Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mais liberdade, mais perigo

A mídia dos países em desenvolvimento vive uma fase de liberdade de expressão sem precedentes, o que tem exposto mais jornalistas em perigo por desagradarem a poderosos, mostra reportagem da revista Economist [16/12/04]. Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, desde 1992, 625 profissionais de imprensa morreram no exercício de sua profissão. Alguns deles caíram ao cobrir conflitos armados, mas a maioria foi vítima de gente que não gostou de algo que publicaram.

De acordo com dados do Comitê de Proteção dos Jornalistas, entre 1994 e 2003, algo em torno de 75% das mortes devem ter tido este tipo de motivação. Em apenas 10%, os perpetradores foram parar no banco dos réus. Não há dados precisos sobre os anos 80, mas isso se deve provavelmente ao fato de que muito menos jornalistas morriam em exercício naquela época, já que a repressão que sofriam fazia com que não contrariassem tantos interesses.

Agressividade

O jornal nigeriano Punch (‘soco’ em inglês) ilustra bem essa evolução. Ele faz sucesso com reportagens agressivas, assim como vários de seus concorrentes locais. No dia 18/10 deste ano, por exemplo, trazia uma matéria sobre uma fraude cometida por 79 bancos, outra sobre o julgamento de funcionários da marinha que haviam permitido a evasão de um navio de contrabando de petróleo e uma carta do novelista Chinua Achebe denunciando que seu estado, Anambra, estava se transformando em um caos porque um bando de ‘renegados’ que ostentam conexões com figuras poderosas o estava afundando num mar de corrupção.

Há uma década, o Punch não tinha esse tipo de conteúdo. Para ser exato, 10 anos atrás ele não tinha conteúdo algum, pois havia sido fechado pela polícia. O governo estava sob controle de Sani Abacha, ditador sanguinário que só sairia do poder em 1998, graças a um enfarte durante uma festinha com prostitutas. A instituição de um regime democrático possibilitou o florescimento da imprensa independente. Hoje, a Nigéria possui mais de 100 jornais e revistas nacionais, além de 30 rádios privadas.

No meio do caminho

Processo semelhante aconteceu em muitos países subdesenvolvidos após o esfacelamento da União Soviética. Capitalistas internacionais que antes financiavam ditaduras anticomunistas passaram a exigir reformas democráticas. Mas, é claro, nem tudo é um mar de rosas. Dos ex-integrantes do bloco comunista, poucos se converteram em democracias legítimas, onde a liberdade de expressão é uma realidade concreta – caso da República Tcheca e da Lituânia. A maioria está no meio do caminho entre o antigo regime controlador e um possível futuro de livre expressão. Os russos, por exemplo, têm hoje fontes de informação mais diversificadas que durante o período soviético. No entanto, o presidente Vladimir Putin conseguiu estabelecer um controle informal sobre as principais redes de televisão que torna impossível dizer que a Rússia tem uma mídia livre. Ainda assim, hoje são em menor número os países em estado de repressão total – casos de Cuba, Coréia do Norte e Turcomenistão.

Mesmo na China acontece um processo de abertura, mesmo que lento. As reformas econômicas que vêm sendo implantadas pelo Partido Comunista têm trazido sopros de liberdade para a imprensa. Hoje, os jornais já podem denunciar corrupção praticada por autoridades locais, mas críticas ao governo central ainda são tabu. Segundo reportagem do South China Morning Post [14/12/04], o governo chinês forçou recentemente a saída dos editores de dois dos mais importantes jornais do país. No começo do mês, o editor-chefe do Diário da Juventude da China foi substituído. O jornal, controlado pela Liga da Juventude do Partido Comunista, grupo que dá poder ao presidente Hu Jintao, vinha denunciando a corrupção de autoridades de forma muito agressiva. Alguns dias depois, o semanário Xin Zhou Bao, que existia há menos de dois meses, foi suspenso por três semanas. O governo ordenou que seu editor-chefe fosse trocado e, ainda assim, não há garantia de que voltará a ser publicado.

Até os ricos

Nos países ricos também existem problemas. Na Inglaterra, há leis de difamação muito punitivas para a imprensa. No Japão, é praxe entre as autoridades só dar informações a jornalistas que façam parte dos ‘clubes de imprensa’, espécie de associações de profissionais que cobrem determinados setores. Isso dificulta a vida de correspondentes estrangeiros, por exemplo, que, por cobrirem assuntos diversos, teriam de se afiliar a inúmeras agremiações desse tipo. A região em que a repressão à imprensa é mais uniforme é o Oriente Médio. Mas mesmo ali regimes como os da Arábia Saudita se mostram incapazes de conter totalmente o acesso à internet e a canais de notícia via satélite, como Al-Jazira e Al Arabiya.

Acesso precário

O progresso da tecnologia tem ajudado muito no acesso da população à informação. Um transmissor de rádio com alcance de 1,5 quilômetro hoje custa a partir de US$ 2 mil. Com US$ 20 mil é possível montar uma estação de rádio que pode ser ouvida a até 100 quilômetros de distância. A disseminação do rádio à corda também é um fator importante nas regiões mais miseráveis do mundo. Para o cidadão ocidental urbano é difícil imaginar que ainda há milhões de pessoas cujo único contato com o mundo é um rádio, e que, para elas, é difícil comprar pilhas. A pobreza é um grande limitador do acesso à informação e da ampliação da liberdade de expressão no mundo subdesenvolvido. Em Guiné, por exemplo, é comum jornaleiros alugarem os diários em vez de vendê-los, porque muitas pessoas não têm dinheiro para comprar jornal todo dia. Até 30 pessoas podem fazer uso da mesma cópia, o que sem dúvida é lucrativo para o vendedor – ou locatário – do jornal, mas não para quem o edita.