Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

O Estado de S. Paulo

PROFISSÃO PERIGO
João Paulo Charleaux

‘A livre expressão está sob ataque’

Entrevista – Alejandro Aguirre, presidente da SIP

O ano de 2010 já é um dos mais violentos para a imprensa em todo o mundo. Mas o mais assustador é que quase metade das 133 mortes de jornalistas registradas no ano ocorreram em países que não estão em guerra. Na América Latina, o líder é o México – foram 11 assassinatos desde janeiro. Para tentar frear esta ameaça, os membros da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) estão reunidos desde sexta-feira em Mérida, no México. O presidente da organização, Alejandro Aguirre, disse ao Estado que as ameaças à liberdade de expressão não estão restritas aos casos de violência. Para ele, governos da região também passaram a atacar duramente a liberdade de imprensa. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O que fazer para evitar que os jornalistas convertam-se em alvo?

Precisamos primeiro avisar o mundo sobre o que está nos acontecendo. Depois, é preciso saber que o crime organizado tem tentáculos em diversos países e, portanto, só poder ser combatido com uma abordagem internacional. Mas, apesar dos riscos, não podemos deixar de informar, ainda que tenhamos de usar estratégias como as matérias sem assinatura do repórter e as coberturas coordenadas entre diversos meios de comunicação (pool). Nada disso extingue os riscos, mas pode minimizá-los.

Por que a SIP dá grande destaque às mortes de jornalistas no México, mas não tanto em Honduras?

Não importa a razão pela qual os jornalistas estejam sendo assassinados. Em ambos os contextos, o propósito é sempre calar o mensageiro.

Há outras ameaças à liberdade de imprensa, além da violência?

Eu divido as ameaças de hoje em três grupos. O primeiro é o caso cubano, onde existe uma ditadura totalitária e não há imprensa livre, apenas blogs de pessoas que se escondem para escrever. Trata-se do caso mais dramático. Eu tenho 50 anos e, quando nasci, já não havia liberdade em Cuba. O segundo grupo está ocupado por países cujos governos tiveram origem democrática, mas, aos poucos, foram se alinhando fora da democracia. Estes são os países da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba). Basta dizer que o líder desse grupo (o presidente venezuelano, Hugo Chávez), se diz seguidor da Revolução Cubana. O terceiro grupo é onde existe o caso mais evidente e extremo de ataque à liberdade de imprensa, que é a eliminação física do jornalista.

Os governos que o sr. menciona dizem que há uma diferença fundamental entre defender a liberdade de expressão e a liberdade econômica dos grandes meios privados de comunicação.

Atentar contra os meios privados de comunicação é atentar contra a liberdade de expressão. Não há a menor dúvida disso. Mas a questão é ainda mais profunda porque muitos desses governos estão fazendo leis que controlam o fornecimento de papel – como na Argentina, por exemplo – sob pretexto de promover uma regulação econômica, quando, no fundo, querem minar justamente os jornais que são mais críticos e fiscalizadores do poder público. O que eles querem, no fundo, é submeter os meios de comunicação à vontade do Estado, aplainando os antagonismos e calando qualquer voz contrária.

Como o Brasil aparece nesse quadro mais amplo?

Há tentativas de controlar o trabalho da imprensa. Pessoalmente, acho que quando a liberdade de expressão é limitada, abre-se caminho para que venha, em seguida, um regime que reduza outras liberdades também. Penso que quanto menor a regulação do setor, melhor. Hoje, com a internet, qualquer cidadão pode protestar ou responder a algo que considere incorreto ou agressivo, escrevendo num blog, por exemplo. Não é preciso que haja intervenção estatal. Os erros que os meios de comunicação possam cometer são parte da sociedade democrática. Para corrigir os erros, é preciso que haja mais liberdade, não mais controle do governo. Fazer o contrário é um erro fatal para a democracia.

 

Sob pressão, México cria comitê para proteção da imprensa

Os cartéis mexicanos elegeram a imprensa como alvo e, desde janeiro, já mataram 11 repórteres que se dedicavam a investigar o tráfico de drogas e o envolvimento de autoridades com o crime organizado. Nos últimos dez anos, 65 jornalistas foram mortos no país, 12 estão desaparecidos e 17 meios de comunicação sofreram atentados.

A violência contra a imprensa no México fez com que a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) elegesse o país como local para sua assembleia ordinária de 2010.

