Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Il Manifesto se posiciona sobre o rapto de Giuliana Sgrena

Giuliana Sgrena, correspondente do jornal Il Manifesto no Iraque, foi seqüestrada por oito homens armados no dia 4 de fevereiro, no bairro de al-Jadhriah, em Bagdá. Desde então, nós, do Il Manifesto, não sabemos de nada com muita certeza. Ela está nas mãos da Jihad islâmica? Nas mãos de um dos tantos bandos de criminosos comuns que seqüestram para obter um resgate? Ou nas mãos dos que seqüestram e depois vendem os seus cativos aos grupos mais ativos politicamente? Há algum fundamento na hipótese aparentemente maluca (mas não de se excluir a priori no momento em que o embaixador dos EUA em Bagdá é John Negroponte, o homem do Iran-Contras quando era chefe da embaixada americana em Tegucigalpa, na metade dos anos 1980) de uma provocação contra uma jornalista e um jornal de esquerda, de oposição ao governo fantoche de Allawi ou de certos serviços de inteligência?

Desde o dia 4, apareceram quatro mensagens em alguns sites islâmicos, todas consideradas de pouca confiança por peritos. A primeira, no mesmo dia do seqüestro, confirmava o rapto e dava um ultimato; a segunda, no domingo (6), na qual se lia que Giuliana estava “sob processo, como espiã”; a terceira, na segunda-feira (7), na qual se dizia que o interrogatório tinha “categoricamente” excluído a hipótese de que ela fosse uma espiã e que anunciava a libertação dentro de alguns dias; e o último (até o momento), na terça (8), contradizendo o anterior e afirmando que “a sentença de Deus havia sido seguida”. A primeira mensagem tinha a assinatura da “Organização pela Jihad islâmica da Mesopotâmia”, e a quarta, da “Brigada dos Mujaheddin”. Além de se referirem à Giuliana, as mensagens continham acusações contra “o criminoso” primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, exigindo a retirada imediata de 3.000 soldados enviados ao Iraque a pedido de George W. Bush em apoio aos seus marines.

Nós, aqui no Il Manifesto, recebemos com muita prudência todos esses comunicados. Seja aquele anunciando a libertação, seja o que anunciava a execução da sentença. Vamos aguardar. Como demonstram os casos anteriores de seqüestro, inclusive quando terminaram bem, o tempo para a solução dos casos geralmente foi longo. Para não falar também da jornalista francesa Florence Aubenas, do Libération, de quem não há mais notícia desde 5 de janeiro, sem comunicados, sem reivindicações, sem pedidos de resgate.

Disseminação da barbárie

O que nos faz esperar uma conclusão feliz do seqüestro de Giuliana é a grande mobilização que ocorreu de repente, em todos os níveis: nossa, do jornal no qual Sgrena trabalha desde 1988; dos diversos setores sociais da esquerda e pacifistas que já protestaram em praça pública em 2003 – até agora, inutilmente – contra a guerra no Iraque; e até mesmo do governo Berlusconi, declaradamente de direita e filo-americano, mas muito preocupado com um eventual epílogo trágico deste seqüestro, que poderia reforçar os protestos contra a guerra e contra um “pós-guerra” que mostra um país fora de controle e imerso em uma convulsão cada vez mais sanguinolenta (não obstante a “democratização” depois das eleições de 30 de janeiro), e que terminaria por dar mais força à reivindicação – seja da opinião pública, seja da oposição parlamentar – pela retirada do contingente militar italiano do Iraque (como fez Espanha de Zapatero).

A opinião pública italiana está mobilizada: partidos, autoridades locais, sindicatos, intelectuais, povo, o movimento pacifista e antiglobalização oriundo de Porto Alegre. E está mobilizada a imprensa, escrita, televisiva (com alguma miserável exceção), e também a imprensa (pseudo) independente e aquela ideologicamente distante das posições do nosso jornal.

Nós, do Il Manifesto, procuramos imediatamente ativar também a nossa rede de contatos, seja no mundo árabe-islâmico, seja, em particular, no Iraque. Na primeira guerra do Golfo, em 1991, o jornalista do Il Manifesto Stefano Chiarini foi praticamente o único, junto com o famoso Peter Arnett da CNN, a cobrir o conflito, permanecendo sob as bombas de Bagdá por todo o tempo, e a revelar os verdadeiros objetivos que se moviam pela “libertação do Kuwait” – na verdade uma fachada para as ambições (petrolíferas) de George Bush pai.

Stefano Chiarini estava em Bagdá também no dia das eleições de 30 de janeiro passado, junto com Giuliana. Ele retornava a Roma exatamente no dia em que ela foi seqüestrada e, avisado em Amman do seqüestro, voltou imediatamente para a capital iraquiana, onde ativou os seus contatos para fazer às vezes de um terminal de comunicação na operação em curso para a libertação da nossa companheira, mais do que para desenvolver o seu trabalho jornalístico normal.

