-la àqueles pobres sujeitos e apenas observá-los, terceirizando a angústia da obrigação de vencer, a todo custo.


Pelo menos por algumas horas, ao fim de mais um dia de trabalho.’


 


PUBLICIDADE
Renato Janine Ribeiro


A devassa da devassa


‘Provei a cerveja Devassa num dia no aeroporto. Mas, quando vi na TV sua propaganda com uma norte-americana rica que deve a fama a um vídeo pornô que circulou na internet, achei de mau gosto e perdi a simpatia pela bebida. Ponto. Agora, quando o Conar retirou a propaganda do ar, vale a pena discutir um pouco o assunto.


O Conar é um órgão privado -Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Quando alguém fala em regular os excessos da televisão, a mídia costuma citar o Conar como exemplo de como fazê-lo sem o Estado intervir. Quando se para de falar em regulação social, esquece-se o Conar. De todo modo, ele nada tem a ver com o governo.


Numa pesquisa de 2000 que publiquei em meu livro ‘O Afeto Autoritário’ (ed. Ateliê), analisei os julgamentos do Conar que encontrei. Notei uma certa contradição. Quando o Conselho de Enfermagem reclamou de quatro propagandas mostrando enfermeiras como mulheres fáceis, o Conar concordou e as publicidades sumiram.


Já quando psicólogos reclamaram duas vezes porque sua profissão era ridicularizada, o Conar disse que as propagandas eram, só, engraçadas. Em suma, onde para uns há humor, para outros há preconceito; mas a linha de corte depende, muito, do grau de mobilização dos que se sentem ofendidos.


A questão do humor ou do preconceito é ponto em que a publicidade converge com uma preferência dos jornalistas que tratam de entretenimento e variedades: segundo eles, o politicamente correto se distinguiria pela falta de humor. O elogio-padrão a uma peça de teatro engraçada diz que ela é ‘politicamente incorreta’.


‘Politicamente correto’ é um termo pejorativo, usado para criticar a preocupação, nascida nos EUA, de movimentos sociais com expressões que depreciam grupos historicamente perseguidos. Por exemplo, os verbos denegrir e judiar vêm do preconceito contra negros e judeus -embora ninguém pense nisso hoje, quando os usa.


Piada de português


É difícil, mas necessário, separar o que é justo, para combater um preconceito de largas raízes históricas, e o que é excesso de algumas pessoas que levam, com boa-fé ou mesmo sem ela, longe demais a suscetibilidade. Denegrir, judiar, humor negro não me parecem exprimir, hoje, preconceito. Tampouco vejo problema em piadas de loira, de português, de papagaio e do Juquinha. Já afirmar que ‘o asfalto é o preto de quem todo mundo gosta’, como disse um ministro dos Transportes em 1997, é grave.


E o é justamente porque o ministro o disse sem maldade: mostra que em nossos costumes há brincadeiras preconceituosas que rotulam negativamente grupos discriminados. Sem o ‘politicamente correto’, isso passaria batido.


A propaganda da Devassa recorda que, na TV brasileira, a publicidade de cerveja a alia a mulheres gostosas. Lembro uma publicidade que fazia um corpo feminino tornar-se garrafa de cerveja. Mulheres são convertidas em coisa, em objeto de consumo? São, sim. Aparecer em propaganda de cerveja é coisa de gostosa. Recentemente, [o colunista da Folha] José Simão foi proibido de dizer que uma atriz era devassa (porque a personagem dela, não ela como pessoa, tinha um ‘bar da Boa’).


Se Hilton aceita aparecer como devassa -mesmo acreditando que a palavra quer dizer apenas ‘sexy’, como sua equipe declarou à Folha-, talvez seja uma resposta ao ‘affair’ Simão: ela aceita fundir sua pessoa com sua personagem. Quem gosta de cerveja gosta de gostosa, portanto, cerveja é gostosa, talvez devassa.


Mas, se não há diferença entre a mulher-garrafa e a ‘devassa’, por que saiu do ar esta última propaganda? O Conar pode ter mudado sua percepção das sensibilidades sociais. A redução da mulher a objeto se teria tornado intolerável. Se o Conar deu razão às enfermeiras, mas não aos psicólogos, é porque atua sob pressão -o que é outro modo de dizer que é atento à sensibilidade social.