Mas, antes mesmo de as reuniões começarem, o governo mexicano anunciou a assinatura de um acordo com a Comissão Nacional de Direitos Humanos para criar um comitê – formado por membros de diversos ministérios e representantes dos órgãos de imprensa – responsável por elaborar mecanismos capazes de reduzir os riscos para os jornalistas que cobrem o crime organizado, além de punir os responsáveis pelos atentados, assassinatos e desaparecimentos no México.

O próprio presidente mexicano, Felipe Calderón, foi convidado pela SIP para participar do evento. Além dele, o presidente de Honduras, Porfirio Pepe Lobo, também era aguardado na cidade de Mérida, no Estado mexicano de Yucatán.

Esforço conjunto. A SIP elogiou a medida anunciada esta semana por Calderón, mas lembrou que o crime organizado ‘tem tentáculos que se estendem além da fronteira, alimentando-se de armas e recursos vindos dos Estados Unidos’, como disse ao Estado o presidente da SIP, Alejandro Aguirre.

A SIP também condenou o assassinato do jornalista brasileiro José Rubem Pontes de Souza, de 39 anos, baleado por um desconhecido a bordo de um automóvel na cidade de Paraíba do Sul. No dia 18, outro jornalista brasileiro, Francisco Gomes de Medeiros, foi morto no Estado do Rio Grande do Norte.

 

CUBA
Rodrigo Cavalheiro

‘Levo o nome de quem quis me matar’

Até a adolescência, o orgulho pelo próprio nome o levou a repetir com ânimo redobrado o bordão ensinado na escola: ‘Pioneiros pelo comunismo, seremos como o Che!’ Fidel Suárez Cruz nasceu em 13 de novembro de 1970 em Manuel Lazo, localidade de 8 mil habitantes ao norte de Havana. Depois do serviço militar, voltou ao povoado natal, onde se tornou agricultor, pescador e dissidente.

Em 19 de março de 2003, quando seu filho tinha 14 dias, foi detido na chamada Primavera Negra, onda de repressão que levou 75 dissidentes à prisão por ordem de seu xará. Em 7 de julho deste ano, depois da morte por greve de fome do preso Orlando Zapata, dos 135 dias de jejum do oposicionista Guillermo Fariñas e das marchas das Damas de Branco, o governo cubano fez um acordo com a Igreja e Madri: prometeu soltar em quatro meses os 52 dissidentes ainda encarcerados. O prazo termina hoje.

Manco da perna direita, com a visão turva e duas vértebras lesionadas, Suárez chegou há um mês com a família ao Welcome, albergue no bairro operário de Vallecas, em Madri. Na Espanha, estão 37 dos 39 dissidentes soltos pelo regime castrista – um está no Chile e outro nos EUA. Os 13 restantes se negam a sair da ilha.

‘Sei que a luta se ganha dentro de Cuba. Por isso, quando coloquei o pé naquele avião fiquei vazio. Aceitei sair por causa da minha família’, diz Suárez, abraçado a Jeferson, o menino que urinou na cama durante os 7 anos e 6 meses em que o pai ficou preso. Quem relata os traumas da criança é Anileys Puentes, mulher de Suárez. Ela era uma das Damas de Branco que aos domingos caminhavam e apanhavam pela libertação dos maridos (mais informações nesta página). Suas marchas seguem. Mas tanto as damas quanto os dissidentes dizem ter perdido voz após as libertações em série e as medidas econômicas anunciadas recentemente por Raúl Castro.

‘O desinteresse por nós é natural, pois já não somos novidade. Notícia é o homem morder um cachorro, não o contrário’, afirma o engenheiro Miguel Galván Gutiérrez, de 45 anos, vizinho de Suárez tanto no albergue quanto atrás das grades. Ambos estiveram em Aguica, prisão de pior reputação em Cuba. Ali, uma placa adverte na entrada: ‘Você chegou a Aguica. Se não se orienta, nós lhe orientaremos.’

Na penitenciária, as celas têm 6 m². Dorme-se em blocos de concreto, sobre os quais repousam colchões com 3 cm de espessura.

Detentos mais rebeldes, que se recusem a deitar sobre eles, são erguidos pelos braços e pernas e, então, soltos. Suárez atribui a este castigo, repetido 19 vezes, a lesão na coluna que o obriga a dormir em posição fetal.

