Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O mistério do homem do capacete verde

Se havia alguém em dúvida quanto ao poder que o chamado ‘jornalismo cidadão’ exerce, talvez a dúvida tenha sido sanada agora. Diversos blogs jornalísticos dos EUA e do Reino Unido afirmaram recentemente que o homem de capacete verde na foto que pode ser acessada abaixo, presença quase unânime na imprensa internacional, pode ter sido um agente do Hezbollah ‘atuando’ para a mídia internacional.


Clique aqui para ver a foto.


O furo foi do britânico EU Referendum, blog dedicado à retirada do Reino Unido da União Européia. Na foto, o homem está vestido como membro do corpo de resgate. Nota-se que ao uniforme de ‘rescue worker’ soma-se um capacete verde-exército e uma jaqueta fluorescente, com um colete antibalas por baixo.


Até aí, nada de estranho. Mas se se comparar a hora em que as fotos da Reuters e as da Associated Press foram tiradas, do mesmo homem em diferentes ângulos, nota-se que há uma diferença de até 4 horas. O EU Referendum mostrou a série de fotos e chegou à chocante conclusão empírica de que entre uma foto da AP e a chegada da ambulância para levar a criança, passaram-se cerca de 9 horas – tempo indiscutivelmente grande para um rotulado ‘rescue worker’ (ou qualquer outra pessoa) socorrer uma pessoa e arranjar-lhe uma ambulância.


As contradições não cessam aí. Uma foto mostra a mesma menina sendo posta na ambulância às 10:25h, três horas após já ter sido fotografada dentro da ambulância. Há ainda outros paradoxos não-relacionados à hora das fotos. Não é preciso ser um mestre em jogos dos sete erros para perceber que a roupa e os acessórios do homem mudaram ao longo do dia, enquanto a criança continuava em seu colo. Ou para perceber que é impossível um único ‘rescue worker’ estar ‘resgatando’ tanta gente ou corpos em um só dia.


Jornalismo cidadão


Diversos órgãos de mídia se adiantaram em publicar a imagem sem checar sua veracidade. Em conflitos como esse, de alto interesse público, é comum que a notícia chegue ao leitor antes de chegar ao editor. Não é qualidade nem quantidade que importa. O grande coringa é o timing. Antes da concorrência: essa é a hora certa de se publicar qualquer coisa, mesmo que não seja a ‘coisa’ certa.


A ironia reside no fato de que justamente é esse o argumento dos opositores ao ‘jornalismo cidadão’: costuma-se dizer que indivíduos e seus blogs não publicam informações tão confiáveis quanto um órgão de imprensa profissional, cuja reputação só existe se houver a louvada precisão. Este é um exemplo de que um blog é capaz de fazer o trabalho que a mídia não fez – de investigação, de análise e do posicionamento crítico e cético que o jornalista deve ter – e assim fazer o bem público. Não há ilustração mais clara de Jornalismo e Cidadania postos assim, lado a lado.


‘Os incidentes em Qana são uma tragédia, mas as fotografias não são fiéis à realidade’, declarou o EU Referendum. ‘Foram imagens ‘encenadas’ para dar efeito, deixando assim de ser fotojornalismo para virar propaganda’.


De acordo com Yaakov Lappin [YNetNews, 8/1/06], muitos outros blogs passaram a analisar as fotografias e manchetes produzidas no Oriente Médio, entre os quais Little Green Footballs, Hotair.com, Ms Underestimated, Michelle Malkin e The Riehl World View. O blog The Riehl World, por exemplo, compara as fotografias de corpos de homens mortos aos de mulheres e crianças e observa: ‘O Hezbollah está tendo bastante trabalho em cobrir os corpos de homens – provavelmente militantes – enquanto fazem questão de deixar expostos os corpos de mulheres e crianças’.


Difícil é entender como a grande mídia, considerada fonte de informações confiáveis no mundo inteiro, ainda cai num conto do vigário que vem se repetindo há anos. Houve manipulação de imagens em conflitos no Iraque, no Afeganistão e em outros incidentes no Oriente Médio. Já se sabe que existe o risco dessa manipulação reincidir. Como é que, mais uma vez, imagens manipuladas são divulgadas em massa sem que haja qualquer questionamento? Não há como acreditar em ingenuidade; sabe-se que a mídia é tudo menos ingênua. Só nos resta a infeliz alternativa da complacência.