Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Lava Jato borrou as fronteiras do noticiário econômico e do político

Os jornais ainda publicam as matérias em cadernos diferentes, mas a separação é cada vez mais um detalhe burocrático. A crise política já havia afetado os mercados de ações e de câmbio, mas os dois assuntos ficaram ainda mais misturados com a revelação de conversas grampeadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.  O maior impacto foi causado pela divulgação de um contato com a presidente Dilma Rousseff, mas a essa novidade logo  se acrescentaram outros grampos.

As pressões contra a presidente – pelo impeachment ou pela renúncia — aumentaram com manifestações em vários Estados. Na quinta-feira, enquanto a avenida Paulista continua ocupada por milhares de manifestantes, o Ibovespa, índice principal da bolsa de valores de São Paulo, subiu 6,6%, na maior alta em um dia desde 2 de janeiro de 2009. Ao mesmo tempo o dólar caiu 2,55%. A acomodação da moeda americana, tendência já observada em outras sessões, deu espaço ao Banco Central (BC) para iniciar uma redução de suas intervenções no câmbio.

O dólar continuou em queda no dia seguinte e a animação persistiu no mercado de ações. Com a realização de lucros, o Ibovespa caiu 0,19%, mas permaneceu acima de 50 mil pontos. Valorizaram-se papéis de estatais, como Banco do Brasil e Petrobrás. Segundo especialistas entrevistados pela imprensa, essa valorização refletiu a expectativa de melhor administração em caso de mudança do governo.

Outros fatores também pesaram: a melhora do preço internacional do petróleo, sinais de recuperação de outras commoditites e, de modo especial, a indicação de maior cautela na elevação dos juros americanos. Essa indicação foi dada pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, depois de uma reunião do comitê responsável pela política monetária. Com elevação mais lenta dos juros pelo Fed, as pressões sobre a moeda brasileira tendem a ser mais brandas.

Mas os principais fatores positivos para o mercado brasileiro, de acordo com as análises publicadas ou citadas pelos jornais, foram mesmo os eventos políticos internos. Ninguém parece esperar uma rápida recuperação da economia brasileira, com ou sem mudança de governo. Mas a expectativa de uma política econômica reorientada e executada com mais firmeza parece inegável, de acordo com todo o noticiário dos maiores jornais.

“Euforia nos mercados” foi o título principal do caderno de Economia do Globo, na edição de sexta-feira (18/3). Acima do título estava o chapéi “Lava Jato no Planalto”.  A manchete de Economia do Estadão foi mais longa e muito clara: “Crise política leva Bovespa a subir 6,6%, a maior alta diária desde 2009”.

Mas o vínculo entre o noticiário econômico e o político foi além da reação dos mercados. O Globo destacou a mobilização de empresários de vários setores a favor do impeachment ou da renúncia. A Foiha de S. Paulo noticiou: “Cresce pressão de entidades patronais por saída de Dilma”. Importantes consultorias nacionais e estrangeiras.assinalou o Estadão, passaram a usar o impeachment como cenário-base de suas projeções.

Os cenários foram alterados depois da divulgação de gravações de telefonemas de Lula pelo juiz federal Sérgio Moro. Além de estimar a probabilidade de impeachment (na faixa de 70% a 75%), os consultores ainda fixaram prazos prováveis para o desfecho do processo.  Segundo alguns dos especialistas mais conhecidos, o processo terminará em maio. Podem estar errados quanto aos prazos. Além disso, resta a hipótese de permanência da presidente  Dilma Rousseff. Mas o dado importante, neste caso, continua sendo a vinculação entre o cálculo político e o cálculo econômico.

Nesta cobertura, os assuntos têm sido cobertos separadamente pelas equipes de Economia e de Política e, na maior parte dos jornais, mal se percebe a articulação dos trabalhos. De vez em quando as matérias saem no mesmo caderno, mas a separação tem sido o padrão dominante. O local de publicação, no entanto, é um detalhe menos importante que a orientação fornecida ao leitor. Um cardápio mais organizado poderia ser útil e tornar o material mais atraente.

De toda forma, a integração dos trabalhos continua insuficiente, na maior parte dos jornais, tanto no dia a dia quanto nas coberturas fora da rotina. Um exemplo fácil, e recorrente, é o acompanhamento das propostas orçamentárias. O trabalho de reportagem, nesse caso, deveria ser ao mesmo tempo econômico e político, mas a divisão burocrática das funções tende a empobrecer o resultado.