Em Aguica, contam seus ex-hóspedes, um buraco na cela conhecido como ‘turco’ faz as vezes de vaso sanitário. O piso da cela fica em um nível mais baixo que o do corredor, onde uma claraboia de 1,5 m por 50 cm deixa entrar luz e, eventualmente, água. Em dias de tempestade, a cela é alagada e o ‘turco’ deixa de ser um buraco. Se chove pouco, o preso seca o chão com um trapo. ‘Se a chuva durasse semanas, ficávamos ilhados sobre a cama’, acrescenta Suárez. Ele foi condenado a 20 anos dois dias após sua prisão, sob acusação de ‘difundir notícias falsas, receber dinheiro do estrangeiro e se expressar contra o regime’.

Entre os parentes dos nove dissidentes que ainda estão no Welcome, são comuns críticas às três refeições pagas pelo governo espanhol. A comida está sempre fria e falta arroz com feijão, reclamam. ‘Para mim está boa. Há um mês estava comendo pedra’, exagera Suárez, para logo precisar: ‘Era normal a comida ter ‘gusanos’ (expressão do espanhol que designa tanto vermes como oposicionistas cubanos).’

Em Aguica, os presos têm 25 minutos de visita a cada dois meses e uma visita íntima de três horas a cada cinco meses. Por indisciplina, Suárez passou várias vezes pela solitária e teve os benefícios cortados pela metade.

Suárez conta suas histórias com o vocabulário de quem lia bastante na prisão. Normalmente sussurra, como se ainda fosse vigiado. Sobe o tom apenas quando fala de mudanças em Cuba. ‘A nossa libertação não é sinal de abertura. É uma estratégia dos Castros para diminuir a pressão externa e fazer o regime ganhar um ar. É mais fácil que o regime mude se cair o (presidente venezuelano Hugo) Chávez do que com uma revolta interna organizada’, diz Suárez.

A coesão não caracteriza os dissidentes. Houve brigas sobre a forma de pressionar a União Europeia a manter uma posição unificada contra Cuba – a Espanha faz esforço no sentido contrário. Alguns oposicionistas não se falam e outros simplesmente não falam – querem ser pagos por entrevistas. O que une o grupo, aparentemente, é a disposição de ir para os EUA. A embaixada americana em Madri entrevistou a maioria e apenas cinco preferem a Europa. Em geral, querem voltar à oposição e pensam que na Europa são ‘mais um’. Perderam visibilidade.

‘Lá nos EUA tenho família e contatos para seguir lutando. Há instituições que nos mandam dinheiro e nos ajudariam’, afirma Suárez, um autointitulado ‘direitista não radical’ que deixou de ‘querer ser como o Che’ ao questionar detenções temporárias e interrogatórios de amigos em Manuel Lazo. ‘Quando entrei para a oposição, cheguei a decidir que trocaria de nome. Tive muito ódio. É o nome do homem que quase me matou.’

 

HISTÓRIA
Jacqueline Trescott, The Washington Post

O primeiro fotógrafo de guerra

Em 1860, Mathew Brady era um dos fotógrafos mais conhecidos no mundo. Seu livro, Galeria de Americanos Ilustres, publicado dez anos antes, lhe trouxe fama. Entre aqueles que, no seu estúdio, sentaram-se e olharam de frente para sua grande caixa sobre o tripé de madeira, estão Daniel Webster, Edgar Allan Poe e Henry Clay.

Assim, quando os republicanos quiseram uma imagem perfeita do candidato à presidência Abraham Lincoln, o levaram ao estúdio de Mathew Brady, na Broadway, em Nova York. O fotógrafo olhou para aquele homem alto, desalinhado, com o rosto barbeado, ar austero. Levantou o colarinho da sua camisa para o pescoço não parecer tão longo. Penteou seu cabelo e colocou sua mão sobre o livro. Mais tarde, quando revelou a foto, Brady retocou-a de modo que as linhas do rosto de Lincoln não parecessem tão rudes.

Mathew Brady produziu, então, uma foto extraordinária. Nessa época, muitos americanos não tinham uma imagem de Lincoln e seus oponentes o retratavam como um selvagem homem das fronteiras. Mas ali estava ele: extremamente alto, ereto, um cavalheiro imponente numa longa sobrecasaca.

A fotografia foi usada em gravuras e publicada em grandes revistas da época, como Harper’s Weekly e Illustrated Newspaper, de Frank Leslie. E também nos buttons de campanha.

