Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalistas indefesos diante do narcotráfico

Jornalistas mexicanos sentem-se indefesos diante de ataques de narcotraficantes, relatou o principal jornal de Ciudad Juarez, o El Diario de Juarez, em um editorial de capa, após o assassinato de um de seus fotógrafos, Luis Carlos Santiago, de 21 anos. ‘Em um país no qual autoridades provaram sua incompetência, como podemos pedir por justiça? A quem reclamamos sobre os perigos enfrentados por jornalistas todos os dias?’, indaga o editorial, que pedia aos cartéis de drogas que passassem orientações sobre como cobrir as notícias de modo a evitar que mais jornalistas fossem assassinados. ‘Vocês são as autoridades da cidade agora. Explique-nos o que querem de nós, o que querem que publiquemos ou deixemos de publicar’.


Santiago foi morto em seu carro quando ia para o almoço e dois carros o interceptaram, abrindo fogo. Outro fotógrafo, Carlos Sanchez, ficou seriamente ferido. Santiago trabalhava há apenas duas semanas no jornal. O Departamento do Interior condenou o ataque e prometeu que investigadores fariam o possível para achar os responsáveis. Santiago foi o segundo jornalista do El Diario assassinado desde que uma guerra foi iniciada, há dois anos, entre os cartéis de Juarez e Sinaloa. Em 2008, o repórter Armando Rodriguez foi morto em frente à sua casa. No ano seguinte, o agente federal que estava investigando sua morte foi assassinado.


O Comitê para Proteção de Jornalistas disse, em relatório recente, que 22 jornalistas mexicanos foram mortos desde dezembro de 2006, quando o presidente Felipe Calderón intensificou uma sanção aos cartéis. Diversos jornais mexicanos pararam de divulgar a violência relacionada a drogas, porque seus jornalistas foram atacados. Ciudad Juarez é uma das cidades mais perigosas do mundo, com 6,4 mil pessoas mortas desde 2008. Informações da AP [17/9/10] e Julia Cardona [Reuters, 19/9/10].


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ASPAS


Em editorial, jornal mexicano indaga a cartéis: ‘O que querem ver publicado?’


Cristiano Dias # O Estado de S.Paulo, 21/9/2010


El Diario, principal jornal de Ciudad Juárez, cidade mexicana na fronteira com os EUA, publicou no domingo [19/9] editorial pedindo uma trégua aos grupos criminosos que disputam o controle do tráfico de drogas na região. Num tom entre o desespero e a ironia, o texto sugere aos traficantes que expliquem quais informações podem ser publicadas. Em troca, pede que seus jornalistas não sejam mais assassinados e suas instalações deixem de ser alvo de ataques.


No editorial intitulado ‘O que querem de nós?’, o jornal reconhece que, no momento, os narcotraficantes são ‘as autoridades de facto‘ na cidade de 1,3 milhão de habitantes, que já registrou mais de 2 mil homicídios este ano.


El Diario também lamenta a morte de jornalistas em Ciudad Juárez. Na semana passada, dois fotógrafos da empresa foram atacados por pistoleiros. Um deles, Luis Carlos Santiago Orozco, de 21 anos, morreu. Mas o governo mexicano acredita que motivos pessoais, e não profissionais, estiveram por trás do assassinato.


Em 2008, o repórter policial Armando Rodríguez foi assassinado diante da casa dele. No ano seguinte, um agente federal que investigava o ataque também foi morto por pistoleiros.


‘Somos comunicadores, não adivinhos. Portanto, como trabalhadores da informação, queremos que nos expliquem o que querem de nós, o que esperam que publiquemos ou deixemos de publicar, para saber a que nos ater’, diz o editorial, que deixa claro não se tratar de uma ‘rendição’, mas de um pedido de ‘trégua’. ‘Até mesmo na guerra existem regras. E, em qualquer conflagração, existem protocolos e garantias para salvaguardar a integridade dos jornalistas.’


Até ontem [segunda, 20/9], nenhum grupo criminoso havia respondido ao apelo do jornal. No entanto, Martín Orquiz, jornalista do Diario, diz que o maior objetivo era atingir as autoridades mexicanas, mais do que os cartéis. ‘Foi uma manifestação retórica para fazer com que as instâncias governamentais e sociais se mexam, porque estamos paralisados’, disse Orquiz, por e-mail, ao Estado de S.Paulo.


‘Sinceramente, não acreditamos que as organizações criminosas nos respondam. Eles não têm razão para isso. Mas se houver alguma reação analisaremos o que fazer’, afirmou.


