Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O segredo de José Antonio Vargas

Rebuliço ético na grande imprensa americana: José Antonio Vargas, competente repórter do Washington Post, engajado na cruzada para alterar a política imigratória dos Estados Unidos, confessou numa dramática matéria que forjou a sua nacionalidade americana – na verdade era filipino.

O Washington Post decidiu não publicá-la porque jornalista não pode mentir. O New York Times publicou-a com o inesperado desfecho propiciado pelo farisaísmo do concorrente.

Jornalista não pode mentir, está certo: mas a confissão não era mentirosa, o repórter sabia que ao contar a verdade sujeitava-se às penalidades da lei. Se não confessasse ficaria impune.

O artigo do ombudsman do Washington Post revela muita arrogância e preconceito contra repórteres agressivos. Quem errou? Todos erraram, inclusive os jornais brasileiros – com exceção do Globo –, que passaram ao largo de um dramático episódio que coloca na berlinda não apenas a credibilidade dos jornalistas, mas de toda a imprensa. (Alberto Dines)

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Na semana passada, o jornalista filipino José Antonio Vargas revelou publicamente que vive sem documentos legais nos EUA. Ele havia escolhido seu ex-empregador, o Washington Post, para revelar este segredo mantido a sete chaves, mas o jornal optou por não publicar seu relato – que foi divulgado, então, pelo New York Times. Em sua coluna [24/6/11], o ombudsman Patrick B. Pexton aborda os possíveis motivos que levaram o diário de Washington a desistir da pauta.

Segundo ele, jornalistas não são funcionários públicos nem administram recursos públicos, mas detêm, no entanto, uma confiança pública. E, na base desta confiança, está a promessa de contar a verdade ou de, pelo menos, chegar o mais próximo possível dela. Um modo pelo qual jornalistas mantêm esta confiança é sendo transparentes sobre sua profissão, sobre quem são e também sobre suas falhas e preferências. Esta relação com o público é mais ressaltada, hoje em dia, por conta das mídias sociais, quando leitores online, seguidores do Twitter e amigos do Facebook querem saber quem é a pessoa por trás da voz do repórter tradicionalmente onisciente e anônimo.

No relato de Vargas, ele conta que um editor do Post, Peter Perl, sabia do seu status quando era empregado do diário, de 2004 a 2009. Perl manteve o segredo. O repórter levantou a ideia de contar, em primeira pessoa, a história de sua situação ilegal em março deste ano, e os editores passaram semanas apurando dados e trabalhando no assunto. No entanto, repentinamente, o editor-executivo Marcus Brauchli optou por não publicar a matéria. Por isso, Vargas procurou o NYTimes, que publicou o depoimento em seu site, na semana passada, e na revista de domingo do dia 26/6.

Pexton questiona por que o Post deu ao rival a matéria já editada, que poderia gerar um importante debate sobre imigração ilegal e que incluía uma conduta possivelmente ilegal, porém talvez perdoável, de um ex-repórter e de um funcionário. Brauchli disse, em entrevista, que prefere não discutir o caso. Pexton também é cauteloso em abordar o assunto, porém traz alguns dados sobre Vargas que podem ter levado à decisão de Brauchli.

Possíveis motivos

Na redação do Post, a lembrança é de que Vargas era um jornalista obstinado e talentoso (ele fez parte da equipe vencedora do Pulitzer sobre a cobertura do massacre na universidade Virginia Tech, em 2007), mas ao mesmo tempo uma pessoa que gostava de se autopromover e que não tinha a confiança de muitos colegas. Editores contam que ele precisava de constante orientação e observação. Outro fator que parece complicado aos olhos do ombudsman é o fato de Vargas ter criado um grupo sem fins lucrativos para defender a reforma das leis de imigração nos EUA, ultrapassando assim a fronteira do jornalismo para o ativismo.

No entanto, diz Pexton, estas características podem ser vistas como motivos a mais para manter o assunto no Post, com um relato em primeira pessoa e outra matéria com respostas a possíveis questões de leitores, tais como: de que maneira ele trabalhou no Post sem documentação legal, por que Perl manteve o segredo, quais as consequências legais para Perl e o grupo Washington Post Company, e se Vargas é um jornalista de confiança por ter escondido esta informação importante sobre sua vida. Perl alega ter informado à direção do Post por email quando ficou sabendo do status legal de Vargas e diz que decidiu manter segredo por ter sido convencido de que a revelação disso colocaria fim à carreira do jornalista e talvez levasse a sua deportação. “Fiz o que achei que era o certo”, afirma.

 

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