Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalistas da Al Jazeera serão julgados por ‘associação ao terrorismo’

Vinte jornalistas da Al Jazeera – 16 deles de origem egípcia e quatro estrangeiros – foram formalmente acusados pela Procuradoria Geral do Egito de divulgar notícias falsas, “manchando a reputação” do país no exterior em nome da Irmandade Muçulmana, facção política do presidente deposto Mohamed Morsi. Depois da queda de Morsi, no ano passado, a Irmandade foi classificada de “grupo terrorista” pelo governo.

Não foi divulgada uma lista com a identidade de todos os acusados. Sabe-se que entre eles estão o australiano Peter Greste, ex-correspondente da BBC, e o egípcio-canadense Mohamed Fahmy, diretor da sucursal da Al Jazeera, presos desde dezembro de 2013.  Greste, Fahmy e o egípcio Baher Mohamed, produtor da emissora, foram detidos em 29/12 depois que agentes de segurança invadiram o escritório improvisado que haviam montado no hotel Marriott, no centro do Cairo.

A Al Jazeera – e em particular sua divisão Árabe – tornou-se alvo de atenção do governo do Egito porque é de propriedade do Catar, país que apoia a Irmandade Muçulmana. Os conflitos com as autoridades egípcias fizeram com que a emissora tivesse que fechar seus escritórios no Cairo, obrigando seus profissionais a trabalhar sem credenciamento.

Condições sub-humanas

Em carta enviada da prisão, Greste afirmou que o cerceamento de sua liberdade foi “um ataque não apenas a mim e a meus dois colegas, mas à liberdade de expressão em todo o Egito”. De acordo com ele, alguns dos presos estão em condições deploráveis. Fahmy, que teve o ombro deslocado pouco antes de sua prisão, solicitou atendimento médico e teve o pedido negado. Tanto ele quanto Mohamed estão em uma penitenciária de segurança máxima reservada a suspeitos de terrorismo, onde passam “24 horas por dia em suas celas infestadas de mosquitos, dormindo no chão, sem livros ou materiais de escrita para quebrar o tédio destruidor de almas”. Greste afirma estar encarcerado em condições um pouco melhores do que seus companheiros.

O Ministério Público incluiu outras acusações no processo, como perturbação da paz, instigação do terror, danos aos interesses gerais do país, posse de equipamentos de transmissão sem autorização e posse e divulgação de imagens contrárias à verdade. “As investigações mostraram que os réus criaram uma rede de mídia dirigida por um membro egípcio-canadense da Irmandade Muçulmana [Fahmy] que se especializou na criação de cenas de vídeo opostas à realidade, exibindo-as na versão em inglês do canal Al Jazeera a fim de distorcer a reputação internacional do Egito”, declarou o órgão.

Violação da liberdade de imprensa

De acordo com Khaled Mansour, diretor de uma organização local independente de direitos humanos, a Iniciativa Egípcia para os Direitos Pessoais, as prisões teriam um “efeito inibidor” no trabalho dos jornalistas no Egito. “Tenho uma preocupação muito forte agora com os jornalistas, especialmente os estrangeiros, que estão se esforçando para criar uma imagem equilibrada do que ocorre no país”, disse Mansour. “Estes acontecimentos realmente terão um efeito muito negativo sobre o trabalho destes profissionais – e eu espero que o governo faça uma distinção entre um jornalista que está cumprindo seu dever e encontrando pessoas, e as acusações apresentadas”.

Jornalistas estrangeiros são alvo de ódio considerável do governo do Egito e de seus simpatizantes há algum tempo. Os egípcios a favor do regime se ressentem da mídia internacional por cobrir supostas violações dos direitos humanos contra simpatizantes do ex-presidente Morsi e contra dissidentes liberais contrários tanto a Morsi quanto à oposição. “O Egito ainda está observando com muita cautela os membros da comunidade internacional que se colocam em posição de conflito explícito contra a segurança nacional egípcia”, declarou na semana passada Mostafa Hegazy, assessor da presidência do Egito.

Repercussão internacional

A Anistia Internacional condenou a detenção dos jornalistas, declarando que o gesto faz parte de uma onda de repressão sobre a liberdade de expressão no país. O secretário-geral da organização, Salil Shetty, disse que a comunidade internacional deve manter a pressão sobre o governo egípcio a fim de resolver a situação. “Se você não tem liberdade de imprensa e não tem liberdade de expressão, então não há como ter uma sociedade democrática funcionando adequadamente”, afirmou.

O senador americano John McCain também condenou abertamente a detenção continuada dos jornalistas, chamando o ato de “clara violação da liberdade de imprensa”.