Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O futuro incerto do PL 29

Não é novidade a tramitação tumultuada do PL 29/2007 na Câmara dos Deputados, um dos projetos mais controversos envolvendo o setor de telecomunicações, senão o mais polêmico. A proposta, que inicialmente visava apenas derrubar as barreiras legais para que as concessionárias de telefonia entrassem no mercado de TV a cabo, ganhou novo escopo ao longo dos três anos de discussão na Câmara dos Deputados e agora abrange também uma intricada política pública de fomento do audiovisual, que definitivamente não agrada a todos os segmentos afetados pelo projeto.


Nesta semana, um recurso foi apresentado pelo deputado Régis Oliveira (PSC-SP) para que o PL 29 seja votado também pelo Plenário da Casa. A manobra, articulada pela Sky e pela Associação Brasileira dos Programadores de Televisão por Assinatura (ABPTA), já era aguardada. Ainda assim, a apresentação do recurso com 113 assinaturas reacendeu as disputas políticas que envolvem a matéria e ainda causa muita confusão aos não familiarizados com as peculiaridades do rito regimental da Câmara dos Deputados.


A ala defensora do projeto já conseguiu convencer 39 deputados a retirarem suas assinaturas do recurso, que foi publicado na quinta-feira (27/5), com 74 signatários válidos. Mas esta publicação não significa que o destino do PL 29 está selado para ir a Plenário. Para que se possa entender o funcionamento do recurso, algumas regras regimentais precisam ser esclarecidas.


Confirmação


Um recurso nada mais é do que um instrumento classificado como ‘ordinário’ para que os deputados peçam uma análise do pleno de parlamentares. Ele não serve apenas para levar projetos terminativos (como o PL 29) para o Plenário. Dúvidas sobre a regra regimental na tramitação de um projeto, por exemplo, podem virar objeto de recurso ao pleno, onde a maioria dos deputados dá a palavra final sobre o assunto discordante.


Por ser uma matéria ordinária, o recurso também precisa cumprir o rito de qualquer matéria legislativa. Isso significa que, mesmo com o apoio de 74 deputados, a solicitação contida no recurso não tem efeito automático e precisa ser deliberada, como qualquer projeto ou requerimento, pelos deputados antes de ser realmente válido. Ou seja, as assinaturas valeram apenas para que o deputado Régis Oliveira pudesse entrar com o recurso, mas agora o pedido tem que ser votado no Plenário para que o PL 29 realmente passe pelo pleno.


A regra do recurso


Para um parlamentar apresentar um recurso são necessárias 52 assinaturas apoiando a iniciativa, o que corresponde a 10% do número de deputados mais um. Recursos sem o número mínimo de assinaturas sequer são recebidos pela Secretaria Geral da Mesa Diretora. No caso do pedido relacionado ao PL 29, Oliveira conseguiu mais do que o dobro do necessário: 113 signatários.


Os parlamentares que assinam um recurso têm o direito de se ‘arrepender’ e retirar suas assinaturas até a data de publicação. No caso do PL 29, os apoiadores do envio do projeto diretamente ao Senado Federal conseguiram convencer 39 deputados a cancelarem o apoio à iniciativa. Assim, a lista final publicada no Diário da Câmara dos Deputados ontem ficou com apenas 74 signatários, número ainda assim superior ao mínimo regimental.


Votação do recurso


Com a publicação, o recurso agora entra no regime de tramitação tradicional das matérias que irão a Plenário. Ele entra na ‘fila’ de documentos ordinários, onde constam não só recursos, mas outros instrumentos legislativos como projetos de lei comuns, requerimentos, mensagens, etc. Para se ter uma ideia da dimensão da ‘fila’, cerca de 100 recursos estão na frente do 438/2010, que pede a votação em Plenário do PL 29. Se forem contados apenas os projetos de lei aguardando análise do pleno, o número atinge impressionantes 1,2 mil.


O recurso 438 ficará no fim desta fila de matérias, ou seja, com mais de mil propostas com prioridade de votação por terem chegado primeiro à Mesa Diretora. Ainda assim, há maneiras de a proposta ‘furar’ essa fila. Uma delas é a apresentação de um requerimento de urgência, tal qual se faz com projetos. Esse requerimento de urgência também precisa ser votado pelo Plenário, mas esse tipo de documento não segue o rito tradicional na maior parte das vezes, sendo apreciado prioritariamente.


Outra maneira é pedir prioridade, urgência ou antecipação da votação por meio de um acordo firmado pelo Colégio de Líderes. Essa estratégia exige um acordo das lideranças, uma vez que a Câmara dos Deputados tem por praxe passar à frente apenas projetos e propostas que já disponham de acordo firmado. Por ora, nenhuma das duas alternativas foi adotada para agilizar a análise do recurso.