Pois, se um indivíduo é injustiçado e só consegue justiça fazendo pressão, isso é errado. Mas, se um grupo maior se sente injustiçado e só obtém o que deseja pressionando, isso pode ser positivo. Nas relações macrossociais, justiça não se dá, não se recebe passivamente, mas se constrói. Por isso, se as mulheres recusam o papel de objeto, a decisão do Conar pode ser uma conquista delas.


Contudo, para várias mulheres, tornar-se objeto não é redução, mas aumento, de poder.


‘Playboy’ e ‘Big Brother’


É o que leva algumas ao ‘Big Brother Brasil’. Nos anos 90, a revista ‘Playboy’ colhia suas capas nas novelas da Globo.


Hoje, seu maior estoque é o ‘BBB’. Há décadas, a mulher que posava para calendários de borracharia saía mal na reputação. Mas, hoje, na mídia, é ela, como objeto de desejo, que controla o sujeito desejante.


O jogo ficou mais complexo. O sujeito não manda, necessariamente, no objeto. Há mulheres que extraem poder de uma condição de objeto habilmente constituída. Madonna explicitou isso com seus clipes, com seu livro ‘Sex’. O problema é que essa não é uma verdade universal nem majoritária. A mulher atacada sexualmente na rua não controla nada, não tem poder, é vítima de uma violência inadmissível.


Mas um número menor de mulheres -que consegue ser protagonista do que [o filósofo] Walter Benjamin chamava a reprodução mecânica e que hoje chamaríamos a imagem na mídia- ganha dinheiro, fama, poder com isso.


O problema é que há mais estupros do que capas de ‘Playboy’, de modo que o poder e a riqueza de algumas não apagam o abuso sobre muitas. Finalmente: quando a mídia defende o direito (da cervejaria? da socialite? do espectador voyeur?) à propaganda com Paris Hilton, vivemos um fenômeno de desgaste: durante milênios o erotismo esteve no jogo entre o que se vê e o que apenas se adivinha. Mostrar dependia de esconder. Um autor árabe fala do erotismo que emana de um corpo velado: ele se faz imaginar pelo som das joias se chocando, pelo perfume, pelo movimento do corpo andando. Erotismo é imaginação.


Ora, como ficam as coisas quando o corpo se desnuda tanto? Não se trata apenas de transformar a mulher em objeto. Pois muda o registro sensual do corpo. Seria errado achar que as mulheres despidas suscitam menor desejo do que as imaginadas. Nossa sociedade se sexualizou intensamente, com a mostra ilimitada dos corpos objetos.


Falta de imaginação


Não creio que isso vá embotar o desejo, embora digam alguns que é de sua natureza buscar o difícil e desdenhar o fácil. Mas o certo é que, entre o desejo e a realização, o prazo diminuiu. Imaginação exige tempo, demora, frustração, desvio. Corpos se oferecem, se tomam, como cervejas, mas parece que, se aumentou o acesso físico ao corpo alheio, reduziu-se a capacidade de imaginar. Sexo, talvez, sem erotismo.


RENATO JANINE RIBEIRO é professor titular de ética e filosofia política na USP. O título deste texto é uma homenagem do autor, totalmente fora de contexto, ao belo livro de Kenneth Maxwell sobre a Inconfidência Mineira (Paz e Terra).’


 


Lucia Santaella


Tiro pela culatra


‘O que a publicidade visa é, sobretudo, vender produtos. Ninguém duvida disso. Para cumprir seus propósitos, faz uso de estratégias e até mesmo de artimanhas, algumas explícitas, outras bastante sutis. Quanto mais sutis, mais poder de penetração elas alcançam até o cerne emocional do consumidor.


Um país como o Brasil -em que sentimentos e emoções contam bem mais do que a racionalidade bem-comportada- se constitui em solo propício à fertilização do discurso publicitário.


Além da pragmática do consumo, há um outro aspecto da publicidade que, apesar de sua relevância, não costuma ser lembrado. A publicidade funciona como um termômetro que marca a temperatura dos valores culturais. Sem a sugestão, o apelo e o empréstimo de valores que estão impregnados na cultura de um povo, o discurso publicitário seria como carne sem tempero.


O recente alvoroço provocado pela campanha da cerveja Devassa Bem Loura, da Schincariol, produzida pela agência Mood, é um exemplo flagrante para pensar o enraizamento da publicidade na cultura.


De 2000 a 2004, coordenei a parte brasileira de uma pesquisa cultural comparativa entre Brasil e Alemanha (financiada pelo acordo Capes-DAAD). O projeto envolveu a vinda de pesquisadores alemães ao Brasil para analisar nossas mídias e vice-versa.