Pedro Torres Estrada, diretor-geral do Diario, disse que todos na redação estão ‘fartos’ da violência. ‘Queremos que parem de nos usar como bucha de canhão nesta guerra’, disse. ‘O pedido de trégua não é sinal de fraqueza. Apenas não sabemos mais a quem pedir justiça.’


A única reação do governo mexicano foi um comunicado feito por Felipe Zamora, subsecretário de assuntos jurídicos do Ministério do Interior. ‘Não podemos dar trégua (aos cartéis) nem negociar’, disse Zamora, que prometeu detalhar, na semana que vem, mecanismos de proteção aos jornalistas no México.


Segundo relatório do Comitê para a Proteção de Jornalistas, 22 jornalistas foram assassinados no México nos últimos quatro anos – 10 em 2010.


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Jornal mexicano pede trégua ao narcotráfico


O Globo, 21/9/2010


O medo da violência e o desespero pela paz no México foram traduzidos em palavras pela redação do jornal El Diário, da perigosa Ciudad Juárez, que se dirigiu aos cartéis de drogas e assinou um inédito editorial pedindo trégua aos criminosos e o fim dos ataques a jornalistas. A forte e emocionante carta, intitulada ‘Qué Quiren de Nosotros’ (o que querem de nós), foi publicada no domingo. Foi a forma que o diário mexicano encontrou para pedir justiça pela morte de Luis Carlos Santiago Orozco, o segundo funcionário da empresa morto por criminosos em menos de dois anos. A carta foi duramente criticada pelo gabinete do presidente Felipe Calderón.


‘Senhores das diferentes organizações (criminais) que disputam a praça de Ciudad Juárez: a perda de dois repórteres desta casa em menos de dois anos representa um dano irreparável para todos que trabalham aqui e, em particular, para suas famílias’, dizia o texto, que ao longo do dia de ontem rodou na internet e chamou a atenção do mundo. ‘Fazemos de seu conhecimento que somos comunicadores, e não adivinhos. Portanto, como trabalhadores da informação, queremos que nos expliquem o que querem de nós, o que pretendem que publiquemos e que deixemos de publicar, para que saibamos a quem atender.’


Governo não conhecia o inimigo


O editorial ressaltou que não se trata de uma ‘rendição’, mas sim de uma ‘trégua’ com aqueles que impuseram sua lei à força: ‘Vocês são, neste momento, as autoridades de facto desta cidade, porque as autoridades instituídas legalmente não puderam fazer nada para impedir que nossos companheiros continuem caindo’, afirmava. ‘É impossível exercer nossas funções nestas condições. Indiquemnos, portanto, o que esperam de nós como meio (de comunicação)’.


O porta-voz do governo para assuntos de segurança, Alejandro Poiré, foi a público ontem e condenou o editorial, dizendo que qualquer membro da sociedade que posterga a luta contra o crime organizado estabelece uma falsa trégua.


– Não cabe a ninguém pactuar, promover uma trégua ou negociar com os criminosos, que são justamente os que geram angústia à população, os que sequestram, os que extorquem, assassinam e envenenam – disse Poiré.


Em entrevista a uma rádio, o subdiretor do jornal, Pedro Torres, disse que a decisão de publicar a carta foi tomada porque ‘há dois anos pedimos justiça e até agora não temos resposta das autoridades’, numa clara crítica ao governo. O editorial, inclusive, faz menção direta ao presidente, criticando sua estratégia de combate ao crime.


‘Para conseguir a legitimação que não obteve nas urnas, meteuse numa guerra contra o crime organizado sem conhecer as dimensões do inimigo nem as consequências.’ A onda de violência já deixou mais de 30 jornalistas mortos desde que o líder assumiu a Presidência do país, em 2006, se gundo o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ). Um relatório divulgado pela organização no início do mês afirmou que o México se tornou um dos lugares mais perigosos do mundo para o exercício do jornalismo, e que a impunidade por esses crimes é quase igual à de lugares devastados por conflitos, como Somália e Afeganistão.


Na semana passada, o funcionário do jornal El Diário Luis Carlos Santiago Orozco, de 21 anos, morreu e um estagiário ficou gravemente ferido, quando os dois deixavam a redação para almoçar. Ontem [20/9], Poiré questionou o jornal, afirmando que o atentado ocorreu por motivos pessoais, e não tem relação alguma com a profissão. O porta-voz, no entanto, não explicou as razões para o crime.