No mesmo dia em que foi fotografado por Brady – 27 de fevereiro de 1860 – Lincoln deu um de seus mais importantes discursos, sobre a Cooper Union. Proferiu sete mil palavras para uma plateia de empresários, ministros, estudiosos e jornalistas. O discurso foi reproduzido nas capas dos jornais do dia seguinte. Numa entrevista anos depois, muito consciente do seu papel na História, o fotógrafo repetiu que Lincoln por várias vezes falou sobre a confluência: ‘Brady e o Instituto Cooper fizeram-me presidente.’

Mathew Brady nasceu no Condado de Warren, no Estado de Nova York, em 1823. Na cidade de Nova York, ainda jovem, ele estudou fotografia com Samuel Morse (além de ter inventado o código Morse, Samuel teria também trazido o processo do daguerreótipo da França para os Estados Unidos).

Estúdio. Quando Brady conheceu os daguerreótipos nos anos 1840, a fotografia ainda era uma forma de arte nova e uma atividade extremamente incerta, numa época em que muitos jornais dependiam de desenhos. No entanto, abriu seu estúdio de fotografia em 1844. E no ano seguinte ganhou um concurso nacional pelo melhores daguerreótipos coloridos e os melhores planos.

Ele operava seu estúdio como um ateliê de pintor, atribuindo várias tarefas a colegas e aprendizes. O pessoal do estúdio operava as câmeras depois que Brady fazia as fotos, prática que ele adotou por causa de um problema de vista que o atormentava desde a infância.

Eles ficaram especialistas em conferir personalidade às imagens das fotos, muito à maneira dos pintores de retratos. A arte de Brady ficou ainda mais conhecida graças ao modo como promoveu seu trabalho. Como era costume na época, as fotografias feitas em estúdio eram reimpressas em cartões, os chamados ‘cartões de visita’, tornando seu trabalho bastante acessível.

‘Mathew Brady criou reputação por causa da sua qualidade e suas habilidades de marketing’, disse Ann Shumard, curadora da seção de fotografias da National Portrait Galery. ‘Foi um ótimo promotor do seu trabalho e suas fotos podiam ser reproduzidas. Ele as adaptava aos novos tempos.’

Edward McCarter, que supervisiona o arquivo de imagens e fotos do Arquivo Nacional, concorda. ‘Mathew Brady foi o mais conhecido empreendedor da época’, declarou. ‘Você pode discutir se ele era o melhor fotógrafo.’

Washington. Em 1858, o fotógrafo abriu um segundo estúdio na Pennsylvania Avenue, em Washington, próximo da atual localização do Arquivo Nacional. Ele chegou à cidade querendo se aproximar ao máximo dos detentores do poder na época. E fotografou personalidades como John Quincy Adams, Dolley Madison, Washington Irving, James Fenimore Cooper, Jenny Lind, Sojourner Truth, Thomas J. ‘Stonewall’ Jackson, William Cullen Bryant, Jefferson Davis, Ulysses S. Grant e Robert E. Lee. Chegou até a fotografar o ator Edwin Booth e o irmão dele John Wilkes Booth.

O interesse de Brady em documentar os notáveis da época ofuscou a arte de pintar retratos de personalidades.

‘Desde o início, encarei como obrigação para com o meu país preservar os rostos de mães e homens históricos’, disse ele numa entrevista em 1891 ao New York World.

Os historiadores acham que a entrevista, uma das raras concedidas por Brady, foi bastante exagerada. Ela inclui uma descrição do fotógrafo idoso: ‘O sr. Brady é uma figura esbelta, enxuta, ombros quadrados, com um sorriso iluminado.’

Quando a Guerra Civil Americana teve início, em 1861, ele decidiu trabalhar fora do estúdio. Como foi o primeiro fotógrafo a ir para o campo de batalha e documentar o que encontrou ali, é considerado o pai do fotojornalismo moderno. Mais tarde, atribuiu sua decisão ao destino.

Ao retornar da primeira batalha de Bull Run, Brady relembrou: ‘Minha mulher e meus amigos mais conservadores não gostaram do meu abandono da atividade comercial para me tornar um correspondente fotográfico da guerra e só posso dizer que o destino é que me venceu e, como Euphorion, senti que devia ir.’

Brady quis estabelecer seu legado desde o início, em alguns casos inserindo-se nas fotos de guerra, no estúdio. ‘Ele é um soldado capturado em Gettysburg’, contou Carol Johnson, curador do departamento de fotografias que são parte da coleção de fotos da Guerra Civil Americana da Biblioteca do Congresso. Carol disse que seus funcionários de vez em quando encontram o fotógrafo nas imagens, particularmente quando elas são digitalizadas.

