Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Leiaute novo para tempos difíceis

Por recusarem as rugas que marcam a passagem do tempo, algumas mulheres procuram um cirurgião plástico para um lifting, eufemismo que se dá à cirurgia rejuvenescedora que corta um pouco aqui, espicha um pouco ali. Jornais envelhecem melhor, mas de vez em quando precisam de um lifting, que chamam de ‘novo projeto gráfico’, para se adaptar às exigências do tempo. E como em qualquer latitude a assertiva de que ‘não se mexe em time que está ganhando’ é válida, mudança é resposta a um sinal vermelho.


Para Le Figaro, esse sinal foi a queda nas vendas. O jornal que chegou às bancas a partir da segunda-feira (3/10) tem novo look para reconquistar os 2,41% de leitores que perdeu nos últimos meses. E aposta nos novos leitores que virá a ganhar. Mas, paradoxo, apesar da queda das vendas, voltou a ser o jornal francês mais lido, com circulação diária de 326.690 exemplares. Tudo porque seu rival Le Monde perdeu um pouco mais, 3,94% de leitores, passando ao segundo lugar, com 324.401 exemplares diários vendidos na França.


A chegada ao mercado francês de jornais gratuitos como Métro e 24 heures, distribuídos nas estações de metrô e nos pontos de ônibus, além da expansão da internet, explicam a crise na imprensa escrita, que se revela na queda das vendas e na diminuição das verbas publicitárias.


Jornal mais antigo da França, o Figaro, fundado em 1826 como semanário e transformado em diário em 1830, passou por uma repaginação total. Mudou o formato, tornando-se um pouco menor – verdade que ele era grande demais –, mas não aderiu ao tamanho berlinês do Le Monde, a meio caminho entre os tablóides e o formato tradicional. Como bom representante da direita francesa, Le Figaro inova, mas não faz propriamente uma revolução.


Gide, Proust e Zola


De maneira geral, o jornal ficou mais limpo e mais distinto, com seu título inscrito sobre fundo azul com destaque para a famosa máxima de Beaumarchais: ‘Sans la liberté de blâmer, il n’est point d’éloge flatteur’ (em tradução livre, ‘sem liberdade de criticar nenhum elogio tem valor’).


A maior novidade da reforma foi a criação dos suplementos, pois o jornal misturava num só caderno política, assuntos gerais e cultura. Agora, tem um caderno de cultura e art de vivre, Le Figaro et vous, e um tablóide semanal de empregos chamado Le Figaro entreprises et emploi. Além disso, o jornal mantém o tradicional suplemento cor de salmão para assuntos econômicos, Le Figaro économie, e o Figaro Magazine, a tradicional revista do fim de semana.


Le Figaro pertence desde março do ano passado ao magnata da indústria bélica Serge Dassault, filho do falecido capitão de indústria Marcel Dassault. Aos 80 anos, o fabricante de aviões e de armamentos resolveu comprar 80% da Socpresse, empresa holding do Le Figaro e da revista L’Express, além de dezenas de outros jornais regionais. Queria ser ‘patron de presse’, posição que lhe daria mais prestígio e muito mais poder.


Logo de início, o velho Serge começou a querer mudar o jornal. Disse que o diário precisava ‘se adaptar aos novos tempos’ e passou a escrever artigos. Os jornalistas do Figaro não gostaram nem um pouco da intromissão de um estranho no métier, ainda que sócio majoritário. Depois de manifestarem seu repúdio por escrito e em reuniões da sociedade de redatores às investidas de Dassault na redação, os jornalistas do Figaro conseguiram calá-lo: ele prometeu não mais escrever no jornal em que André Gide, Marcel Proust e Émile Zola publicaram com certa regularidade.


A tsunami continua


Le Monde, em preparativos finais para a nova versão que chegará às bancas no dia 7 de novembro, diz – pela boca de Eric Fottorino, responsável pelo novo projeto gráfico – que não teme a comparação com seu principal rival. ‘Le Figaro faz um jornal total, nós fazemos um jornal essencial. Le Monde deve continuar a ser o jornal de referência’, afirma Fottorino.


Enquanto isso, na redação de Libération, que perdeu nos últimos 12 meses o equivalente a 9,8% de seus leitores e apresenta déficit de 7 milhões de euros, a situação é de insegurança. Os prejuízos do jornal criam um clima difícil e há boatos de que o novo acionista majoritário, Edouard de Rothschild (38,8% do capital), pode vir a aumentar sua participação na empresa, que prepara mudanças para o início de 2006. Espera-se uma reestruturação das redações do jornal online e do jornal impresso, o que levaria à demissão de cerca de 80 jornalistas.


A luta dos jornais franceses para se adaptarem aos novos tempos da notícia instantânea na internet é a mesma que se vê do outro lado do Atlântico. O grupo New York Times Co. anunciou há poucos dias a supressão de 500 empregos – o que significa que 4% dos jornalistas do New York Times, do International Herald Tribune e do Boston Globe, entre outros jornais regionais do grupo, devem ficar desempregados.


A tsunami causada pela internet ainda não parou de agitar as águas do jornalismo.

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Jornalista