Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O que os vendedores de tapetes têm a ensinar

A posição manifestada pelo assessor especial da Casa Civil, André Barbosa, durante a feira da ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura), encerrada na sexta-feira (4/8), lembra que a questão da criação de novos mecanismos de produção para TV está longe de ter sido equacionada pelo governo.

Barbosa manifestou estranheza quando foi questionado sobre o que está sendo feito neste sentido – e ironizou, perguntando se alguém ali estava querendo que se taxasse a televisão. Poucas semanas antes, num encontro com representantes do setor, a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, havia sustentado que o Brasil não tinha condições de produzir audiovisual em escala.

Na época, a afirmação da ministra constrangeu seus interlocutores. Na sexta-feira, seu assessor confirmou essa impressão. Como se previa, o extraordinário aumento da demanda por conteúdo audiovisual gerado pela introdução das plataformas digitais não está sendo adequadamente entendido por setores estratégicos do governo. Se essa postura não mudar, nem a produção nem a sociedade brasileira tirarão proveito da revolução tecnológica que está acontecendo. O país continuará sendo um dos maiores importadores de conteúdo (e de modelos de conteúdo) do mundo e a produção brasileira para TV totalmente concentrada nas emissoras.

Programação competitiva

Existem mecanismos – e outros estão em gestação – para prover o financiamento à produção diversificada. O artigo 39 da MP 2228, por exemplo, tem alavancado alguma melhoria nas relações entre a produção brasileira e as redes de TV por assinatura estrangeiras. Está no Congresso as propostas da criação do Fundo Setorial do Audiovisual e da modificação do artigo 3º da Lei do Audiovisual, que permitiria o investimento dos impostos das próprias exibidoras de TV na produção independente que elas iriam exibir.

É pouco. O governo não deu resposta à questão essencial colocada pela mudança dos paradigmas das transmissões de televisão terrestre. Há duas opções: ou seremos capazes de criar modelos de produção originais, que viabilizem a diversificação da produção, ou perderemos essa chance e continuaremos convivendo com uma televisão de baixa qualidade e importando modelos de conteúdo pelos próximos 40 anos.

É relevante o fato de que essa diversificação virá em proveito das próprias emissoras, o que elimina o embate que às vezes se procura criar. A maior parte do que é produzido na televisão aberta brasileira não é bom. E a maioria das emissoras não é competitiva em relação às principais redes. Os números provam que na televisão brasileira qualidade e desempenho comercial são diretamente proporcionais. É estranho que isso não tenha sido propriamente assimilado e que muitas emissoras ainda reajam à possibilidade de construção de uma programação mais qualificada. Partindo do pressuposto que ninguém rasga dinheiro, é fácil demonstrar que dificilmente as emissoras seriam capazes de rejeitar programação melhor, mais barata, mais competitiva e sobre a qual detêm o controle.

Olhar para frente

Há outras sutilezas, no entanto, em relação aos modelos de produção existentes no Brasil para o cinema. O cinema luta há muitos anos por uma auto-sustentabilidade que o mercado ainda não permitiu que acontecesse. Se não existissem os incentivos fiscais, a produção audiovisual brasileira já teria sido extinta. Tais incentivos viabilizam uma atividade sem a qual a sociedade conheceria menos de si mesma, seria mais suscetível a informações e valores estranhos a ela e teria sua auto-estima significativamente reduzida.

O que a sociedade brasileira investe no cinema, portanto, é pouco em relação ao retorno que o cinema lhe dá. Ainda assim, a busca pela auto-sustentabilidade é um objetivo comum a toda a atividade cinematográfica.

Em oposição, a atividade televisiva é plenamente auto-sustentavel desde que o modelo de negócio seja adequado. Na mesma feira da ABTA, o presidente da NET Serviços, Francisco Valim, levantou uma boa questão em relação ao aluguel de canais da operadora: ‘Por enquanto, os únicos que vem até nós com proposta de negócio viável são os canais de venda de tapete’.

Se vendedores de tapete e pastores evangélicos são capazes de formatar modelos de negócio viáveis em televisão, é improvável que todo o resto da sociedade não o seja. O desafio hoje está justamente na criação de mecanismos de produção e modelos de negócio que levem em consideração as múltiplas plataformas pelas quais estará trafegando o produto audiovisual e a incapacidade de os exibidores deterem a exclusividade sobre a criação desse imenso conteúdo.

O governo tem que fazer a sua parte – reconhecendo a inevitabilidade dessa diversificação, sua importância estratégica para o país e a necessidade de encontrar mecanismos de produção para a TV (e as novas mídias) que por mais de 50 anos não foram cogitados. E os exibidores de conteúdo – sejam TVs, operadoras de telefonia e afins – têm que se esforçar para olhar com confiança para o futuro, entender o que os novos tempos exigem deles e deixar de ser reféns dos vícios do passado.