Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

A imagem da tragédia

Semana pródiga em tragédias, não foi difícil para a mídia mergulhar e produzir resultados emocionantes. Que uma imagem vale por mil palavras, quem é do ramo sabe. Nesses momentos uma enxurrada de palavras poluem a leitura como foi o caso da capa da Folha de S. Paulo domingo 26 depois da morte anunciada em maratonas de documentários um dia antes. “Fidel Castro Está Morto” foi manchete sobre o óbvio, além de uma foto de Fidel, em cores.

Perdia longe para a dramaticidade  dos concorrentes O Globo, “Adeus ao Senhor da Ilha” e o Estadão, sem título, ambos com o comandante em fotos abaixo da dobra , em preto e branco. O momento é dramático, a morte de Fidel marca ao mesmo tempo a despedida do século XX e do líder que nos anos 60,70 deu ao continente o sentimento da latino-americanidade , o que não se apaga com todas as contradições de seu governo de mais de meio século.

O jornal carioca acertou novamente na cobertura da tragédia que se seguiu, quase esquecendo o velório de nove dias de Fidel. Foi o voo dos chapecoenses que matou 71 pessoas e um time inteiro. O Globo, agora em cores, dá a foto do menino Richard Ferreira do Nascimento, de 7 anos, na arquibancada vazia da Arena Índio Condá. A Manchete? “A Tristeza É Verde”. Num caderno separado ” O Dia Em Que o Futebol Perdeu”.

As manchetes enormes e descritivas da Folha e do Estadão podem ter informado logo na capa, mas se a imprensa  quer um lugar distinto entre as redes digitais , os jornalões paulistas erraram o caminho.

A mensagem das fotos

Informação, sim, mas entre tantos assuntos políticos desagradáveis que se repetem e só pioram, a saída mais elementar do leitor é parar de ler. Nesse caso , a foto vale mais que palavras , como no confronto Geddel x Calero que varou a semana passada, os olhos arregalados de Marcelo Calero e sua expressão honesta derrubando qualquer explicação sobre o apartamento do ministro Gedder Vieira Lima ,de olhos baixos e mãos na boca na capa da última edição da Época, com o título enxuto, ” O Velho e o Novo “. O “novo” pediu demissão e o “velho” ainda durou uma semana no governo.

Estranho como os editores ainda não percebem contradições gritantes como a foto sorridente da economista do Bradesco , Ana Maria Barufi, abaixo da trágica manchete ” Pobres perdem mais com a crise” e acima de outra, “…Pobreza cresce” no Valor do fim de semana 26,27,28 / 11.

O Valor acertou na capa do dia 2 /12 com o juiz Sérgio Moro olhando para o alto e para a frente ao lado de Renan Calheiros em imagem difusa,  meio cabisbaixo. Novamente o Globo ganha com poucas palavras que pegam o leitor pelo estômago, “Renan é Réu” e uma foto de rosto do presidente do Senado, atônito , um dedo acusador apontado em sua direção .

Não precisa muito. Palavras sem foco definido só afastam o leitor da leitura.A imprensa precisa sobreviver e não será competindo com o imediatismo e pressa da Internet. O atalho da sobrevida é outro . Vide a capa preta da Época desta semana , com o emblema da Chapecoense e o título ” Campeã Sul-Americana 2016″ em verde, cor do time catarinense. Ou a capa da Veja, coberta apenas com um gramado verde, e o título ” Enquanto o Brasil Chorava a Tragédia…Deputados Entravam em Campo Contra a Lava-Jato”.

O que uniu as duas principais tragédias da semana foi novamente uma imagem, o traço de Chico na capa d’O Globo de domingo 4, Fidel com a camisa do Chapecoense, rendendo homenagem ao time de futebol que sumiu no espaço da incompetência do piloto. A  Folha de segunda-feira, 5, abriu a semana com uma tristeza explícita na morte de Ferreira Gullar, na capa uma impressionante foto do poeta em preto e branco com as mãos cobertas de veias salientes encobrindo o rosto inteiro, imagem que prenunciava a morte e a perplexidade de Gullar diante da vida.

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Alberto Dines é jornalista, escritor e cofundador do Observatório da Imprensa