A pergunta que nós nos fazemos e que temos ouvido ser feita, maliciosamente, nos ambientes políticos e jornalísticos da direita é: por que uma jornalista como Giuliana Sgrena – conhecida e sobretudo amiga do mundo árabe, experiente correspondente de guerra (Somália, Argélia, Afeganistão, além do Iraque) – e um jornal como Il Manifesto – de esquerda, sempre fechado com os palestinos nos conflitos com os israelenses, contrário à guerra, que chama de “ocupação” aquilo que os norte-americanos chamam de “libertação” e “democratização” do Iraque, e de “resistência” aquilo que outros chamam de “terrorismo” –, se tornaram vítimas no episódio?

A respostas é substancialmente simples. É que mesmo a pretensa “libertação” e “democratização” do Iraque através de ocupação militar estrangeira e da guerra norte-americana (inglesa e, infelizmente, também italiana) provocou naquele país uma situação que agora fugiu de controle, uma disseminação da barbárie que não é certamente inferior àquela do tempo do ditador Saddam Hussein, uma ocasião para atiçar as pulsões mais fanáticas do fundamentalismo islâmico. Em suma, um presente a Osama bin Laden e aos apoiadores do “choque de civilizações”.

Otimismo cauteloso

O rapto de Florence Aubenas, repórter de um jornal de esquerda como o Libération e cidadã de um país como a França, que se opôs à aventura norte-americana (assim como antes, dos dois jornalistas do Le Figaro, Christian Chesnot e Georges Malbrunot) demonstra essa tese. Como a demonstra o seqüestro, em setembro, das duas pacifistas italianas Simona Torretta e Simona Pari, que estavam no Iraque em uma ONG declaradamente amiga. Entre os coisas, todos os italianos – as duas Simonas e Giuliana, e antes delas o freelance Enzo Baldoni, também ele um pacifista de esquerda, seqüestrado e sacrificado em agosto – são cidadãos de um país que concede a Tony Blair o título de maior aliado subserviente de Bush no Iraque.

A consciência que esta situação e os efeitos que um eventual desfecho desfavorável do seqüestro de Giuliana – no qual nós do Il Manifesto não queremos acreditar – teve na Itália, seja no mundo político, seja na opinião pública, empurrou o governo italiano a se mover com decisão e a ativar com presteza “os canais” diplomáticos (com o governo fantoche de Allawi e com os norte-americanos do embaixador Negroponte) e operativos (os serviços de inteligência). Valentino Parlato, um dos integrantes do grupo que saiu do Partido Comunista Italiano em 1971 para fundar o Il Manifesto, está em permanente contato com o ministro de Relações Exteriores, Gianfranco Fini, expoente do velho partido neofascista Movimento Sociale Italiano, atualmente reciclado na mais apresentável Alleanza Nazionale. “Agora trabalhamos juntos pela libertação de Giuliana, depois voltamos a ser inimigos como antes e como sempre”, afirmaram quando se encontraram na sede do ministério das Relações Exteriores, em Roma. Também o presidente da República, Carlo Azeglio Ciampi, telefonou ao pai de Giuliana – um velho ferroviário comunista e antigo combatente na resistência armada contra os nazi-fascistas em 1943-45 – para transmitir a sua ansiedade e a sua participação no caso.

Um aspecto importantíssimo desta mobilização diz respeito ao mundo árabe, graças ao bom nome e ao prestígio que Il Manifesto goza por lá, em virtude de suas posições (por proclamar-se ainda hoje um “jornal comunista) e sua história. Na segunda-feira, 7, o Conselho dos Ulema, principal organismo dos religiosos sunitas no Iraque, elaborou um comunicado no qual recordava que Giuliana é amiga do povo iraquiano e no qual pedia “aos muçulmanos” que a libertasse logo.

Depois a al-Jazeera, a CNN árabe com sede no Catar, que não apenas transmitiu um apelo nosso pela libertação de Giuliana (lido também na TV árabe de Dubai, al-Arabyia), e depois, na terça, dia 8, um vídeo sobre Il Manifesto e Giuliana, “mulher de paz”, que nós enviamos, mas também, pela primeira vez, difundiu um apelo seu, como comercial televisivo, no qual pede a libertação de Giuliana e de Florence (Il Manifesto e Libération estão pensando em iniciativas comuns nos próximos dias).

A repercussão do seqüestro de Giuliana no Iraque e no mundo foram tão fortes que mesmo o al-Zarkawi, grupo terrorista islâmico do Iraque, emitiu na segunda-feira, 7 – também eles pela primeira vez – um comunicado via internet em resposta ao apelo do Conselho do Ulema para desmentir o envolvimento da al-Qaeda no seqüestro de Giuliana (mas continuando a minar o contingente militar italiano em Nassiriya: “enquanto permanecer no Iraque um único soldado italiano, não haverá trégua).

Por tudo isto, não obstante a angústia que estamos vivendo, nós estamos – esperamos estar – cautelosamente otimistas. [Tradução: Luiz Antonio Magalhães]

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Chefe de redação do Il Manifesto