Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Imprensa deixa terror em segundo plano

O domingo no Iraque foi sangrento, mas não ofuscou a primeira eleição pós-Saddam Hussein. A votação para escolher os integrantes da Assembléia Nacional e dos Conselhos Regionais – que, por sua vez, redigirão a Constituição do país e escolherão o presidente – atraiu às urnas 60% dos eleitores registrados. Como prometido pelo terrorista jordaniano sunita Abu Musab al-Zarqawi, ligado à al-Qaeda, o dia não foi de paz: houve nove ataques suicidas no horário de votação, e pelo menos 35 pessoas morreram.

Logo após o primeiro atentado, na manhã de domingo, as TVs árabes por satélite e os jornais locais enfrentaram um dilema: destacar a violência ou continuar cobrindo o processo eleitoral? Depois de quase dois anos noticiando banhos de sangue e apresentando ao mundo imagens de explosões e assassinatos, eles decidiram que, em 30/1, a violência não era a história principal.

Criticadas por glorificarem atos violentos no Iraque, as emissoras de TV foram cuidadosas na cobertura da votação, conta Hassam M. Fattah [The New York Times, 31/1/05]. Al-Arabiya e al-Jazira, as maiores, optaram por registrar os ataques terroristas no pé da tela, e mantiveram o foco na cobertura e nas análises da eleição.

Grande cobertura, grande evento

Pela imprensa, o processo eleitoral foi tratado como grandioso evento, decisivo para o futuro do país. A maior iniciativa, afirma Fattah, talvez tenha sido a da al-Arabiya, que contou com oito caminhões de transmissão via satélite espalhados pelo Iraque, além de diversos repórteres transmitindo por videofone das regiões de votação e flashes ao vivo de correspondentes em países vizinhos. A emissora montou um estúdio especial para a ocasião na sede de Dubai, nos Emirados Árabes. ‘Acreditamos que este seja um evento importante, não só para o Iraque, mas para todo o mundo árabe’, justificou Nakhle el-Hage, diretor de jornalismo da al-Arabiya. ‘É o primeiro evento democrático de verdade em toda a região e merece atenção’.

Para alguns analistas, a votação – primeira em 50 anos – representou uma abertura sem precedentes, mas para outros há dúvidas de que ela possa ser considerada democrática, já que ocorre ainda sob a ocupação americana e foi baseada em questões sectárias. Este debate contribuiu ainda mais para a riqueza da cobertura jornalística, que durante todo o dia acompanhou a fundo o processo de votação.

Para a al-Jazira – expulsa do Iraque há seis meses, acusada de contribuir com a violência –, a cobertura da eleição foi um desafio. A emissora planejou com cuidado a cobertura de fora do país: convocou os profissionais iraquianos que trabalhavam na redação de Bagdá para fazer boletins por telefone, comprou imagens de cinegrafistas freelancers e de agências de notícias e transmitiu depoimentos de correspondentes na Jordânia, na Síria, no Irã e na Turquia, entre outros lugares.