Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O feio da história foi o preconceito

Em sua coluna no New York Times de domingo [17/6/07], o novo ombudsman do diário, Clark Hoyt, contou a história de William Murphy, policial aposentado de Evansville, Wisconsin. Murphy foi baleado na cabeça, aos 13 anos, em um acidente de caça que lhe custou o olho direito. Em outro incidente, ele caiu numa estação policial quando estava a serviço, bateu a cabeça no chão e perdeu um dente. Aos 30, Murphy desenvolveu problemas cardíacos e, aos 40, teve de fazer um transplante de coração. Posteriormente, teve um pulmão removido.

No último domingo, o NYTimes publicou uma foto do policial aposentado e um novo problema surgiu em sua vida.

‘Sou o homem mais feio do planeta’

Recentemente, Murphy passou a concentrar sua energia em uma causa política: lutar contra a aprovação da lei de imigração que tramita no Senado dos EUA. Trabalhando na coalizão Grassfire, ele ligou para senadores e entregou petições de oposição à proposta de lei.

Foi a repórter Julia Preston quem entrou em contato com Murphy. Primeiramente, ela ligou para o Grassfire para falar com alguns ativistas e ele foi o mais articulado de todos. Posteriormente, ela perguntou ao policial aposentado se um fotógrafo poderia tirar uma foto sua. ‘Sou o homem mais feio do planeta’, respondeu ele. ‘Não tenho um de meus dentes’. Mesmo assim, a repórter enviou o fotógrafo. ‘Não temos um padrão de beleza no NYTimes e ele se expressou muito bem’, explicou ela.

No dia seguinte, o Senado fez um acordo entre os partidos para devolver o projeto à analise e continuar o debate – o que, na prática, congela qualquer possibilidade de aprovação da lei até 2008. Julia então ligou para Murphy, para saber de sua reação. ‘Pessoas comuns como eu levantaram a voz e colocaram um fim a esta situação’, disse ele, dando à repórter a citação que ela buscava.

Foco errado

Os editores de fotografia do jornal escolheram uma imagem de outro oponente à lei, Monique Thibodeaux, para estampar na primeira página. Para o interior do diário, foram selecionadas outras duas fotos: uma de senadores e líderes do Grassfire e outra de Murphy sorrindo. A blogosfera reagiu rapidamente, reproduzindo a foto do policial e o chamando de ‘redneck’, expressão pejorativa para classificar os brancos pobres que vivem nos sul dos EUA. Programas de rádio também comentaram o caso.

O ombudsman recebeu 1.267 e-mails reclamando da foto. Hoyt ligou para Murphy para saber o que ele achava do desdobramento do artigo. ‘Sinto pena do fotógrafo’, disse ele, rindo. ‘Se ele tirar a foto de um lado do meu rosto, não há dente. Se tirar do outro lado, não há olho. O que ele vai fazer?’. O policial aposentado explicou que costumava usar um olho artificial e dentadura. Desde que começou a tomar remédios após o transplante cardíaco, entretanto, ele não pôde mais usar as próteses porque passou a suar muito.

Espirituoso, Murphy lamentou que as pessoas estejam focando no debate sobre sua aparência, em vez de discutir a imigração. Para o ombudsman, todos os que reclamaram da fotografia de Murphy ou acusaram o diário de associar um indivíduo com ‘má aparência’ à não aprovação da lei devem a ele um grande pedido de desculpas.