Em 2008, o repórter fotográfico Armando Rodríguez foi executado em frente à sua casa, quando saía para deixar a filha na escola. O editorial exigia resultados nas investigações de sua morte.


– Quando Armando morreu, muitas autoridades se aproximaram para oferecer ajuda e não houve resultado. Agora, nem isso fizeram – disse Torres, revoltado.


Cidade já perdeu 5 mil inocentes na guerra


A carta afirma que os jornalistas foram ‘arrastados a esta luta sem controle’, sem que o presidente pensasse no compromisso que fez sobre a proteção especial dos repórteres.


‘Em Ciudad Juárez chegamos a um ponto em que é necessário – e urgente – adotar outras medidas que obriguem as autoridades estabelecidas por lei a oferecerem respostas mais contundentes, porque a capacidade de tolerância de muitos cidadãos já chegou ao seu limite.’ Muitos jornais e emissoras mexicanos suspenderam a cobertura sobre a guerra ao narcotráfico.


Até domingo, o El Diário não era um deles.


– Até num dos lugares mais violentos…o El Diário ainda fazia boas reportagens sobre o crime – lamentou Carlos Lauria, coordenador do CPJ.


Já Torres criticou a posição da imprensa numa guerra que já matou cinco mil inocentes em dois anos, em Ciudad Juárez.


– Não queremos ser mais usados como buchas de canhão nesta guerra, porque estamos cansados – afirmou Torres.


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‘Em alguns locais do México,fazer jornalismo é impossível’


Talita Eredia # O Estado de S.Paulo, 21/9/2010


Os cartéis mexicanos buscam mais do que a conquista de mercado e território: querem também controlar o fluxo da informação. Carlos Lauria, coordenador do programa das Américas do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), acredita que as quadrilhas interferem diretamente na agenda informativa mexicana. Em entrevista ao Estado, por telefone, Lauria diz que a autocensura, que se tornou prática comum em muitos veículos da imprensa mexicana, é vista como a única garantia de segurança para os jornalistas.


Como podemos interpretar o editorial de El Diario, que qualifica os grupos criminosos de ‘autoridades de facto‘?


Carlos Lauria – O editorial do jornal de Ciudad Juárez é evidentemente um texto provocativo, mas que lamentavelmente reflete a realidade, diante de um governo que se vê incapaz de responder à violência e proteger o direito humano básico de liberdade de expressão. É claro que isso promove a autocensura.


E como os leitores veem essa autocensura?


C.L. – O texto do jornal mexicano é claramente uma mensagem para seu público, de que ele não pode publicar tudo o que gostaria, uma vez que se vê intimidado e ameaçado. El Diario deixa claro que estão tirando o direito do cidadão de ter acesso à informação. Os jornalistas não só de Ciudad Juárez, mas de todo o país, sentem-se vulneráveis, sem nenhum tipo de garantia para trabalhar. A cidade vive hoje um clima de violência quase anárquica.


Podemos dizer que é praticamente impossível fazer jornalismo no México?


C.L. – É uma tarefa muito difícil, quase impossível em determinadas regiões do país. Os jornalistas arriscam a vida. É um ofício de altíssimo risco. Muitos foram para o exílio, abandonaram a profissão, mudaram para outras regiões do país, isso além dos que estão desaparecidos. A violência é um golpe duríssimo para a profissão. É um golpe duro para a liberdade de expressão e para a democracia.


E a investigação dos crimes contra jornalistas?


C.L. – A impunidade no assassinato de jornalistas é muito grande no mundo todo. Pelo menos 85% dos casos estão impunes. No México, porém, o número chega a 90%. Isso se deve à corrupção das autoridades dos Estados, à cumplicidade e a negligência das autoridades com o crime organizado e a falta de recursos. Isso porque, no Mexico, o assassinato é um crime de foro comum, não é um crime federal. A Polícia Federal só assume uma investigação quando o crime é vinculado a grupos organizado ou se for praticado com uma arma do Exército. O problema é que a maior parte dos casos está sob investigação dos Estados, muito mais corruptíveis. Para apurar morte de jornalistas, é preciso ter evidências da ligação com o tráfico. É a lei. Por isso, estamos pedindo a adoção de uma lei federal que permita às autoridades federais investigar diretamente esses casos.


Quem é


Carlos Lauria, jornalista, nascido em Buenos Aires, é coordenador para as Américas do Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ). A entidade tem sede em Nova York e monitora a situação da liberdade de imprensa em todo o mundo.