História. Brady percebeu cedo que as fotos não eram somente lembranças, mas notas de rodapé para a História.

Em 1862, exibiu na sua galeria em Nova York horríveis registros de batalha fotografados por seus colegas Alexander Gardner e James Gibson. As imagens de cadáveres após a Batalha de Antietam horrorizaram os espectadores e galvanizaram o movimento contra o conflito.

Após a guerra, a demanda pelo trabalho do fotógrafo diminuiu. A fotografia estava mudando rapidamente, novas técnicas e equipamentos surgiram e o público não estava mais interessado em imagens da Guerra Civil, pelas quais ele era mais conhecido. Promotor hábil, mas empresário incapaz, Brady investiu grande parte de seu capital na cobertura da guerra. No final, viu-se financeiramente arruinado.

Nos últimos meses de 1864 , ele passou a vender seus ativos, incluindo sua participação na galeria em Washington. Processou seu sócio quando ele pediu falência em 1868, depois a adquiriu novamente num leilão. Mas seus negócios continuaram numa espiral de queda.

Falência. Os tribunais americanos o declararam falido em 1873 e em 1875 seus estúdios em Nova York foram fechados. Brady encaminhou uma petição ao Congresso, pedindo para que a Casa comprasse sua coleção, o que foi feito pelo valor de US$ 25 mil, ainda em 1875.

Apesar de seus contatos políticos, o fotógrafo não conseguiu realizar a galeria dos grandes americanos – usando seu trabalho como fonte importante – que havia iniciado.

Seu último endereço em Washington foi no 484 da Maryland Avenue.

Brady morreu como indigente em Nova York, em 15 de janeiro de 1896. Seu funeral foi pago por amigos e uma associação de veteranos da guerra. Foi enterrado no cemitério do Congresso, em Washington.

Legado. Hoje, a capital americana é o epicentro de todo o conhecimento fotográfico de Brady. O Arquivo Nacional, a Biblioteca do Congresso e a National Portrait Gallery – onde seus trabalhos estão em exposição permanente – abrigam milhares de fotografias que sobreviveram por mais de 150 anos. No conjunto, fornecem um vislumbre obsessivo da cidade e seus campos de batalha vizinhos durante a Guerra Civil e uma história instrutiva do início da fotografia.

A sessão profética com Abraham Lincoln continua o ponto de partida capital para o estudo de Brady e a Guerra Civil. Mesmo naquela época, cópias da foto eram escassas e se tornaram artigos de coleção.

Numa carta escrita em 7 de abril de 1860 para uma pessoa solicitando a imagem, Lincoln afirmou: ‘Não tenho uma única foto no momento; mas acho que você poderia conseguir uma facilmente em Nova York. Quando estive lá, fui levado a um dos lugares onde eles fazem essas coisas e acho que eles pegaram a minha sombra. Atenciosamente, A. Lincoln.’ / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

 

TECNOLOGIA
Renato Cruz

A onda dos tablets chega ao Brasil

O iPad é um equipamento que mudou o jogo. Mesmo sem fazer chamadas, apagou a divisão entre os mercados de celulares inteligentes e computadores portáteis. A Apple faz mistério sobre o lançamento do equipamento no País, mas o mercado torce para que seja ainda este ano. Faz uns meses que o iPad foi homologado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Com sua tela grande sensível ao toque, o iPad definiu uma nova categoria de produtos, e os concorrentes começam a chegar ao mercado. Por enquanto, a Samsung foi a única a anunciar o lançamento de seu tablet, chamado Galaxy Tab, no País. Ele vai se juntar a algumas dezenas de milhares de iPads trazidos do exterior por brasileiros.

‘Já começamos a produção no Brasil’, disse Hamilton Yoshida, diretor da Samsung. A empresa está fabricando o produto em sua fábrica de Campinas. Com tela de sete polegadas, o modelo lançado por aqui tem recepção de TV analógica e digital, recurso que não está presente nos tablets de outros fabricantes. O preço sugerido é de R$ 2.699.

A Samsung planeja vender 1 milhão de tablets no mundo até o fim do ano, segundo o Financial Times. Shin Jong-kyun, presidente da divisão móvel da Samsung, disse ao jornal britânico que a empresa prepara dispositivos com diversos tamanhos de tela, ‘entre sete e dez polegadas e até maiores’. No terceiro trimestre, a Apple anunciou vendas de 4,2 milhões de iPads, que tem tela de 9,7 polegadas.

