Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Mais um jornalista seqüestrado

A voz do homem é tomada por uma tensão que não consegue dominar. Sua fala é um pouco mais que um sopro, trêmula e distante, apenas audível: ‘Sou Gabriele Torsello’. Estas três palavras permitem saber de quem se trata e a pessoa que atendeu à chamada telefônica, com a mão, faz sinal para que todos fiquem em silêncio. São 11 da manhã de quinta-feira, dia 19, e todos na sala da Pajhwok Afghan News, a agência de notícias afegã financiada pelo governo americano, chegam para perto do aparelho. ‘Shsst, é o italiano raptado’, sussurra o que está com o telefone e o coloca em viva-voz. Então, pode-se ouvir:

‘Faço um apelo a todos os meus colegas jornalistas para que me ajudem a sair desse pesadelo. Sou continuamente ameaçado e sob uma pressão que não consigo mais suportar. Repetem que sou um espião e que os ingleses bombardearam as cidades de Musa Qala e Nawzad com base em minhas informações. Não é absolutamente verdade, mas eles não acreditam. Não tenho a mínima idéia de onde estou. Logo depois do seqüestro me vendaram para que não soubesse onde estava indo.’

A transmissão foi interrompida e no lugar do seqüestrado começou a falar alguém com forte sotaque, mas com firmeza de voz que faz crer seja o chefe do bando, que ameaçou: ‘Reiteramos nossas exigências para liberar o italiano. A primeira: entregar o infiel Abdul Rahman [afegão convertido ao cristianismo que se refugiou na Itália] para que a corte islâmica possa processá-lo. Segundo: a retirada imediata de todos os soldados italianos de nosso país. Caso contrário, o jornalista será morto quando vencer o ultimato’. As exigências não podem ser de forma alguma atendidas pelo governa italiano, e a data final seria domingo (22) à meia-noite, quando terminava o Ramadã.

É o terceiro jornalista italiano seqüestrado no eixo Irã-Afeganistão. O primeiro, Enzo Baldoni, em agosto de 2004, foi sumariamente assassinado; em 2005, foi a jornalista Giuliana Sgrena, do Il Manifesto. Foi libertada, mas quando estava sendo levada ao aeroporto para embarcar de volta à Itália, o carro que a transportava foi atingido por disparos de soldados estadunidenses, morrendo um agente italiano.

Gabriele Torsello é fotografo freelance que vive em Londres, mas fotografa em toda parte, na Albânia, na Líbia ou na Caxemira – de onde tem até um livro publicado sob patrocínio da Anistia Internacional (The heart of Kashmir). Tem 34 anos. No dia 15, todos os jornais italianos publicaram na primeira página a notícia de seu seqüestro, ao que tudo indica, acontecido três dias antes. Ao hospital Emergency (associação humanitária que cuida da reabilitação de vítimas de guerra) chegou a informação de um talibã: ‘Pegamos o estrangeiro porque pensamos que seja um espião’.

‘Um simples freelance’

Torsello tinha partido para Cabul para fazer fotos e vender algum trabalho, pois estava sem dinheiro. Estava numa das áreas mais ‘quentes’ do país. Pegou um ônibus acompanhado de um intérprete afegão, a quem coube contar que foram parados e cinco homens entraram no veículo, levando Torsello à força.

Já se passaram 15 dias do seqüestro e tudo está muito confuso, ninguém sabe ao certo o que está acontecendo. Grupos religiosos dizem nada ter a ver com o fato, outros assumem a autoria, dizendo não querer dinheiro, mas que sejam atendidas exigências. Alguns observadores acham que essas dificuldades são uma forma de aumentar o valor do resgate. Outros atribuem a autoria a um grupo religioso associado a produtores de ópio.

Pais e irmãs da vítima, a mulher e um filho de 4 anos fazem apelos diários. Dia a dia o assunto vai perdendo o interesse e está na perigosa fase da banalização. O assunto, que ocupava as primeiras páginas e duas internas, na sexta-feira (27/10) mereceu somente uma nota: a família pede à liga de futebol que lance nos estádios um apelo pela libertação do fotógrafo. O deputado Giuseppe Giuletti declarou o que ninguém tinha coragem de dizer, mas que é a triste realidade: ‘Tenho a sensação de que Torsello está sendo considerado um refém classe B, pois é um simples freelance.’

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Jornalista