Retirada do recurso


Por outro lado, há mais uma ferramenta para bloquear a vigência de um recurso. A manobra regimental consiste na apresentação de um ‘Requerimento de Retirada’, mas essa alternativa tem suas peculiaridades quando se trata de um recurso ao Plenário. Os deputados contrários ao debate de um projeto no pleno devem convencer ao menos a metade mais um dos signatários do recurso a assinarem o requerimento de retirada. No caso o PL 29, os apoiadores do projeto precisam de 38 assinaturas para validar a estratégia. Mas vale frisar que essas assinaturas devem, necessariamente, ser de parlamentares que assinaram o pedido de recurso.


O requerimento de retirada não tem um prazo fixo para ser apresentado. O prazo é o da votação do recurso. A lógica é simples: se o recurso for aprovado pela maioria dos deputados no Plenário, não faz sentido deliberar sobre um pedido de retirada, mesmo que seja dos apoiadores da iniciativa. Assim, os deputados têm até o dia da votação do recurso (ainda sem data por conta da longa fila) para se ‘arrepender’. Depois da decisão do pleno não há mais o que se fazer e o PL 29 será cabalmente votado no Plenário da Câmara dos Deputados.


Regime terminativo


Toda a confusão sobre a votação ou não no Plenário do PL 29 só existe porque este é um projeto que tramita em regime ‘terminativo’. Esse tipo de projeto tem votação conclusiva nas comissões da Câmara dos Deputados, ou seja, não passa pela análise do pleno cabendo apenas às áreas temáticas decidir o destino da matéria.


Normalmente esse regime é aplicado a projetos técnicos, que podem tranquilamente ser avaliados pelos grupos temáticos, desafogando a pauta do Plenário. Mas, seguindo o princípio democrático, sempre é possível pedir que o pleno delibere sobre o assunto, utilizando-se de vários argumentos políticos: relevância para o país, controvérsia nas comissões (pareceres contraditórios) ou mesmo tensões políticas em torno das matérias. Para apresentar o recurso em si não é exigida uma justificativa clara, mas apenas a discordância sobre a análise conclusiva de qualquer uma das comissões.


Redação final


Caso a estratégia do recurso funcione, o PL 29 passará por uma votação comum no Plenário. Sempre é possível solicitar ‘urgência’ ou ‘urgência urgentíssima’, mas, em princípio, o projeto irá para o fim da fila de entrada na pauta, o que pode retardar em meses a sua votação. Uma vez votado, o pleno decidirá a redação final do projeto e o despachará ao Senado Federal. Para os parlamentares, apoiadores ou opositores do projeto, é certo que a votação em Plenário impedirá o encaminhamento ao Senado ainda em 2010.


Caso a estratégia seja frustrada, com a apresentação de um requerimento de retirada, o PL 29 não seguirá automaticamente ao Senado como muitos pensam. Uma última etapa ainda precisa ser cumprida nas comissões antes do despacho aos senadores: a aprovação da redação final do projeto. Se a proposta não passar pelo Plenário, ela será devolvida à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), última área que analisou a matéria na Câmara. A CCJ então terá que compilar a redação final do projeto, considerando a tramitação nas demais comissões. O trabalho é relativamente simples e consiste em uma mera pro forma regimental.


No entanto, exatamente por ser uma pro forma, há uma saga de prazos regimentais para a devolução do PL 29 da Mesa Diretora aos Avulsos e, depois, à CCJ para só então começar a compilação da redação final. A comissão tem o prazo de 10 sessões (conta-se as realizadas pelo Plenário) para finalizar o texto. Concluído o documento, ele passa por uma votação praticamente simbólica da redação. O tempo para a votação é de duas sessões, contadas a partir da publicação do texto ou da distribuição aos gabinetes, o que acontecer primeiro.


Só então, o PL 29 será, de fato, encaminhado aos Avulsos novamente com destino ao Senado Federal. Essa jornada para a finalização do texto mostra que, mesmo o esforço para que o projeto siga ainda em 2010 para o Senado Federal pode ser frustrada com o simples fato de ter sido apresentado um recurso. Segundo técnicos da Câmara dos Deputados, a elaboração da redação final e a votação têm sido resolvidas rapidamente pela CCJ. Mas os deputados mais otimistas, que apostavam que o projeto poderia ser até mesmo votado pelo Senado neste ano, já não contam mais com essa tramitação veloz do projeto. A perspectiva agora é que, com ou sem Plenário, o PL 29 só retome concretamente sua tramitação em 2011.