O que ele teve de mais interessante foi a revelação de que o olhar do outro nos alerta para aspectos de nossa própria cultura que nos passam despercebidos. Uma das mídias analisadas foi a publicidade (ver ‘Palavra e Imagem nas Mídias’, org. L. Santaella e W. Nöth, 2008, ed. UFPA).


O que imediatamente provocou espanto nos pesquisadores alemães foram as publicidades de cerveja com gigantescas mulheres seminuas, em poses cheias de malícia, ocupando de 20 a 30 metros dos perfis de prédios espalhados por pontos nevrálgicos da cidade de São Paulo.


Na Alemanha, em sintonia com o gosto minimalista de seu design, as publicidades colocam ênfase na origem natural de seus ingredientes ou no prazer socializador da bebida, o de beber junto com amigos. Não por acaso, o sobretexto sexual da publicidade no Brasil intrigou os alemães.


Moral da estória: nossa aliança entre cerveja, mulheres e sexualidade (ou sensualidade, para fazer uso de um eufemismo) já é velha e não espanta mais nenhum brasileiro.


A sensualidade, a beleza e a juventude são valores para a cultura deste país. E ponto. Já dizia Vinicius de Moraes: ‘… que me desculpem, mas a beleza é fundamental’.


Vestido de tubinho


O que levaria, então, o Conar a resolver se autorregular somente agora? O nome ‘devassa’, para quem conhece o léxico, de fato, convida à devassidão. Qual? A de beber ou a de transar? A estrela escolhida para brilhar na devassa geral é nada menos que Paris Hilton, o emblema magno do despudor exibicionista.


Comparado com esse texto cultural de caráter global, é até tímido o vídeo com as poses esforçadamente sensuais da estrela. Qualquer mocinha classe média escolheria um tubinho negro, curto e justinho para causar um pequeno frisson em festinhas de final de semana.


Se comparada à exuberância curvilínea de muitas de nossas atrizes nacionalmente globais, a loirice da Hilton e suas formas nada redondas parecem aguadas. Como poderia uma jovem quase anoréxica competir, em pleno Carnaval, com o estonteante e quase desconcertante esplendor da beleza das rainhas das baterias da Sapucaí?


O tiro do Conar, como todo tiro moralista, saiu pela culatra. Uma campanha que, não obstante seus programados milhões, tinha tudo para simplesmente cair na saturada corrente midiática, virou notícia, justo aquilo de que a própria mídia precisa para se autoalimentar.


Pipocam matérias pelos jornais, o assunto entrou no rol dos tópicos mais quentes do Twitter, o vídeo recebeu no YouTube visitantes muito mais atentos do que os distraídos espectadores da TV.


Enfim, a devassa veio à tona, driblando a acelerada mutação dos interesses humanos enquanto o mundo gira. Além disso, às vésperas do Dia Internacional da Mulher [amanhã], é preciso lembrar que o respeito às mulheres e aos méritos -que vão além da superfície de suas curvas e recheios- não é algo que se incorpora na cultura por meio de decretos, censuras nem por seu oposto -as festividades-, mas pela educação e, acima de tudo, pelo apreço à dignidade que deve brotar da força íntima e das ações das próprias mulheres.


Homens machistas só vicejam onde mulheres ainda não cresceram diante de si mesmas e para o outro.


LUCIA SANTAELLA é professora da Pontifícia Universidade Católica (SP) e autora de ‘Linguagens Líquidas na Era da Mobilidade’ (Paulus).’


 


Caso deu no ‘New York Times’


‘A decisão do Conar em suspender peças da campanha da cerveja Devassa Bem Loura, estrelada pela socialite norte-americana Paris Hilton, ganhou repercussão internacional, sendo notícia no ‘New York Times’. A peça veiculada na TV já teve mais de 600 mil acessos no YouTube.


A liminar de suspensão, emitida em 26/2, se baseou em denúncias da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que considerou a campanha ‘sexista e desrespeitosa’, e também de consumidores. O processo no Conar será julgado no final do mês.


Porém, a campanha, lançada durante o Carnaval, já voltou ao ar reformulada. Ela atenua a presença de Hilton -que, na peça original para a TV, surge com um vestido preto curto, dançando e sendo fotografada por um voyeur.


No novo filme, aparece apenas seu rosto e uma tarja cobre os seios da imagem feminina na logomarca da cerveja.’


 


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