As operadoras brasileiras de celular esperam ter, até o fim do ano, pelo menos o Galaxy Tab e o iPad para oferecer a seus clientes. Novos modelos devem chegar no começo do ano que vem. A Huawei e a ZTE, fabricantes chinesas de equipamentos de telecomunicações, negociam trazer para o País os seus tablets, que estão em processo de homologação na Anatel.

A Dell, fabricante americana de computadores, deve apresentar o seu aparelho ao mercado local na terça-feira, em evento com a presença de Steven Felice, presidente global da companhia para consumidor final e pequenas e médias empresas. A concorrente HP anunciou um tablet nos Estados Unidos, ainda sem previsão de chegar ao Brasil. A brasileira Positivo Informática também prepara o seu modelo.

Android. Com a exceção do iPad, que usa software da Apple, e do tablet da HP, que optou pelo Windows, da Microsoft, os equipamentos já anunciados adotaram o Android, sistema operacional do Google, desenvolvido para celulares.

‘Existem mais de 150 mil aplicativos’, disse Yoshida, da Samsung. Assim como o iPad roda os programas criados para o iPhone, os tablets Android tiram proveito do que foi desenvolvido para os celulares com o mesmo sistema operacional. ‘São de 5 mil a 8 mil aplicativos novos por semana’, explicou.

A ZTE prevê que seu tablet chegue ao mercado no primeiro trimestre. ‘A data é por questão dos prazos de homologação’, disse Eliandro Ávila, presidente da ZTE do Brasil. ‘Estamos negociando com as operadoras e com o varejo, e a aceitação está sendo enorme.’

Desafio. Os tablets devem competir principalmente com os netbooks, computadores portáteis de baixo custo. ‘O grande desafio é cair rápido de preço, para a faixa de R$ 800 a R$ 1 mil’, disse Roberto Guenzburger, diretor de segmentos da Oi. ‘Isso já deve acontecer no segundo trimestre do próximo ano.’

Marcelo Najnudel, gerente de marketing de terminais da Huawei, disse que, apesar de ainda não estar definido, seu produto terá o ‘menor preço de todos os tablets’.

Para Rafael Marquez, diretor da TIM Brasil, os tablets serão ‘a grande novidade para o Natal’. Na sua opinião, haverá uma divisão de mercado entre tablets e netbooks, da mesma forma que existem smartphones com telas sensíveis ao toque ou com teclados alfanuméricos. ‘Será mais ou menos o mesmo critério’, explicou Marquez.

Os tablets devem aumentar a demanda por serviços móveis de dados. Mas, com os poucos iPads que existem no Brasil, ainda é difícil para as operadoras saber qual será o comportamento do mercado. ‘A princípio, não entendemos que seja diferente do acesso em um computador’, afirmou Hilton Mendes, diretor da Vivo.

 

MONTEIRO LOBATO
João Ubaldo Ribeiro

Por que não reescrevem tudo?

De uns tempos para cá, não sei se me engano, começaram a proliferar normas destinadas a controlar nossa conduta individual. Falei em algumas aqui e cheguei a aventar a hipótese de que uma agência governamental, ou qualquer outra das muitas autoridades a que vivemos subordinados sem saber, venha a estabelecer normas para o uso do papel higiênico e garantir sua observação através da instalação de câmeras nos banheiros de uso público. Nos banheiros domésticos, imagino que seriam suficientes umas visitas incertas de inspetores com gazuas, para tentar flagrar os que se asseassem ilegalmente.

Não se trata somente de passatempo para burocratas entediados e sem mais o que fazer. Trata-se da convicção, que parece grassar truculentamente em toda parte, de que existe algo ‘certo’, cientificamente certo e, portanto, todos devem comportar-se dentro do certo. Se nas ciências físicas esse negócio de ‘certo’ já é olhado com um pé atrás, nas ciências humanas, que nunca puderam aspirar ao nível de objetividade daquelas, a existência do ‘certo’ é muito discutível, envolve necessariamente valores, valores que permeiam toda ação do homem e não são território da ciência e da objetividade.

