Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Imprensa reprovada no teste

Um relatório internacional sobre mídia, migração global e a crise dos refugiados, publicada  para coincidir com o Dia Internacional dos Migrantes (18 de dezembro), diz que frequentemente os jornalistas não contam a história inteira e regularmente são apanhados nas armadilhas de propaganda armadas pelos políticos.

Capa do Informe da EJN / divulgação

Capa do Informe da EJN / divulgação

O relatório, “Histórias comoventes” [Moving Stories]  publicado pela Ethical Journalism Network – EJN  avalia a cobertura pela mídia da migração na União Europeia e em 14 países em torno do mundo. “A cobertura, pelo mundo afora, é frequentemente influenciada pela política, com jornalistas acompanhando uma pauta dominada pela língua solta e histórias de invasão e de multidões”, disse Aidan White, diretor da EJN. “Mas em outros momentos a matéria é intercalada com compaixão e empatia, assim como um foco no sofrimento das pessoas envolvidas.”

Alguns destaques do relatório:

Oportunidades perdidas – como os jornalistas e a mídia na Europa deixaram de dar o alarme sobre um iminente fluxo de refugiados fugindo da Síria e do Iraque, embora a matéria pudesse ter sido feita um ano antes de explodir a crise, em 2015.

O discurso do ódio – como declarações revoltantes, contra imigrantes e contra muçulmanos, por políticos como Donald Trump, nos Estados Unidos, e alguns líderes europeus, estimularam uma crescente preocupação por parte do público e tomaram de assalto a cobertura da mídia.

Padrões medíocres – como a mídia deixou de fornecer informação detalhada e confiável sobre a crise dos refugiados devido à falta de recursos editoriais ou à falta de jornalistas bem informados e capazes de produzir reportagens aprofundadas e com sensibilidade.

Sensacionalismo – como boa parte do jornalismo é guiado por exageros, intolerância e distorções, com a confusão da mídia sobre o uso dos termos corretos para descrever migrantes, refugiados e pessoas em busca de asilo político.

Uma atitude não apenas errada, mas também desonesta

Para superar esses problemas, o relatório recomenda que a mídia jornalística adote medidas urgentes e destaque repórteres especializados para cobrir migrações. Também pede que a imprensa invista amplamente em treinamento sobre questões de migração e problemas de discurso do ódio; que sejam melhorados os links com grupos de migrantes e de refugiados; e que sejam contratados mais jornalistas de comunidades étnicas minoritárias para fortalecer a diversidade nas redações.

O documento divulgado pela EJN destaca como a cobertura da mídia, em grande parte negativa e tendo como foco o número de migrantes que se deslocavam, deu uma guinada dramática com a morte de Alan Kurdi e a divulgação de fotos de seu corpo numa praia na Turquia. A partir desse momento, o jornalismo despertou para a tragédia humana dentro da matéria da migração.

Em seu prefácio para o relatório, Jan Egeland, secretário-geral do Conselho de Refugiados da Noruega, resume o desafio de enfrentar a mídia: “Não se trata apenas de falta de humanidade na pauta da mídia, ou de uma questão de sorte, ou de uma questão de se interessar mais por algumas pessoas do que por outras”, diz ele. “Precisamos de uma lente mais ampla para compreender o que realmente está acontecendo.”

A falta de uma perspectiva mais ampla muitas vezes leva a mídia a deixar escapar o link entre migração e desenvolvimento humano. Os jornalistas frequentemente ignoram as provas de estudos sérios que ilustram como a migração – apesar dos desafios de curto prazo – é invariavelmente benéfica ao desenvolvimento econômico e cultural num prazo mais longo.

O relatório expressa: “Há uma tendência, tanto entre muitos políticos quanto em algumas seções dos principais veículos da mídia, de englobar os migrantes como um todo e apresentá-los como uma interminável maré de pessoas que roubam empregos, que se tornam um peso para o Estado e, em última instância, ameaçam o modo de vida nativo. Essa atitude não é apenas errada; também é desonesta. Muitas vezes, os migrantes trazem enormes benefícios para os países que adotam.”

Fanatismo, pânico e o discurso do ódio

O relatório examina a cobertura da mídia em vários países. Da Austrália, um país construído por imigrantes em que os meios de comunicação lutam para fazer valer códigos de uma prática jornalística bem intencionada num clima político envenenado, ao Nepal e à Gâmbia, países que exportam mão de obra. Nestes países, a censura ou a falta de recursos – ou uma combinação das duas – são as principais responsáveis por uma cobertura ruim.

As informações sobre a migração na China, na Índia e no Brasil contam outra história. Embora seja considerável o número de pessoas que migram nesses países, o foco principal é na migração interna, um fenômeno frequentemente ignorado pela grande mídia e envolve milhões de pessoas e minimiza os números da migração internacional. O maior deslocamento de pessoas na história ocorreu na China, durante os últimos 35 anos.

Na África, embora as manchetes deem destaque às pessoas que deixam o continente e se encaminham ao hemisfério norte, também há migração entre os países, com muitas pessoas das empobrecidas regiões centrais se dirigindo à África do Sul – país em que a mídia também enfrenta problemas de xenofobia e pressão por parte do governo.

Na Europa, onde as questões da migração e dos refugiados abalaram a árvore da unidade europeia, a mídia luta para conseguir fazer uma cobertura equilibrada enquanto os líderes políticos reagem com um misto de fanatismo e pânico – uns anunciam que só aceitarão imigrantes cristãos, enquanto outros planejam levantar muros e cercas de arame farpado. O relatório analisa a Bulgária, onde a mídia permitiu que a migração fosse dominada pelo sensacionalismo, e a Itália, onde o discurso do ódio se contrapõe a uma carta de princípios para a mídia com objetivos éticos. Na Grã-Bretanha, o texto  destaca que muitas vezes a história é contada sem uma preocupação com a dimensão ou o equilíbrio, com uma ampla divulgação das condições de dificuldades enfrentadas pelas pessoas de um pequeno campo de refugiados em Calais.

As complexidades da migração

Na Turquia, que muitos políticos europeus consideram um país chave em decorrência do progressivo avanço dos migrantes, a maior parte dos meios de comunicação está sob controle de um governo que pune jornalistas dissidentes e, portanto, o debate é limitado. No Líbano, onde se encontram milhões de refugiados da Síria, devastada pela guerra, a informação não conta com a ajuda de uma história em que boa parte da mídia confunde fatos e opiniões.

Nos Estados Unidos, Donald Trump, o controvertido candidato republicano à presidência, tornou a migração um tema explosivo. O tempo em que ficou exposto na mídia foi centrado em acusações acaloradas e muitas vezes racistas que escondem o bom jornalismo, tão necessário nesse contexto. Ao sul da fronteira, no México, a mídia sofre com pressões políticas indevidas e com a autocensura.

“A crise dos refugiados não vai desaparecer”, diz Adrian White, “e nunca houve uma necessidade tão grande de informações úteis e confiáveis sobre as complexidades da migração. Mas se isso ocorrer, como mostra esta reportagem, devemos fortalecer o ofício do jornalismo.”

O relatório completo está disponível aqui em inglês.