Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalistas não prestam no cinema

Dois filmes lançados recentemente (um no cinema, outro em DVD) dão um enfoque pessimista à profissão de jornalista, reporta Caryn James em artigo no New York Times [19/7/05]. Em um deles, Crónicas (Crônicas – Equador/México), o ator John Leguizamo faz o papel de Manolo, repórter de um programa sensacionalista de televisão chamado One Hour with the Truth (Uma hora com a verdade), em busca, juntamente com outros jornalistas, de um assassino de crianças. Apesar do nome do programa, as atitudes por trás das câmeras estão mais para meias-verdades. O cinegrafista se aproxima sem piedade de pais ao lado do caixão do filho e chega a mudá-los de posição para conseguir um melhor ângulo; Manolo pergunta ao homem suspeito de ser um serial killer o que ele está sentindo e se insere na história impedindo o suposto assassino de ser linchado; sua própria produtora chega a dizer para ele: ‘Você só quer ser um herói’.

O filme coloca os espectadores um passo a frente dos jornalistas. A cena inicial é de um homem lavando suas roupas no rio – o mesmo homem que momentos depois aparece acidentalmente matando um garoto com seu carro e sendo atacado por uma multidão que havia presenciado o atropelamento. A idéia de que ele poderia ser o assassino aparece antes mesmo dos jornalistas suspeitarem dele.

Depois que Manolo entrevista o homem na prisão, ele junta os fatos e o coloca como vítima de um quase-linchamento. À medida que sua suspeita cresce, ele constrói uma outra versão que o apresenta como um monstro. Qual versão será televisionada? Quando vão obtendo mais informações, os jornalistas irão dividi-las com a polícia ou mantê-las em segredo em busca de maiores índices de audiência?

Em outro filme, o americano Paparazzi, o foco é o fotojornalismo. O enredo trata de um grupo de fotógrafos que bate no carro de um ator famoso, deixando seu filho em coma e levando sua mulher a fazer uma cirurgia. Um dos produtores é Mel Gibson, que faz uma pequena ponta no longa-metragem. Não é difícil associar o acidente no filme ao incidente ocorrido em junho com a atriz Lindsay Lohan, que teve seu carro atingido por fotógrafos que a perseguiam em Los Angeles.

Da ascensão à queda

A mídia é tema de filmes há bastante tempo, porém sob uma perspectiva mais otimista. Em 1976, Todos os Homens do Presidente endeusou os jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein e, por extensão, o jornalismo em si. Os repórteres heróicos que vieram depois, em filmes como Os gritos do Silêncio, agora parecem pitorescos. Se um longa mostra um jornalista sério hoje, é mais possível que ele seja tão ineficiente quanto o cinegrafista interpretado por Joaquin Phoenix em Hotel Ruanda, desolado com sua capacidade de chamar a atenção para um genocídio.

Não é difícil encontrar o que está por trás da erosão da imagem do jornalista. Quando o caso Watergate aconteceu, no início da década de 1970, os programas sensacionalistas televisivos não eram fortes e canais de notícias a cabo 24 horas, onde tudo é filmado o tempo todo, não tinham sido inventados. Com a expansão dos meios e a variação dos padrões, o respeito do público pela mídia declinou. Sítios de fofocas na internet e casos como o do repórter-plagiador do New York Times Jayson Blair e dos documentos forjados na matéria sobre o histórico militar do presidente Bush, no 60 Minutes, ajudaram a causar os danos.

Profissionais egoístas

Uma pesquisa feita pelo Instituto Gallup nos EUA, divulgada no mês passado, mostrou que a confiança do público no jornalismo apresentou uma nova baixa, com apenas 28% dos pesquisados afirmando confiar no que lhes é passado pela televisão e pelos jornais.

Quanto mais a confiança cai, mais o cinema tende a mostrar repórteres de maneira desfavorável e, num efeito cascata, quanto mais repórteres de má reputação aparecem na tela, mais esta imagem se firma. No filme Cinderella Man – a luta pela esperança, jornalistas fazem a esposa de um boxeador chorar em uma coletiva ao sugerir que ele poderia ser morto no ringue. O episódio é revelador porque é uma cena que assume que os repórteres são os vilões da história.

Em Guerra dos Mundos, de Steven Spielberg, uma jornalista de TV encontra o personagem de Tom Cruise perto dos destroços de um avião e pergunta se ele estava no vôo. Ao receber a resposta negativa, lamenta, fecha a porta de seu furgão e vai embora, sem nem ao menos oferecer carona ou ajuda a um homem sozinho no meio de escombros.

No recente longa de John Boorman, In My Country, o repórter de um jornal americano interpretado por Samuel L. Jackson e a jornalista de uma rádio sul-africana interpretada por Juliette Binoche são intencionalmente cômicos – não só porque parecem passar a maior parte do tempo tendo um caso adúltero do que trabalhando, mas também porque não apresentam pretensão nenhuma à objetividade. A vida real, no entanto, é mais complexa, e os filmes ainda não tiveram tempo de acompanhar o discussão jornalística mais recente – a prisão de Judith Miller.