Agora leio aqui nos jornais que a compulsão pelo certo acaba de atingir novo limite. Desta vez, por um parecer do Conselho Nacional de Educação, que opinou que o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, deve ser proibido nas escolas públicas, por se tratar de obra racista. Sei que, entre vocês, há leitores de Monteiro Lobato que acharam que não entenderam o que acabaram de ler. Mas é isso mesmo: não pode Caçadas de Pedrinho, porque é racista. Ou, por outra, pode, mas somente ‘quando o professor tiver a compreensão dos processos históricos que geram o racismo no Brasil’.

Eu não vou nem falar nos milhões de brasileiros de todas as idades e todas as gerações que viveram no mundo mágico criado por um dos maiores escritores universais, um gênio naquilo que fez melhor, motivo de orgulho para todos nós, Monteiro Lobato. Nem vou dedicar tempo a entender como é que foi que todos esses milhões, lendo, despreparados, livros racistas, não vieram mais tarde a abrigar preconceitos e ideias nocivas, instilados solertemente na consciência indefesa de crianças. Monteiro Lobato, com toda a certeza, tem tantos defensores quanto leitores, não precisa de mais uma defesa.

E que diabo é ‘compreensão dos processos históricos que geram o racismo no Brasil’? A compreensão ‘certa’? Qual é a compreensão certa de um fenômeno que gera até brigas ferozes entre seus estudiosos e participantes? Estará correta a visão que vê no racismo um fenômeno causado exatamente pela diferença de raças? Terá mais razão o que vê na escravidão um fenômeno basicamente econômico e só secundariamente racial? Quem resolveu isso? Qual a posição oficial do governo? O professor que orientar a leitura de Caçadas de Pedrinho terá que saber. Deus ajude as pobres crianças, torturadas com o que era antigamente somente um livro que as transportava para a fantasia, a aventura e o encantamento inocentes.

Agora, ao que parece, o correto é a leitura tutelada, orientada. Antigamente, a literatura infantil era liberdade, escape, território autônomo em que a imaginação do jovem, ainda não embotada pela experiência, o levava a uma felicidade mais tarde irreproduzível. Agora talvez se diga ‘você gostou disso, por aquilo; e não gostou disso, porque não é para gostar, está errado’. A boa literatura dá lições como consequência, não como objetivo. Deve-se ensinar a ler por prazer, de maneira desarmada e aberta – e não há como desconfiar dos clássicos como Lobato, os clássicos são clássicos porque são clássicos.

A literatura, como a vida, não é certinha. A ficção até que arruma os acontecimentos, lhes empresta enredos e sentidos que na vida real não têm. Mas, como a vida, a ficção mostra contradições, reflete dilemas, exibe defeitos, ilumina a existência humana. Quem entra num romance deve entrar sozinho, a viagem é individual e intransmissível. E até mesmo essa conversa de necessidade de contextualizar o livro é bem discutível. No meu tempo de menino, ninguém precisou contextualizar os livros de Tarzan para aceitar a África dele, assim como não se contextualizava Robin Hood, D’Artagnan, Jorge Amado, Érico Veríssimo ou quem lá fosse que aparecesse num romance, a contextualização era automática, vinha do bom texto.

Finalmente, em que medida os defeitos não são subjetivos, ou seja, não estão apenas na mente e na percepção de quem os aponta? Existirá um racismômetro? E, mais ainda, não haverá outras áreas sensíveis? Acho que a adoção de mais controles é decorrência lógica e questão de justiça. Temos por exemplo a antropologia ultrapassada de Euclides da Cunha, o tal que falou no ‘mestiço neurastênico do litoral’. É tão presente nele essa visão antropológica superada (além de ofensiva a grupos raciais; eu mesmo sou mestiço neurastênico do litoral e as mulheres sempre me discriminaram) que o melhor seria mandar um antropólogo correto e moderno reescrever Os Sertões, para quê o velho? Esperemos também alegações de violência contra mulheres (Barba-Azul), machismo (Bolinha), ódio a uma espécie em extinção (o lobo de Chapeuzinho Vermelho), exploração de deficientes verticais (os anões de Branca de Neve), apologia da bruxaria (a Bela Adormecida) e assim por diante. Olhando para trás, chego a ter um arrepio, em ver como escapamos por pouco de termos as personalidades deformadas pela leitura irresponsável dos clássicos, esses repositórios de traições, assassinatos, incestos, preconceitos, guerras, adultérios e tudo mais que o planejamento científico logo eliminará. Melhor por enquanto ficar longe deles e aguardar instruções das autoridades.

 

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